Amigo do canhoto: pode ser verdade que Francisco reabilitou um ex-cardeal que adorava massagens de seminaristas? (Jonathan Newton/Pool/Getty Images)
Um cardeal amigado com um pastor protestante, um monsenhor que prefere ser chamado de “Jessica”, apartamentos luxuosos em todo o Vaticano bombando de garotos de programa vestidos de couro negro.
Um padre brasileiro que denunciou seu abusador, um americano da cúpula da Igreja, muitos anos depois dos acontecimentos, atormentado pelo fato de que a experiência traumatizante o levou a “tocar de maneira imprópria” dois jovens de 15 anos. A repetição do ciclo abusado-abusador parece uma constante.
E, claro, o ressurgimento de uma fofoca conhecida por “todo mundo” na Santa Sé: o poder do lobby gay, também conhecido como máfia lavanda, explodiu durante o pontificado de Paulo VI. O qual escolheu seu nome como papa não em homenagem ao santo apóstolo, mas a seu amante, o ator Paolo Carlini.
Intrigas antigas ou recentes estão fervilhando como nunca na Igreja de Cristo, nascida, em grande medida, em contraposição aos costumes do mundo grego e romano, onde a homossexualidade e a pederastia – sexo entre um homem mais velho e um menino – eram amplamente praticadas.
Verdades, mentiras e suspeitas humilham seus fiéis, acirram disputas entre as diferentes correntes internas e fazem a alegria de seus muitos inimigos.
Entre os inúmeros defeitos teológicos e ideológicos do papa Francisco, nunca tinha aparecido uma intenção deliberada de abafar os incontáveis escândalos de pederastia envolvendo homens que fazem voluntariamente o voto de castidade e são ordenados como representantes de uma religião que condena a homossexualidade.
Ao contrário, ele sempre denunciou o pecado mortal sem atenuante do abuso mais cruel que pode existir, o de crianças e jovens confiados a religiosos pervertidos.
Até que apareceu a detalhada e perturbadora denúncia de Carlo Maria Viganò, arcebispo aposentado que foi núncio apostólico em Washington – por motivos óbvios, o mais importante cargo da diplomacia do Vaticano, excetuando-se o secretário de Estado.
MODUS OPERANDI
Diz, em resumo, o detalhado documento chamado “memorial”, entregue a vaticanistas italianos e estrangeiros de confiança do arcebispo: Francisco suspendeu o “exílio” imposto pelo antecessor, Bento XVI, ao cardeal americano Theodore McCarrick, arcebispo de Washington, depois de praticamente uma vida inteira se jogando para cima de seminaristas e padres recém-ordenados.
Segundo Viganò, ele havia alertado pessoalmente o papa argentino há mais de cinco anos – exatamente no dia 23 de junho de 2013 – que existia um dossiê enorme sobre os abusos de McCarrick, denunciados, entre outros, pelo padre brasileiro não identificado.
O modus operandi do americano ia do soft – o aplique da cama compartilhada com seminaristas numa casa de praia, sempre acompanhado de um pedido de massagem – ao hard – um menino, filho de um amigo, abusado por longo tempo, a partir dos 11 anos de idade.
Com base nisso, o papa Bento XVI determinou que ele abandonasse as atividades públicas e se recolhesse até o fim da vida num convento, em oração e penitência pelos muitos pecados.
Bento deu a ordem em particular, muito provavelmente para não aumentar ainda mais o escândalo sem fim dos casos de abuso praticados na Igreja dos Estados Unidos. McCarrick simplesmente não obedeceu.
Com a extremamente excepcional abdicação de Bento XVI, McCarrick, um refinado especialista em incentivar a generosidade dos católicos americanos, hoje os grandes financiadores da Igreja, passou a circular com mais desenvoltura.
Já bem passado da idade limite da aposentadoria como arcebispo, 75, viajava muito pelo mundo, em missões religiosas e, principalmente, orçamentárias. Foi a Israel durante a visita do papa em 2014.
Unidos pelo gosto interminável pela conversa, a famosa milonga argentina, o arcebispo de origem irlandesa e o ex-Jorge Bergoglio se davam muito bem. McCarrick contava ter recebido um telefonema especial do amigo logo depois de sua eleição pelo Colégio dos Cardeais, preocupado com sua saúde em razão de uma internação cardiológica.
