Se a eleição fosse uma batalha de quadrilhas, os pré-candidatos à Presidência da República não fariam feio. Há personagens que se encaixam perfeitamente no papel de noivo, de noiva, de padre, de delegado, de presidiário e, também, de figurantes. A três meses do pleito, essa abundância de postulantes ao Palácio do Planalto confunde a cabeça do eleitor. Encerrada a Copa do Mundo, começará a fase eliminatória da eleição de 2018. Pela lei, os partidos têm de realizar suas convenções e registrar seus candidatos até agosto. Apesar da proximidade desse prazo, quase tudo está indefinido. Não há alianças formadas nem vices escolhidos para as chapas consideradas favoritas. Até o número de candidatos continua uma incógnita. Pesquisas recentes testaram os nomes de vinte pretendentes ao cargo. Há de tudo no grupo: populistas, radicais, neófitos e veteranos em campanhas. Todos os candidatos dizem que manterão sua candidatura até o fim, e todos os eleitores sabem que isso não passa de conversa mole — seja por falta de competitividade, seja para evitar a vitória do campo adversário, seja pela própria sobrevivência política.
Em meio a tantas incertezas, no entanto, o processo de decantação já começou. O nanico PTC, por exemplo, desistiu de lançar o senador Fernando Collor ao Planalto. O motivo: quer priorizar a eleição de uma bancada federal na Câmara, medida que define quanto cada sigla terá de tempo de TV e quanto receberá de verba pública a partir de 2019. A proliferação de pré-candidaturas à Presidência é resultado de uma combinação de fatores. Com a prisão do ex-presidente Lula, que mantém altos níveis de popularidade nas pesquisas, houve dispersão na esquerda. Partidos que marcharam ao lado do PT nas últimas eleições, como PDT e PCdoB, decidiram lançar concorrentes próprios. Do centro para a direita, o PSDB também perdeu sua força aglutinadora. Como os petistas, os tucanos foram atingidos em cheio pela Lava-Jato. Além disso, associaram-se ao governo de Michel Temer, o mais impopular desde a redemocratização, o que serviu de estopim para o desgaste de sua imagem perante o eleitorado. Com PT e PSDB em apuros, abriu-se uma avenida para que outros atores subissem ao palco e criou-se, assim, um cenário contraintuitivo.
Diz Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha: “Tanto a pulverização de candidaturas quanto a alta taxa de intenção de anular o voto ou votar em branco beneficiam os primeiros colocados nas pesquisas”. Segundo o Datafolha e o Ibope, os líderes são Lula, que reforçou o discurso de esquerda depois do impeachment de Dilma Rousseff, e o deputado Jair Bolsonaro (PSL), radical de direita. Atrás deles aparecem os ex-ministros Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT), considerados de centro-esquerda.
Nos cenários sem Lula, que está preso e inelegível, Bolsonaro lidera, seguido de Marina e Ciro. O candidato mais bem colocado da centro-direita é o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), que já teve 37 milhões de votos quando disputou a Presidência em 2006 mas hoje não alcança dois dígitos nas pesquisas. Os demais expoentes dessa corrente estão em situação ainda pior e aparecem com 1%. É o caso do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles (MDB), do empresário Flávio Rocha (PRB) e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), cuja desistência é considerada favas contadas.
Para o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, se não houver união dos candidatos de centro-direita, nenhum deles deverá chegar ao segundo turno. “O cenário mais provável é uma redução do número de candidatos, em especial no campo da centro-direita, em que há maior pulverização e onde o risco de não ir para o segundo turno é significativo, dada a posição de Bolsonaro nas pesquisas”, diz Cortez. A pulverização seria menor se Alckmin conseguisse atrair apoios, o que ele tem tentado, mas sem sucesso. Aliado histórico dos tucanos, o DEM, no caso da provável desistência de Maia, tende a trair seus amigos de longa data do PSDB e, por questões regionais, cogita fazer uma coligação com Ciro Gomes. Até o deputado Mendonça Filho (DEM-PE), que antes era entusiasta da ideia de ser vice na chapa de Alckmin, se mostra agora mais interessado em disputar uma vaga no Senado. Alckmin parece perder terreno. Tanto que, volta e meia, retornam os rumores de que poderá ser substituído pelo ex-prefeito João Doria. Acuado, o ex-governador também tenta atrair o Solidariedade e o PRB, que têm pré-candidatos à Presidência. “Queremos alianças não só para vencer, mas para governar e mudar o Brasil. Na última eleição, o PT disse que faria o diabo para ganhar, e deu no que deu. Não vamos seguir esse mau exemplo”, escreveu Alckmin numa rede social. Ele só se esqueceu de dizer que prioriza a negociação com o DEM na expectativa de que o partido traga a turma do centrão — siglas como PP e PR, que fizeram o diabo nos governos do PT, e deu no que deu.
