Aos 2 anos fui para a Noruega, aos 4 para Camarões, aos 5 para a Costa do Marfim, aos 6 para a Venezuela. Nessa época, desenvolvi uma osteomielite no pé esquerdo, que tinha um tratamento mais arriscado e longo do que hoje. Fiquei num hospital só para crianças na França, por um ano. Lembro que chorava e chorava porque não queria ficar lá, mas, quando, aos 7 anos, o tratamento acabou, lembro que chorava e chorava porque não queria perder os amigos que fiz ali. Tudo o que vi nesse período me mostrou que não podia reclamar de nada em minha vida. Vi muitas crianças com doenças terminais. Ver uma criança que encara a morte é uma lição de vida, pois quem chora são os pais. Por isso ganhei imunidade ao sofrimento, são raras as coisas que me afetam na vida.
Aos 15 anos, namorei uma menina fotógrafa e tomei gosto por fotografia, unido à sensibilidade artística que herdei da família. A mulher de meu tataravô (o escritor Leon Tolstói), a condessa Sofia Tolstói, era fotógrafa, então todas as fotos dele da época, que estão no Museu Tolstói, na Rússia, são dela. Aos 19 anos, fui morar em Nova York para trilhar o caminho que queria seguir na fotografia. Não foi um período nada fácil, não havia glamour. Quando minha mãe, a uruguaia Marie France Caubarrere, adoeceu por causa de um câncer de mama, eu tive de voltar de lá, aos 20 anos, para Paris, pois o médico disse que ela só teria mais um ano de vida.
Antes de ela partir, levei uma equipe muito querida comigo para fazer um último shooting pessoal: o ciclo de vida de uma mariposa, que simbolizava esse meu último momento com ela. Subi em uma árvore e retratei uma modelo com uma saia gigante, olhando para cima, muito poético. Depois, a mariposa crescia, voava, caía em uma vegetação e, então, morria.
Quis celebrar a vida e a morte. Depois de ver essa peça em meu portfólio, a equipe da Dior me chamou para refazer a primeira foto, pois a usariam em uma campanha. Achei que fosse trote, pois eu tinha 21 anos. Nessa época também mandei meu portfólio para o músico Maxime Le Forestier, um “Chico Buarque da França”, e ele gostou do conceito que eu vendi para o álbum L'écho des étoiles, que fotografamos no Observatório de Nice, um espetáculo. Isso também foi místico, pois os dois trabalhos que me lançaram na vida profissional foram coisas muito grandes. Assim aguentei a perda de minha mãe e preenchi minha vida.
Depois abri uma agência de criação e fotografia na França, onde fazia direção de videoclipes, e, em 2005, cheguei aqui. Já há muito tempo trabalhando, percebi que, apesar de hiperativo, precisava de um descanso.
Nunca tive tempo para parar e analisar tudo o que estava acontecendo em minha vida. Optei por um ano sabático que, no fundo, sentia que seria um novo rumo em minha vida. Fui ao Uruguai, onde meu pai, aos 14 anos, conheceu a família de minha mãe e onde ele decidiu morar quando ela morreu. Lá, vi um comercial sobre o Rio de Janeiro. Todos os meus amigos que já tinham ido me diziam:
“No dia que for, não vai voltar”. Por isso, decidi vir para cá sem agenda.
Quando vim, a situação era de crise também, com problemas de segurança como os de agora, e eu frequentava o Viaduto de Madureira, pois gosto de dançar. Fiz grandes amizades lá em Madureira. No Império Serrano, desfilei nove vezes! Foi uma conexão que eu não esperava e foi com ela que encontrei minha mulher, a Daniela. Hoje eu sou o “Vavá” e, quando falo do Rio, o que me vem é um cheiro entre a pamonha e o milho cozido. Mas meu preferido é o cheiro de chuva.
Quando me viam na rua, as pessoas me perguntavam: “O que você está fazendo aqui?”, mas era em bom tom. Em alguns lugares a pergunta era a mesma, mas não por curiosidade. Na Zona Sul, já me disseram “volte para o seu país” umas cinco vezes. Isso nunca aconteceu na Zona Norte. Geralmente eram filhinhos de papai que, com 60 anos, ainda curtiam a vida como adolescentes. Um vizinho me questionou: “Ah, agora vai abrir outro negócio, não é? Imagina se eu faço isso no seu país”. Disse que bateria palmas. Que mundo é este em que as pessoas vivem com medo do outro?
Abri um bar em 2015, mas cheguei para não fazer nada. Por acaso, um amigo me fez conhecer um paulista que vendia vinhos nacionais, então tomei isso como uma ocupação para nós termos um barzinho em que pudéssemos comer e beber bem. Só trabalhamos com produtos daqui. Brasileiro tinha esse preconceito de achar que tudo que é estrangeiro é perfeito, e que tudo que é nacional uma b... Não sei como fez sucesso, mas talvez o fato de ser um francês falando que o produto brasileiro é bom tenha ajudado.
Meu avô dedicou a vida inteira à memória de meu tataravô Tolstói e tinha muitas histórias boas, mas havia esse meu outro lado uruguaio e eu sempre quis aprender mais sobre todas as minhas origens de forma integral. Por isso nunca comento sobre ser “conde” ou sobre meu tataravô, pois, sobre como eu sou, não preciso falar. Li todos os livros dele e fico fascinado como ele se coloca na psique de todos os seus personagens. Apesar dessa presença forte, essa herança também nunca foi algo pesado para mim. Tolstói tinha ideais de fraternidade e pacifismo, e eu tenho esses mesmos princípios. Meu dever como herdeiro é continuar pensando assim.
por Vassia Tolstói, em depoimento a Gilberto Porcidonio dos Santos, Epoca