A sombria perspectiva de um segundo turno
disputado entre extremistas, francamente
indispostos à negociação política, antecipou
a estratégia do chamado “voto útil”
A sombria perspectiva de um segundo turno da eleição presidencial disputado entre extremistas, francamente indispostos à negociação política para alcançar o urgente consenso nacional, antecipou a estratégia do chamado “voto útil” – quando se defende o voto em determinado candidato não em razão de suas qualidades, mas por ser capaz de impedir a eleição de alguém considerado indesejado.
Em geral, esse tipo de campanha é deflagrado nos últimos dias antes do primeiro turno ou apenas no segundo turno, quando cada candidato retrata o adversário como um perigo para o futuro. Mas, desde que o PT começou a radicalizar seu discurso antagônico às “elites” e seu comportamento arrogante ante os que se recusavam a se dobrar à sua doutrina antidemocrática e a suas concepções irresponsáveis de Estado, o “voto útil” parece ter se tornado na prática um voto permanente contra esse partido.
Um dos exemplos mais significativos dessa indisposição ao PT se deu em 2016, quando o então prefeito de São Paulo, o petista Fernando Haddad, perdeu já no primeiro turno para o novato tucano João Doria, sendo derrotado em todas as regiões da cidade. Até a véspera do pleito, pesquisas apontavam a possibilidade de um segundo turno entre Doria e Haddad, que ganhara fôlego na reta final, mas, ao mesmo tempo, indicavam a hipótese de vitória do tucano no primeiro turno. Diante da chance de impedir que o PT continuasse sua tão característica pregação intolerante num segundo turno, em que os candidatos têm igual tempo de exposição, e de dar nos petistas um corretivo exemplar no principal colégio eleitoral do País, o eleitor paulistano entregou-se ao voto útil. No dia anterior à votação, ainda havia 25% de eleitores dispostos a mudar de voto, a depender do cenário – clássica situação em que o cidadão vota de maneira “tática”. Foi o que decidiu a eleição.
Esse voto “tático” não é incomum, mas se manifesta de maneira mais significativa – e eventualmente decisiva – quando há polarização extremada. Assim, a radicalização do PT gerou seu antípoda perfeito, o iracundo movimento bolsonarista – que hoje parece atrair muitos eleitores que nem sabem bem o que Jair Bolsonaro (PSL) pretende fazer na hipótese de chegar à Presidência, mas veem nele o grande paladino do antipetismo.
Dessa maneira, o País corre o risco de enfrentar o pior dos cenários, em que os polos que representam o mais radical antagonismo, diante do qual a política tradicional é quase impotente, são justamente aqueles com enorme potencial eleitoral. Bolsonaro surge como líder consolidado de todas as pesquisas de intenção de voto, enquanto o petista Haddad deverá herdar ao menos parte do poderoso capital de seu padrinho, o ex-presidente Lula da Silva. O primeiro representa a negação do diálogo, essencial numa democracia; o segundo encarna um projeto liberticida de poder, que tem a corrupção política e o desprezo pelos fundamentos da economia como método. Nenhum deles está na campanha para oferecer saídas para a crise nacional – Bolsonaro, porque não tem o menor preparo para o cargo que disputa; e Haddad, porque é justamente do partido responsável pela crise. A campanha de ambos é, na verdade, uma guerra ideológica, que, levada adiante, terá o condão de agravar a já difícil situação do País.
Assim, não surpreende que, a pouco mais de 20 dias do primeiro turno, esteja a pleno vapor a campanha pelo voto útil – contra Bolsonaro, contra o PT e contra ambos ao mesmo tempo. Com isso, fica cada vez mais em segundo plano a discussão de planos de governo. O eleitor está sendo estimulado desde já a fazer sua escolha não em consideração, prioritariamente, ao que prometem os candidatos, mas sim levando em conta quem teria mais chance de impedir um tenebroso desfecho eleitoral.
É realmente lamentável que, no momento em que o País deveria estar discutindo soluções para seus graves problemas, o debate eleitoral esteja monopolizado por uma refrega entre minorias radicais. Nesse cenário, o voto útil surge como legítimo expediente democrático para punir os extremistas e sinalizar o desejo de restabelecer o valor do diálogo político em busca do consenso.