sábado, 22 de setembro de 2018

Após 20 anos na ativa, Google redefine a noção de internet

Um pouco desorientadas com os livros nas prateleiras, cinco crianças caminham nos corredores da Biblioteca Mário de Andrade, no centro de São Paulo. Cheiram os livros e se impressionam com seus tamanhos e páginas amareladas pelo tempo. “Parece que alguém derrubou café”, diz um deles.
A Folha levou cinco estudantes de 10 e 11 anos para  uma das mais tradicionais bibliotecas da capital paulista para resolver uma questão simples: quem foi o primeiro presidente do Brasil. A tarefa era responder a pergunta a partir dos livros de história, sem consultar o Google. 
“Foi muito difícil. Precisei procurar no sumário. Não estava escrito logo de cara o primeiro presidente do Brasil foi...”, relata Vitor Bolleta, 11. Mais de 1h depois, titubeando entre Getúlio Vargas e outros nomes, uma dupla pergunta: é o Marechal Deodoro da Fonseca?
 
O estranhamento com índices e enciclopédias é marca da geração nascida na última década. Ela cresceu junto com a popularização do smartphone, sob o domínio da internet banda larga e com acesso à informação na palma da mão. Eles chamam de “gente antiga” quem usou a Barsa em trabalhos escolares.
 
Prestes a completar 20 anos na quinta-feira (27), o Google capitaneou essa transformação. A empresa alterou não só a pesquisa, mas os serviços digitais, a mídia, o consumo e a noção do que é internet —para muitos, internet é Google.
Com investimento inicial de US$ 100 mil (R$ 405 mil) em 1998, os jovens engenheiros Larry Page e Sergey Brin criaram a empresa quando eram alunos de pós-graduação da Universidade Stanford, na Califórnia. Duas décadas depois, a empresa, que hoje pertence à holding Alphabet, se consolida como uma das mais poderosas do mundo, com valor de mercado de US$ 813 bilhões (R$ 3,3 trilhões). 
A gigante está entre grupos de tecnologia com valor próximo a US$ 1 trilhão (R$ 4,05 trilhões) —Amazon e Apple já atingiram a marca.
 
Inicialmente, nomeada BackRub, em 1995, a empresa confrontou os mecanismos de busca vigentes até então. Page e Brin criaram o Page Rank, algoritmo responsável por fazer sua ferramenta disparar frente a de concorrentes e concentrar mais de 60% das buscas online em desktops. Bing e Yahoo representam 21% e 12%, respectivamente.
 
 
O Page Rank é um cálculo matemático de inúmeros fatores que determina por que um site deve aparecer antes de outro nos resultados. 
Ramesh Srinivasan, professor da UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles) e pesquisador de tecnologia, diz que o sucesso do Google frente a competidores foi a decisão de personalizar a busca.  A rede, antes disso, era como o “Velho Oeste”, ele diz.
“A personalização só é possível pela coleta de dados. Ao mesmo tempo que esse modelo é atraente, as pessoas ainda não têm ideia de como isso é feito. O Google busca saber quem somos, nos oferece essas respostas em troca e, como um espelho, ajuda até a moldar nossa identidade.”
A preocupação natural disso se dá em relação à privacidade. De acordo com relatório da EFF (Eletronic Frontier Foundation), entidade de direitos na internet, a reputação dos produtos da Alphabet é melhor do que a de concorrentes da internet, como Facebook, Linkedin e Twitter —ao menos quando o assunto é o fornecimento de dados a governos. 
“O Google acumula um verdadeiro tesouro de informações pessoais, registrando nossas atividades online e colocando-as potencialmente à disposição de qualquer interessado com dinheiro suficiente”, diz Veridiana Alimonti, analista de políticas da EFF.
Ela se refere a anunciantes publicitários, que pela plataforma conseguem direcionar seus produtos de forma cada vez mais segmentada.
Apesar de o Google se posicionar historicamente como uma empresa transparente e aliada da privacidade, Veridiana cita que funções recentes do Gmail, como o modo confidencial (no qual o usuário pode impedir que seus e-mails sejam encaminhados pelo destinatário), são problemáticas já que os e-mails não são criptografados de ponta a ponta, uma premissa básica da privacidade. 
“Em algum momento, as forças reguladoras americanas e europeias irão atrapalhar esses grandes nomes da internet. Mas o Google se manterá como um grande líder na pesquisa, na robótica, na publicidade e na condução autônoma. A pergunta de onde eles irão parar é a pergunta que vale milhões de dólares”, diz Joel Kulina, analista da consultoria americana Wedbush.
Para analistas, a coleta de dados do grupo Alphabet hoje vai muito além da busca. Os dados pessoais servirão para o desenvolvimento mais assertivo de carros autônomos e para o que mais se puder imaginar nos próximos 20 anos.


Paula Soprana e Ricardo Ampudia, Folha de São Paulo