Para o cientista político Alberto Carlos Almeida, autor do livro O Voto do Brasileiro, Alckmin superará Bolsonaro até a votação porque o PSDB tem uma máquina enorme nas mãos, ao contrário do PSL. Os tucanos governaram o Estado de São Paulo, o maior eleitorado do país, por mais de vinte anos e elegeram 793 prefeitos em 2016. Além disso, observa Almeida, a elite nacional vai operar nos bastidores para que candidaturas radicais, como a de Bolsonaro, não prosperem nas urnas. Não é à toa que o deputado tem se dedicado a tentar melhorar sua estrutura de campanha e seus laços com os donos do dinheiro. Apesar do discurso de intolerância à corrupção e ao fisiologismo, Bolsonaro negocia aliança com o PR do mensalão para ter mais tempo de rádio e TV. Alega que só assim conseguirá se manter competitivo. É uma senhora guinada para quem fez carreira contrapondo-se à velha política.
Além da incursão pelo balcão de negócios partidários, Bolsonaro dedica-se a tentar acalmar o mercado e o empresariado. Na semana passada, esteve duas vezes com expoentes do PIB em São Paulo e participou, em Brasília, de uma sabatina da Confederação Nacional da Indústria. Na CNI, retomou a ofensiva sobre o Supremo Tribunal Federal (veja a reportagem na pág. 44), prometeu uma reforma tributária e leis trabalhistas mais favoráveis ao patronato, mas não detalhou seu plano para a economia. Nem poderia. Bolsonaro admite publicamente que não sabe nada sobre o assunto. “Gostei de algumas falas do deputado, mas ele me pareceu despreparado. Você não pode ignorar um tema controverso como a economia”, disse Sebastião do Nascimento Guerreiro, diretor da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas, que ouviu a explanação do deputado na CNI. Para rebater esse tipo de crítica, Bolsonaro recorre a uma metáfora futebolística. Afirma que, se eleito, atuará como o técnico que escala os melhores jogadores. “Eu não preciso ser professor de medicina para tratar da saúde pública. Com a economia é a mesma coisa. Além disso, quem colocou o Brasil nesta situação caótica não foram os economistas?”, disse a VEJA. Diante disso, a plateia de empresários murmurou uma indagação nos bastidores: por que Bolsonaro quer entregar seu governo aos economistas se eles nos puseram na rota do caos?
Do centro para a esquerda, também há uma proliferação de candidaturas. Desconsiderando o ficha-suja Lula, os nomes mais competitivos até agora são Marina e Ciro. Marina está num partido pequeno, com poucos recursos e tempo escasso na TV. Mesmo assim, não tenta aliança com legendas sempre dispostas a mercadejar apoio. Sua prioridade é fechar parcerias com grupos da sociedade que defendem a renovação na política. Com 20 milhões de votos recebidos nas vezes em que disputou a Presidência, Marina acha que se beneficiará do cansaço do eleitor com PT, PSDB e a velha política, apresentado-se como alternativa ponderada aos discursos radicais à esquerda e à direita. “O Brasil está dividido. Não podemos ir para o radicalismo de um país cindido. Olha o que está acontecendo na Venezuela”, disse em entrevista recente a VEJA. Já Ciro está filiado a um partido mais bem estruturado, o PDT, e negocia com legendas do centro. Para conseguir o apoio do DEM, ao qual sempre imputou a pecha de sigla de coronéis, ele promete até pedir desculpas aos ofendidos com suas declarações. Ele também mira os eleitores petistas. Ao cortejá-los, atua como um equilibrista. Não promete indulto a Lula, mas sempre que pode critica o processo que resultou em sua condenação. Ciro, que também é visto com desconfiança por certos setores do empresariado e do mercado, repetiu na semana passada que revogará a reforma trabalhista. Isso ocorreu na sabatina da CNI, quando acabou vaiado ao dizer que a Alemanha tem o maior custo trabalhista do mundo e, mesmo assim, é campeã de competitividade. O candidato reagiu aos apupos: “Vai ser assim mesmo. Se quiserem presidente fraco, escolham um desses que conversam fiado aqui para vocês”. O processo eleitoral continuará indefinido enquanto não for oficializado o caminho do PT — que se inclina, cada vez mais, pelo nome do ex-prefeito Fernando Haddad.O certo é que, na dança das cadeiras, muitos ficarão em pé.
Com reportagem de Gabriel Castro e Nonato Viegas
O plano H do PT
Em abril, durante os três dias em que permaneceu acantonado no Instituto Lula e no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, já sob a ordem de prisão, o ex-presidente Lula gravou dois vídeos para indicar o seu substituto. Num deles, anunciava que, na sua falta, o candidato do PT à Presidência seria o ex-ministro Jaques Wagner. No outro, dizia que o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad ficaria com o posto. Ao que tudo indica, o vídeo com Jaques Wagner ficará inédito. Como antecipou a coluna Radar na última edição de VEJA, se não houver nenhuma surpresa no caminho, o escolhido de Lula será mesmo Haddad.
