quinta-feira, 13 de setembro de 2018

IMS põe o melhor da crônica brasileira ao alcance de um clique

A cronista Rachel de Queiroz, no traço do cartunista Loredano Foto: Reprodução

A cronista Rachel de Queiroz, no traço do cartunista Loredano - Reprodução

Originalmente publicada em uma edição de “O Cruzeiro” de julho de 1946, a crônica “História da velha Paulista” foi logo revisada por sua autora, Rachel de Queiroz (1910-2003). A escritora cearense recortou o texto na revista e fez uma série de correções de próprio punho, já pensando em uma futura publicação em livro.

Aparentemente, a insatisfação começava no título, que aparece rasurado. As notas não foram em vão: 12 anos depois, a crônica ressurgiu com um novo nome —“História da velha Mathilde” — na coletânea “Um alpendre, uma rede, um açude”.

O fragmento pode ser conferido com apenas um clique, graças ao “Portal da crônica brasileira”. Lançada na quarta-feira pelo Instituto Moreira Salles (IMS), a plataforma reúne milhares de crônicas dos principais nomes de seu acervo. Na maioria dos casos, são digitalizações de recortes originais guardados pelos próprios cronistas — e, eventualmente, rabiscados por eles.

Por enquanto, o time é formado por Paulo Mendes Campos, Otto Lara Resende e Rachel de Queiroz — além de Rubem Braga, que não está sob a guarda do IMS e entrou graças a uma parceria com a Casa de Rui Barbosa. Antônio Maria e Clarice Lispector tiveram os seus textos transcritos de seus livros.

— Ter não apenas a crônica, mas também os recortes que pertenceram aos autores, é um diferencial — explica a coordenadora de literatura do IMS, Elvia Bezerra. — Eles colocam em questão a provisoriedade que tanto se atribui ao gênero. Só porque o cronista muitas vezes termina o texto às pressas para obedecer à agenda dos jornais, não significa que deixe de se preocupar com o que escreve. Esse material anotado mostra, talvez, uma revelação: a de que os escritores dedicaram à crônica tanto cuidado quanto qualquer outro gênero, inclusive os considerados mais “nobres”, como o romance.

O IMS preserva cerca de 10 mil crônicas. O portal abriu com 2.519 documentos, e aumentará sua coleção aos poucos. Quem visitar o site poderá encontrar raridades e até crônicas inéditas em livro. É o caso de “Albinha”, escrita por Rachel de Queiroz em homenagem à sua amiga de infância Alba Frota. Personagem pouco conhecida, ela é importante para compor o perfil da própria Rachel (foi, inclusive, retratada pela autora no romance “As três Marias”).

Para guiar o leitor entre essas páginas, a plataforma terá uma coluna quinzenal chamada Rés do Chão, com textos assinados pelo editor do site, Humberto Werneck, e caricaturas dos autores por Cássio Loredano. Uma vez por mês, será publicada uma crônica em formato de áudio. A gravação inaugural ficará por conta de “Meu ideal seria escrever...” 

(1967), de Rubem Braga, com locução de Eucanaã Ferraz, consultor de literatura do IMS. Aliás, esta é outra crônica que teve o título alterado por seu autor: em uma publicação anterior, de 1957, havia sido batizada como “A história maravilhosa” na revista “Manchete”.

— Até Mendes Campos, o maior deles, pedia ajuda a amigos e editores para melhorar os textos depois de publicados — conta Werneck. — Muita gente acha que crônica é pá-pum, bate na hora e publica do jeito que ficou, mas o fato é que os autores tratavam muito bem o seu produto.



Detalhe da publicação original de crônica de Rachel de Queiroz - Reprodução



Bolívar Torres, O Globo