Ao ocupar o vasto tempo de propaganda televisiva do centrão, Alckmin foi tratado como presidenciável mais vivo de 2018. Rapidamente, revelou-se um vivo tão pouco militante que o eleitorado cativo do PSDB enviou-lhe coroas de flores, migrando maciçamente para Bolsonaro. Com seu projeto jurado de morte, Alckmin ainda fingia estar cheio de vida. Súbito, Fernando Henrique Cardoso, o grão-mestre do PSDB, jogou sobre suas pretensões uma carta que tem o peso de uma lápide.
Divulgada no Facebook e endereçada “aos eleitores e eleitoras”, a carta de FHC traçou um quadro fúnebre para o país. Abordou a polarização Bolsonaro X Haddad sem mencionar-lhes os nomes. Anotou que o fato de um personagem que prega o ódio estar “à frente das pesquisas e ter como principal opositor quem representa um líder preso por acusações de corrupção mostra o ponto a que chegamos.”
Para “deter a marcha da insensatez”, FHC sugeriu “que os candidatos que não apostam em soluções extremas se reúnam e decidam apoiar quem melhores condições de êxito eleitoral tiver”. Do contrário, “a crise tenderá certamente a se agravar.” Absteve-se de citar o zumbi que reúne as tais “melhores condições”. Mas deu nome ao defunto numa outra mensagem, pendurada no Twitter:
''Enviei carta aos eleitores pedindo sensatez e aliança dos candidatos não radicais”, escreveu FHC. “Quem veste o figurino é o Alckmin, só que não se convida para um encontro dizendo ‘só com este eu falo’.” Em timbre irônico, Marina Silva insinuou que o alfaiate da concórdia tucana chegou tarde: “Ninguem chama para tirar as medidas com a roupa pronta.”
O ex-tucano Alvaro Dias deu um toque humorístico ao velório, sugerindo que o primeiro passo rumo à unificação das forças de centro deveria ser a renúncia à candidatura de Alckmin. Apresentou um argumento convincente: “O PSDB vem perdendo para o PT desde 2002”. O próprio Alckmin foi batido por Lula na sucessão de 2006.
Na carta aos eleitores, FHC escreveu que, ''diante de tão dramática situação, os candidatos à Presidência deveriam se recordar do que prometeu Churchill aos ingleses na guerra: sangue, suor e lágrimas”. O diabo é que Alckmin promete vitória, redenção e prosperidade. Por isso, o exército tucano foi encurralado até no seu berço paulista. O estado de São Paulo foi convertido numa espécie de Dunquerque tucana —sem os barcos de resgate.
“Ante a dramaticidade do quadro atual”, anotou FHC na sua carta aos brasileiros, “ou se busca a coesão política, com coragem para falar o que já se sabe e a sensatez para juntar os mais capazes para evitar que o barco naufrague, ou o remendo eleitoral da escolha de um salvador da Pátria ou de um demagogo, mesmo que bem intencionado, nos levará ao aprofundamento da crise econômica, social e política.”
Tudo faria muito sentido não fosse por um singelo detalhe: a raiva do eleitor. Em 2018, os caciques continuam fazendo política com os pés no mundo da Lua. Promovem os mesmos cambalachos de sempre. Em órbita, não se deram conta de que um pedaço expressivo do eleitorado já não parece disposto a fazer o papel de gado. De repente, a grama da enfermaria do Einstein e da cadeia de Curitiba pareceram mais verdes.
Para ficar no personagem citado por FHC, Churchill ensinou que a democracia é o pior regime possível com exceção de todos os outros. No Brasil, os políticos engajaram-se num esforço coletivo para implementar as alternativas piores. De erro em erro, chegou-se a isso que o presidente de honra do PSDB chama de “pano de fundo sombrio”.
A carta de FHC chegou tarde. Ao lado do túmulo da candidatura de Alckmin, enterraram-se as esperanças do ex-eleitorado tucano. No epitáfio, lê-se o seguinte: “Não contem mais comigo”.
Com Blog do Josias, UOL