Richard Moneygrand, mestre emérito de Ciências Humanas da New Caledonia University, está em Niterói. Numa entrevista exclusiva, ele revela suas perplexidades diante do Brasil magnetizado e carnavalizado pelo processo eleitoral.
O professor começa advertindo que todo país vive os mesmos problemas porque repete as mesmas receitas para resolvê-los.
- “A incapacidade de perceber a mudança e provocá-la é quase sempre uma repetição castradora”, resume. “No caso brasileiro, a igualdade produz dilemas. Para muitos, ela é o DNA da democracia; para outros, uma ilusão. Vocês falam muito mais em direitos do que em deveres”, adverte. “Sei que não é fácil acabar com privilégios numa sociedade modelada por regalias e pelo ideal de ‘não fazer nada’. Entendo e espero, contudo, que isso esteja mudando. Observo que as promessas eleitorais começam a focar que emprego (sobretudo o emprego público) não pode mais excluir competência e trabalho.”
- “No passado, os problemas brasileiros eram explicados pelo reducionismo racista-evolucionista. A mestiçagem era lida como uma doença. Ainda hoje há resistências a admitir que os problemas brasileiros têm raiz numa matriz histórica aristocrática, dinamizada por patriarcalismo e trabalho escravo de origem africana. Transitar de uma monarquia que foi centro do império português para uma república com essa carga de instituições, não é fácil. Mas vocês se convenceram que todos os problemas podem ser resolvidos pelo Estado e em programas por ele administrados. A mudança viria de fora da sociedade e dos seus costumes, como se o Estado fosse administrado por marcianos e não por vossos amigos, parentes e partidários. Disso resulta ‘estado-latria’, ‘estado-patia’ e ‘estado-mania’ - um entendimento ingênuo que ignora a força dos costumes e das éticas dadas nas relações focos de transformação. O mundo da ‘rua’ só vai mudar quando incluir a ‘casa’, como você diz num dos seus livros não lidos”, complementou.
- “A decepção contemporânea é paralela à descoberta de que sem uma crítica das práticas sociais que governam o todo, direita e esquerda se dissolvem numa aristocracia governamental à custa da sociedade. Ideologias políticas definidas - com ou sem mercado - não liquidam a força de uma ética de reciprocidade que concilia compromissos opostos, desmoralizando instituições e partidos. O triunfo da ‘política’ foi irônico: a esquerda no poder não só criou suas linhagens, mas reproduziu a direita e governou como ela, com a roubalheira típica da consciência de que ‘agora é a nossa vez!’”
- “Minha outra perplexidade é ver como os candidatos enfatizam o politiquês e o economês. É como se a evolução política fosse feita a partir somente de uma discussão dos regimes e modelos financeiros, sem aprofundar as raízes sociais da corrupção. De que vale uma democracia com um presidente que resiste a tudo, menos ao pedido de um amigo, como se dizia antigamente? De que vale um socialismo feito de compadrios? Ninguém deseja acabar com os amigos. O que está em jogo, porém, é o limite da amizade e das suas implicações na cultura brasileira.”
- Acho tudo isso um exagero...
- “Max Weber” - retrucou Dick - “dizia que fazer sociologia é exagerar.”
- “Deixe-me mencionar mais uma perplexidade”, solicitou Moneygrand, dando uma golada no meu parco uísque.
- “Assusta-me testemunhar a facilidade com a qual alguns dos vossos candidatos solucionam o ‘Brasil’. Não é um milagre da retórica política que o papel de candidato revele enfaticamente somente o seu lado messiânico? E que nenhum fale em dificuldades, obstáculos e resistências? Soluções fáceis não seriam sintomas de promessas que vocês gostam de ouvir para, em seguida, vê-las desfeitas por administrações execráveis?”
- “Até onde vocês vão continuar entregando o Brasil a ‘políticos’ que vocês amam e odeiam, em vez de com eles governar? Acho que já é tempo de vocês compreenderem que democracia dá trabalho justamente porque ela renova seus governantes, temporariamente.” Falou o professor, liquidando meu uísque.
O Estado de São Paulo