No Brasil desde 1972, o americano David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), é um dos cientistas políticos mais reconhecidos do país. Acompanhou a redemocratização do país e sempre se manteve atento às intempéries dos períodos eleitorais. Fleischer disse que o atentado sofrido pelo candidato do PSL ao Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro, deverá ter o condão de turbinar sua campanha. “Por empatia o simpatia, Bolsonaro subirá nas pesquisas”, afirma.
A seguir os principais trechos da entrevista concedida a ÉPOCA.
ÉPOCA - Como o atentado contra Jair Bolsonaro vai alterar a disputa presidencial?
David Fleischer - Por empatia ou simpatia, Bolsonaro subirá nas pesquisas. Temos de esperar o resultado da pesquisa do Datafolha na segunda-feira (10) para ver o resultado. Supõe-se que seu índice de rejeição diminuirá. Teremos de ver como afetará os outros candidatos que estão empatados em segundo lugar: Geraldo Alckmin, Ciro Gomes e Marina Silva. Você deve se lembrar de 2014, quando Eduardo Campos morreu naquele desastre de avião em Santos. Marina assumiu a candidatura e subiu verticalmente nas pesquisas por causa da consternação e empatia pela morte de Eduardo Campos. Esse é outro exemplo depois de um desastre, uma violência na campanha, a candidatos civis. É o mesmo efeito no eleitorado deve acontecer agora.
ÉPOCA – Bolsonaro tem o maior índice de rejeição entre os candidatos. O senhor acredita que ele conseguirá reduzí-la?
David Fleischer – Acredito que sim. A grande vantagem da propaganda da campanha foi a entrevista que ele deu na quinta-feira (6) na maca [um vídeo gravado pelo senador Magno Malta, do PR do Espírito Santo]. Essa fala dele, deitada com oxigênio no nariz, vai ter um efeito muito positivo na campanha dele. O vídeo foi reproduzido pela TV Globo e também por todas as redes sociais.
ÉPOCA – O senhor acredita que será possível medir o impacto do atentado nas intenções de voto já na pesquisa Datafolha de segunda-feira?
David Fleischer - Se comparar com Datafolha anterior, em que tinha 18%, acredito que ele possa subir para 25% até 30%. Vai ter uma subida bem grande. Alguns outros cientistas políticos acham que esse efeito vai ser momentâneo. Alguns também falam que poderá fazer com que ele seja eleito no primeiro turno. Não acho que chegará a tanto.
ÉPOCA – O senhor citou o caso de Marina Silva em 2014. O efeito da morte de Eduardo Campos não teve gás até o fim da campanha.
David Fleischer - Em 2014, quem tirou o gás dela foi a Dilma, que desconstruiu a candidatura propositalmente.
ÉPOCA – E se não fosse por isso, o senhor acredita que Marina teria chegado ao segundo turno e, eventualmente, vencido as eleições?
David Fleischer – Sim, exatamente. Ela já tinha ultrapassado Aécio Neves e Dilma nas intenções de voto.
David Fleischer – Provavelmente, Alckmin vai parar de bater no Bolsonaro. Seria contraproducente.ÉPOCA – Qual o impacto que o atentado contra terá na campanha dos outros presidenciáveis?
ÉPOCA – Bolsonaro terá mobilidade reduzida nos próximos dias por causa deste episódio. Como isso influenciará na campanha dele?
David Fleischer - Ele não estará na rua fazendo campanha antes do primeiro turno. Mas, diferente, do Lula, por exemplo, ele vai poder gravar vídeo no hospital. Isso terá um efeito muito grande. Ele no hospital, na cadeira de rodas ou deitado na cama. Pode aumentar ainda mais a empatia com ele. General Mourão [candidato a vice-presidente na chapa] e filhos de Bolsonaro vão assumir a campanha de rua.
ÉPOCA – Seria um trunfo para a campanha poder gravar aparições no hospital?
David Fleischer – Sim. Além disso, no hospital, todos os veículos de imprensa tentarão gravar entrevistas com ele. Essas gravações vão para o horário nobre dos telejornais à noite. Isso é muito mais eficaz que qualquer horário gratuito.
ÉPOCA – O senhor acredita que esse episódio afeta a campanha do PT?
David Fleischer – É provável que sim. Está circulando muita notícia falsa sobre Bolsonaro contra o PT. As mídias sociais são muito anti-PT.
ÉPOCA – Houve no Brasil algum paralelo a esse episódio de atentado contra Bolsonaro?
David Fleischer – O único deste tipo foi em 1930, quando mataram João Pessoa a tiros no Recife. Ele era então candidato a vice-presidente na chapa de Getúlio Vargas. A imprensa, a princípio, noticiou como um assassinato político. Depois, se descobriu que era passional, que João Pessoa estava andando com a esposa do assassino. É diferente do caso de Bolsonaro. De lá para cá, mesmo na ditadura militar, nunca houve esse tipo de ataque a um candidato. Nos Estados Unidos, em junho de 1968, Robert Kennedy tinha acabado de vencer as primárias e seria o indicado pelo partido Democrata. Mas um homem o matou no lobby de um hotel. Esse é um caso norte-americano em que um candidato foi assassinado.
ÉPOCA – E qual o impacto do assassinato na campanha americana de 1968?
David Fleischer –O partido teve uma campanha muito violenta em que muitos protestaram contra a guerra no Vietnã, o que permitiu que Richard Nixon fosse eleito. Se Kennedy fosse candidato, teria sido eleito facilmente.
ÉPOCA – Não teve transferência de voto?
David Fleischer – Não, porque o candidato foi Hubert Humphrey, que representava a continuação de Johnson. Nixon fez campanha contra a guerra no Vietnã.
ÉPOCA – O candidato tucano Geraldo Alckmin tinha a expectativa de ir ao segundo turno, num cenário mais provável enfrentando o candidato do PT.
Essa possibilidade cai por terra?
David Fleischer - Foi para o espaço. A estratégia do Alckmin e companhia era tirar votos do Bolsonaro e, agora, isso é totalmente inviável. Vão ter que pensar em uma nova estratégia. Quem iria ao segundo turno seria ou Ciro Gomes ou Marina Silva.
ÉPOCA – O senhor acredita que Fernando Haddad e PT não conseguirão fazer a transferência de votos do Lula?
David Fleischer – Acredito que não vão conseguir essa transferência em grande número. Meu palpite é Marina ir ao segundo turno. Problema do Ciro Gomes é a boca dele.
ÉPOCA – E quais as chances da Marina agora?
David Fleischer – As pesquisas davam a Marina um pouco à frente. Agora, se for para o segundo turno, as chances seriam bastante reduzidas. Esperaremos para ver as simulações do Datafolha na segunda-feira.
Gabriel Hirabahasi, Epoca