sábado, 8 de setembro de 2018

Bolsonaro paz e amor...

Candidato a vice de Jair Bolsonaro, o general Hamilton Mourão reagiu à facada que hospitalizou seu companheiro de chapa com o exacerbamento retórico de praxe. Culpou o PT pelo atentado. E ameaçou: “Se querem usar a violência, os profissionais da violência somos nós''. Na noite de sexta-feira, um dia depois da manifestação insensata, Mourão como que anunciou o surgimento de um personagem novo na campanha eleitoral de 2018: o Bolsonarinho paz e amor.
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Bolsonaro é esfaqueado em MG38 fotos

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7.set.2018 - Jair Bolsonaro acena com sinal de positivo em seu leito na UTI da Santa Casa de Juiz de Fora, em foto divulgada pelo filho Flavio Bolsonaro nas redes sociais na madrugada desta sexta-feiraVEJA MAIS >Imagem: Reprodução/Twitter
Em entrevista à Globonews, o general informou que recebera um telefonema do capitão. “Hoje, o deputado Bolsonaro me ligou. Eram 19h20. O que ele me disse foi que nós vamos moderar o tom. Qual é o nosso grande objetivo? Se formos eleitos, nós vamos governar para todo o Brasil e não para pequenos grupos. (…) Sem união a gente não chega a lugar nenhum.”
Alvíssaras! A principal característica da campanha atual é o cheiro enxofre no ar. No início, o ódio vadiava apenas pelas redes sociais. Mas passou a circula pelas ruas à procura de encrenca. A raiva tornou-se um instrumento político banal. Parecia haver no seu caminho um cadáver, uma espécie de fantasma prestes a existir. Bolsonaro notabilizou-se como um fornecedor de matéria-prima para a indústria da raiva.
Conforme já comentado aqui, o capitão frequentou o noticiário nos dias que antecederam a facada com a língua engatilhada. Interpelou um repórter: “Você pintou unha quando criança?” Fustigou adversários: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre.” Alvejou PSDB e PT: “Vamos varrer a cúpula desses partidos para a lata de lixo da história.” Tratou a ideologia a pontapés: “Vamos dar um pé no traseiro do comunismo”.
Tomando-se Mourão a sério, o Bolsonaro pós-facada é quase um ex-Bolsonaro. Sob orientação repassada pelo candidato desde a UTI, o comando da campanha está transmitindo a lideranças políticas estaduais o que Mourão chamou de “palavra de ordem”. Consiste no seguinte: “Atenção,reduzir as tensões. Não adianta haver o confronto nesse momento. Não faz bem a ninguém. E é péssimo para o país.”
O pedaço da audiência que rejeita Bolsonaro —44% do eleitorado, antes do atentado— deve ter recebido as palavras sensatas de Mourão com enorme ceticismo. Muitos dos que assistiram à entrevista talvez tenham ficado com a impressão de que o general atirava palavras ao vento —mais ou menos como se brincasse de roleta-russa protegido pela certeza de que manipulava uma sinceridade completamente descarregada. Mas a essa altura, qualquer sinal de paz interessa, mesmo que seja um compromisso insincero.
Concebida como alternativa civilizatória às guerras, a política subverteu-se no Brasil. Em vez de oferecer esperança, dedica-se a industrializar a raiva. Produz choques e enfrentamentos desde o primeiro governo do PT, quando Lulinha paz e amor inaugurou a fase do “nós contra eles”. Na atual temporada, a notícia sobre a primeira morte flutua sobre as redações como um fato que deseja acontecer. O cadáver vem escapando por pouco.
O primeiro morto escapou das manchetes quando sindicalistas enfurecidos reagirem mal às palavras de um empresário, empurrando-o da calçada defronte do Instituto Lula em direção à rua, até cair e bater a cabeça no parachoque de um caminhão.
O cadáver inaugural livrou-se novamente da primeira página ao desviar dos tiros disparados contra os ônibus da caravana de Lula, no Paraná. Foi preciso que o líder nas pesquisas presidenciais escapasse da morte para que o extremismo começasse a cogitar o abandono de sua vocação para o velório.
A paisagem, dizia Nelson Rodrigues, é um hábito visual. Só começa a existir depois de 1.500 olhares. Na campanha de 2018, o cenário de guerra é um fenômeno auditivo. Existe porque políticos rendidos à radicalização se habituaram a usar palavas como armas carregadas.
A facada de Juiz de Fora inaugurou algo muito parecido com um armistício. O cessar-fogo talvez não tenha futuro. Mas ainda que dure pouco, servirá para mostrar aos brasileiros que, em matéria de civilização, o futuro era muito melhor antigamente.

Com Blog do Joias, UOL