“Disse ao papa que o Senhor talvez ainda tivesse trabalho para me dar.”
“Ou talvez o diabo ainda não tenha preparado seus aposentos”, respondeu Francisco.
VIÚVA NEGRA
Se for este o problema, agora devem estar tinindo. Em 28 de julho último, aos 88 anos, renunciou à honraria de cardeal, um ato extremamente raro. O escândalo estava incontrolável.
A denúncia de Viganò conferiu-lhe um aspecto sem precedentes ao envolver diretamente Francisco não apenas em negligência, espírito de corpo e abafamento, as culpas de seus predecessores que tentaram resolver “por dentro” os casos mais notórios, pagando indenizações aos denunciantes e simplesmente afastando denunciados de seus postos.
Acusado de revanchismo, ressentimento, divergência doutrinária, aliança com a ala mais conservadora ou hipocrisia, por ter cruzado suavemente com McCarrick em eventos públicos quando disse já saber de suas abominações, Viganò, oriundo de uma família milanesa de posses, diz que agiu simplesmente convencido de que a Igreja corre enormes perigos.
Quando Francisco foi eleito, a esquerda argentina o acusou de dedo-duro da ditadura militar, com base nas denúncias sólidas de dois padres jesuítas – seus subordinados, portanto – presos e torturados por fazer contatos e outras formas de colaboração com esquerdistas armados.
Em poucos dias, o governo de Cristina Kirchner percebeu que era muito mais vantajoso celebrar um papa argentino do que comprar briga com ele. Com seu figurino de viúva negra e até chapéu, ela foi ao Vaticano para a missa de entronização.
As críticas sumiram. Quando Francisco começou a fazer um discurso “progressista”, todos os tradicionais adversários da Igreja tornaram-se fãs incondicionais.
Aproximaram-se do êxtase quando ele argumentou que representantes da Igreja não deveriam focar com ênfase assuntos como aborto, homossexualidade e indissolubilidade do matrimônio.
O racha mais evidente do momento é justamente sobre as posições manifestadas num documento sobre a vida familiar católica. A denúncia de Viganò colocou o confronto em fase aguda. A expressão “guerra civil” começou a pipocar.
ARGENTINOS ACELERADOS
O debate na Igreja entre as duas forças antagônicas, as necessárias adaptações e a universalidade e imutabilidade de seus fundamentos, é praticamente eterno. O lobby gay, ou máfia lavanda, não é necessariamente alinhado em massa com a ala mais liberal. O próprio Francisco reconheceu que ele existe – e nunca mais falou no assunto.
A ala conservadora ativamente antipapa é minoritária, embora tenha a força das minorias e apele a grupos mais profundamente comprometidos com a religião.
Pregar a abdicação do papa, uma mensagem antes confinada a uma minoria dentro da minoria, saiu, com o último escândalo, do território dos que preferem a acusação de heréticos à de coniventes com a autodestruição de uma instituição de dois mil anos.
E adicionou uma questão inesperada: quem vai acabar primeiro da lista de argentinos famosos?
Com a honrosa exceção de Messi, a coisa está preta. Cristina Kirchner, Mauricio Macri e Jorge Bergoglio caminham aceleradamente para desfechos complicados.
Há pouco mais de cinco anos, quando o papa foi eleito, estavam todos no céu. Cristina ainda desfrutava da alta aprovação dos populistas à moda latino-americana, embora rolasse solta a organização criminosa chamada governo cujas diabruras podem levar à sua prisão, mesmo com mandato de senadora.
Mauricio Macri preparava a campanha eleitoral que o levaria, espetacularmente, à presidência como um político novo, promissor e racional. Não é completamente impossível que sequer termine o mandato, incinerado pelo buraco sem fundo da catástrofe cambial (batendo no portal dos 40 pesos por dólar, taxa de juros a 60%).
E Francisco, celebrado como uma lufada de ar fresco, com seus sapatos gastos e modos estudadamente modestos, agora carrega a cruz da conivência escancarada com os piores dos pecadores.
Ainda bem que dois mil anos de história continuam a ter um peso diante do qual até os paroxismos argentinos empalidecem.
Tão falante e expansivo, de hábito, o papa Bergoglio, que diz sem detalhes ter tido uma revelação divina direta na juventude, precisa com urgência dar um testemunho de verdade e honradez. Fé, nessas horas, também não atrapalha.
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