O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse na tarde desta quarta-feira (29) que não há impedimento para um candidato à Presidência da República – que seja réu em ação penal – assumir a Presidência da República, caso seja eleito. Na semana passada, os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, do STF, afirmaram que a questão está em aberto.
“Eu acho que vocês estão muito assanhados com essa coisa de querer que um juiz defina questões que passam pelo processo democrático. O que a Constituição diz é que o presidente da República não poderá, depois de recebida a denúncia, continuar no cargo. Só isso. Qualquer outra situação é um devaneio”, disse Gilmar Mendes a jornalistas, ao chegar para a sessão plenária do STF desta tarde.
Em dezembro de 2016, ao julgar o afastamento de Renan Calheiros (MDB-AL) do comando do Senado, o STF firmou o entendimento de que réus em ação penal não podem eventualmente substituir o presidente da República (como no caso dos presidentes da Câmara e do Senado, que estão na linha sucessória).
A Suprema Corte, no entanto, ainda não firmou entendimento sobre a a possibilidade de um candidato – réu em ação penal – ser eleito especificamente para a Presidência da República e assumir o comando do Planalto. Ou seja, não se trataria de eventualmente substituir o presidente, e sim de ser eleito para o cargo e assumi-lo.
“Você imagine que amanhã as pessoas comecem a ‘Ah, vamos entrar com ação contra fulano’. Judicializando isso tudo, vocês vão entregar o poder a quem? Como há um igualitarismo, vale para todo mundo. Vamos conseguir um impedimento para todos – vamos chamar um promotor e vamos produzir uma ação contra um Fulaninho. Aí um juiz deixa a caneta cair, recebeu a denúncia e então agora pode ser um impedimento. Aí vamos impedir para governador também, para prefeito… Estamos brincando. Será que a gente não desconfia que estamos, na verdade, sendo desautorizados? Vamos pensar responsavelmente”, criticou o ministro.
Para Marco Aurélio, a dúvida em torno da questão gera “insegurança” para a candidatura presidencial de Jair Bolsonaro (PSL), que já é réu em duas ações penais no STF por injúria e incitação ao crime de estupro por ter declarado que “não estupraria” a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) “porque ela não mereceria”.
Na última terça-feira (28), a Primeira Turma do STF se dividiu sobre o recebimento de uma outra denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro, desta vez por racismo. O julgamento está empatado em 2 votos a favor do recebimento da denúncia e 2 contra, faltando apenas o voto de Alexandre de Moraes, que pediu vista (mais tempo para análise) para definir o resultado.
Sem comentar nenhum caso específico, Gilmar Mendes afirmou que há um abuso na judicialização. “Quem é que vai governar? Quem é que passa sem um processo na administração, com toda essa ‘palpitologia’ que está aí? ‘Ah, teve uma licitação, ele é o responsável!’ Vocês conhecem algum administrador que não tem nenhum processo?”, questionou o ministro.
‘Mártir’
O ministro também comentou a situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso e condenado na Operação Lava Jato. O petista aguarda no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o julgamento do seu pedido de registro, que é alvo de 16 contestações.
Indagado se os índices de intenção de voto de Lula em pesquisas eleitorais seria um sinal da desmoralização da Justiça, Gilmar respondeu: “O resultado é esse: a vitimização. As pessoas passam a entender que está havendo absurdos, abuso. É isso. Enquanto ele andava com essa caravana e não sei o que aí, ele tinha 25% (nas pesquisas). Agora, não. Tá preso em Curitiba, vitimizado”.
E prosseguiu: “Não estamos percebendo isso, que estamos tentando interferir demais na política? Será que nós somos tolos? É um quadro realmente sem noção. Mas sem noção vocês (dirigindo-se a repórteres), sem noção nós, sem noção juízes e promotores.”
Conforme pesquisa Ibope/Estado/TV Globo, Bolsonaro lidera a corrida presidencial com 20% das intenções de voto, no cenário em que Lula não é apresentado aos eleitores. No cenário em que o petista é incluído, o ex-presidente aparece em primeiro, com 37%.
“Quando você coloca Lula com 40% ou ganhando no primeiro turno, você tá dizendo ‘Banana pra Lei da Ficha Limpa!’ Conversei com o pessoal da comissão da OEA (Organização dos Estados Americanos), a visão deles é que no exterior colou a ideia de que ele (Lula) é um perseguido político”, comentou o ministro.
“Estou dizendo que nesse contexto nós criamos hoje um mártir e agora estamos querendo produzir mais. Agora tem mais Bolsonaro, daqui a pouco o Amoêdo (João Amoêdo, candidato do Novo à Presidência da República) e o diabo. ‘Ah, estão todos iguais!’ E aí, descobrimos: o Brasil não pode ter presidente – vai se buscar onde?”, indagou Gilmar Mendes.
Rafael Moraes Moura e Amanda Pupo, O Estado de São Paulo