A estratégia definida pela cúpula do PT é de somente oficializar o nome do novo candidato perto de 17 de setembro. Essa é a data-limite para os partidos substituírem candidaturas e, também, o prazo final para que estejam concluídos todos os julgamentos de registro no Tribunal Superior Eleitoral — no dia 18, as urnas eletrônicas começam a ser programadas com o nome e a foto dos candidatos.
Até lá, porém, o PT vai acirrar a batalha jurídica para tentar reverter a prisão do ex-presidente — condenado em duas instâncias pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro — e aproveitar até o último minuto a retórica do “candidato perseguido”. Quando finalmente jogar a toalha e anunciar que Lula está fora do páreo, o PT deixará claro que a troca não foi uma decisão do petista, mas uma “imposição da Justiça”, como disse a VEJA um integrante do comando do partido.
Na semana passada, Haddad, que é formado em direito e dono de uma carteirinha da OAB desde 1987, entrou formalmente para o time de defensores de Lula, condição que lhe dá livre acesso para visitar o ex-presidente na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Haddad há muito caiu nas graças de Lula, mas Wagner sempre foi o preferido da militância e da cúpula petista, parte da qual enxerga o ex-prefeito como uma “Dilma de melhores modos”. Ou seja: alguém intransigente e avesso aos meandros da máquina partidária. A favor de Haddad, porém, existe o hoje relevante fato de se tratar de um dos petistas menos encrencados nas investigações policiais. Pesam contra ele acusações de recebimento de 17 milhões de reais em caixa dois na campanha de 2012. Parte do dinheiro, vindo das empreiteiras Odebrecht e UTC, teria sido pedida pelo ex-ministro Guido Mantega. Os delatores responsáveis pelas acusações, no entanto, não disseram se Haddad sabia dos repasses. Já Wagner chegou a ter sua prisão pedida pela PF por suspeitas de ter embolsado 82 milhões de reais de propina na construção da Arena Fonte Nova, em Salvador. A Justiça rejeitou o pedido, mas autorizou mandados de busca e apreensão em sua casa. Por essas e outras, o baiano tem dito a pessoas próximas que não quer disputar a Presidência. Prefere concorrer ao Senado, de onde lideraria um bloco de oposição ou situação, a depender do nome do próximo inquilino do Palácio do Planalto.
Nas pesquisas de intenção de voto encomendadas pelo PT, Haddad leva uma pequena vantagem sobre Wagner, sobretudo no Sudeste. No Nordeste, os levantamentos mostram que o eleitor votará em quem Lula indicar. Antes de ser preso, quando percorreu o país em caravanas, o ex-presidente destacava a ascensão social promovida pela educação como um dos maiores legados de seu governo. Sobre os carros de som, era comum ver médicos de estetoscópio no pescoço dizendo que seu sucesso se devia ao Programa Universidade para Todos (Prouni) ou ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) — dois programas ampliados na gestão de Haddad no Ministério da Educação, de 2005 a 2012. A exploração do tema da educação nesta campanha, avaliam estrategistas petistas, ajudará a atrair para o PT o eleitor mais jovem e escolarizado, que se voltou contra a sigla nos últimos anos por causa dos escândalos de corrupção. Haddad, que busca cultivar a imagem do prefeito das ciclovias, que pinta grafites e toca violão, seria o nome ideal para fazer essa conexão.
Dentro do partido, as resistências ao nome do ex-prefeito vêm principalmente do núcleo político paulista. O ex-presidente do PT Rui Falcão e o pré-candidato ao governo de São Paulo Luiz Marinho, por exemplo, têm pouca simpatia por ele. Com Gleisi Hoffmann, a relação já foi bem pior — a presidente do PT por mais de uma vez fez ecoar em público suas críticas contra o colega. Na quinta-feira 28 de junho, porém, depois de visitar Lula na cadeia na companhia do ex-prefeito, afirmou que ele gostaria de conversar com Haddad “todos os dias”.
Para diminuir os atritos internos, Haddad ingressou neste ano na corrente majoritária do PT, da qual fazem parte o próprio ex-presidente e José Dirceu — antes, ele era mais próximo da tendência liderada pelo ex-governador gaúcho Tarso Genro.
A movimentação, no entanto, parece não estar surtindo efeito até o momento. Muitos petistas não se esquecem das vezes em que, nas campanhas de 2012 e 2016, Haddad teria feito “corpo mole” na hora de subir em palanque de correligionários. Outros lembram o episódio no qual o então prefeito se negou a calçar galochas para visitar regiões alagadas de São Paulo, sob o argumento de que seria uma “demagogia idiota”. Na ocasião, auxiliares saíram de seu gabinete comentando que alguém que não se dispõe a “demagogia idiota” para ganhar uma boa foto nos jornais nunca ganharia uma eleição. Com Lula atrás das grades e o pior índice de popularidade da história do partido, as idiossincrasias de Haddad serão o menor dos problemas do PT nestas eleições.
Eduardo Gonçalves
Daniel Pereira, O Globo