Trechos do célebre artigo “Ai de Ti, Copacabana”, de Rubem Braga, ressurgem na memória sempre que vou ao Rio de Janeiro (desde um domingo de janeiro de 2006), e atravesso o bairro de São Cristóvão, pela Avenida Brasil, no trajeto entre o Aeroporto Tom Jobim e a zona sul .. Tem sido assim desde a invasão, depredação e saque da sede do centenário Jornal do Brasil (onde trabalhei por 17 anos). Se voltar ao Rio, nem sei como será, desde as lágrimas de domingo passado do incêndio que devastou o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, bem perto do prédio abandonado do JB, invadido e saqueado há 12 anos “por grupos de moradores sem-teto”, segundo o noticiário de então.
“É de fazer chorar”, assinalou em seu blog o jornalista Ricardo Noblat, velho companheiro de profissão e de batente no JB (ele na sucursal de Brasília e eu na da Bahia, na era de ouro do jornal da condessa Pereira Carneiro). Palavras buscadas na letra do antológico frevo de Luiz Bandeira, diante da assombrosa imagem do “esqueleto” que restou, do museu fundado há 200 anos pelo imperador D. João VI e que guardava relíquias da história, da arte e da ciência do Rio, do Brasil e da Humanidade.
Pior são as tentativas de escamotear fatos e evidências, tirar o corpo fora, desenvolver desculpas improvisadas e mal alinhavadas , que ferem a inteligência, para justificar o descaso escandaloso que envergonha mais ainda o Rio e o País diante do mundo. O jogo sórdido e deslavado de palavras, na tentativa de manipulação e utilização política e eleitoral em tempo de campanha presidencial e eleições gerais. E a ideologização burra e caquética – da esquerda à direita – deste caso de patente omissão e leniência, que cobra investigação séria e profunda da Polícia Federal e punição severa pela admministração pública e pela justiça de responsáveis . Antes de se falar em dar mais dinheiro para gestores boquirrotos e incompetentes, do tipo que se tem revelado Roberto Leher, reitor da UFRJ, instituição pública (transformada em aparelho partidário e ideológico pelo poder dominante, a exemplo de outras universidades federais no país), a quem cabia o zelo e guarda do agora destruído, Museu Nacional.
No meio dos escombros e assombros (nem se imaginava o esfaqueamento do candidato Jair Bolsonaro durante ato de campanha em Juiz de Fora, nesta quinta-feira), um momento de alívio e grande contentamento: ver na TV o meteorito de Bendegó, que resistiu ao fogo, sendo levado para lugar mais seguro. O pedaço da galáxia que desabou no Nordeste, relíquia científica e histórica que caiu nas terras de Monte Santo, no sertão baiano de Canudos do beato Conselheiro – “um aviso”, no dizer de Glauber Rocha. Um sinal?, pergunto diante do incêndio no museu.
O cronista Rubem Braga escreveu: “Ai de ti, Copacabana, porque a ti chamaram Princesa do Mar, e cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras; e destes risadas ébrias e vãs no seio da noite. Já movi o mar de uma parte e de outra parte, e suas ondas tomaram o Leme e o Arpoador, e tu não vistes este sinal…. Sem Leme, quem te governará?”. Diz agora o jornalista – depois das destruições da sede do JB, e do Museu Nacional: “Ai de ti, nobre e amado bairro de São Cristóvão da cidade do Rio de Janeiro. Tu que fostes casa de poder, morada de reis e imperadores no norte da cidade maravilhosa, quem te salvará nesta hora de abandono, perda e indignação?
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta
Vitor Hugo Soares. Blog do Noblat, Veja