Danielle Nogueira e Rennan Setti, O Globo
A decisão do governo brasileiro de subsidiar o diesel, atendendo ao pleito dos caminhoneiros para torná-lo mais barato, vai na contramão do que outros países emergentes vêm fazendo. Nos últimos anos, nações como México, Peru, Malásia e Indonésia retiraram ou diminuíram a subvenção a combustíveis e vêm buscando aproximar os preços praticados no mercado doméstico às cotações internacionais.
Especialistas alertam, porém, que o Brasil tem características singulares — como a dependência do transporte rodoviário e o monopólio no refino — e que, por isso, repassar imediatamente as oscilações do petróleo e do câmbio ao consumidor final, como a Petrobras vinha fazendo, não é o melhor modelo.
Eles sugerem que um misto de reajustes periódicos e uma espécie de tributo móvel sobre os combustíveis — cuja alíquota poderia subir ou descer para reduzir o impacto de altas abruptas do petróleo — é o caminho a ser perseguido.
Na América Latina, México e Peru são exemplo de países que cortaram subsídios. A primeira grande mudança no setor petrolífero mexicano ocorreu em 2013, quando foi quebrado o monopólio da Pemex. No ano passado, o país passou a permitir alterações diárias nos preços do diesel e da gasolina, em substituição ao sistema de fixação de tetos regionais de preços. Quando há variações bruscas de câmbio ou do petróleo no mercado internacional, o governo reduz a alíquota do tributo que incide sobre combustíveis, equivalente à brasileira Cide.
Assim, o volume de subsídio caiu de US$ 20 bilhões, em 2008, para US$ 3 bilhões em 2017. O Peru tinha um sistema de banda de preços, mas, em 2011, resolveu liberar o mercado por completo. Foi mantido o subsídio apenas para o gás de cozinha.
— São poucos os países hoje que subsidiam seus combustíveis. Isso costuma acontecer em nações que que vivem da commodity (como nações no Oriente Médio) — disse Edmar de Almeida, professor do Grupo de Economia da Energia do Instituto de Economia da UFRJ.
A política de preços de combustíveis varia bastante no mundo e depende de fatores que vão desde o nível de competição no refino e a dependência da importação de derivados até o perfil de renda da população. Em países ricos e naqueles onde a concorrência é grande, como nos EUA, a liberdade de preços é uma praxe. Em alguns deles, como Noruega e França, os preços não apenas flutuam, como há também forte tributação sobre os combustíveis fósseis, devido a questões ambientais.
— São países que usam o preço dos combustíveis para fazer política pública, seja para ampliar a arrecadação do governo, seja para fomentar fontes sustentáveis, seja para redistribuir renda (pois quem tem carro acaba pagando tributos que os mais pobres não pagam) — diz Alexandre Szklo, professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ.
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No caso brasileiro, o subsídio ao diesel será, na verdade, uma transferência de renda do SUS, do Ministério da Educação e de outras áreas que não costumam ser priorizadas na política pública nacional para uma categoria específica (os caminhoneiros e transportadoras).
O modelo anunciado pelo governo prevê a redução de R$ 0,46 no litro do diesel, dos quais R$ 0,16 serão obtidos via redução de impostos sobre o combustível e os R$ 0,30 restantes virão de cortes em áreas como educação e saúde. O custo dessa conta será de R$ 13,5 bilhões. Além disso, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) vai abrir consulta pública para definir uma regularidade de reajustes nos preços.
Desde junho de 2017, os reajustes da Petrobras, então comandada por Pedro Parente, se tornaram frequentes, podendo ser inclusive diários. Assim, as flutuações do câmbio e da cotação do petróleo no mercado internacional começaram a chegar às bombas com uma frequência e intensidade nunca antes vista, o que acabou culminando com a greve dos caminhoneiros.
PREVISIBILIDADE NAS BOMBAS
Reajustes periódicos existem em alguns países, como os Emirados Árabes, onde os preços variam mensalmente. Para Giovani Loss, do escritório Mattos Filho, a periodicidade do reajuste dá previsibilidade ao consumidor e não representa necessariamente uma interferência na atividade das empresas. Ele também avalia que o governo poderia usar um imposto como a Cide para amortecer variações bruscas do petróleo ou do câmbio. Mas teme que, se criado um fundo de compensações, como existe no Chile, esses recursos possam ser usados para outros fins no futuro.
— O Brasil tem particularidades. Há um monopólio de fato no refino e uma dependência enorme do modal rodoviário. Os reajustes diários podem criar problemas num cenário como esse — afirma Loss.
Roberto dos Santos Carneiro, advogado especializado em óleo e gás do Böing Gleich Advogados, defende que, para atenuar a volatilidade internacional, o país atraia investidores para o refino, ampliando a competição no segmento:
— Ainda temos um monopólio de fato, e a competitividade entre as partes fica altamente comprometida. Abrindo o mercado, você teria mais competição, o que seria bem-vindo para o consumidor.
Na visão de Szklo, deve-se separar o papel da empresa privada e do Estado. As refinarias, diz, são capazes de absorver parte das oscilações do petróleo por meio de gerenciamento de estoques. Segundo ele, é isso o que fazem as grandes petroleiras e mesmo pequenas refinarias independentes no exterior. Causa-lhe estranheza a política da Petrobras de passar as oscilações diárias às distribudoras.
— Não é verdade que a Petrobras não tem capacidade de absorver as oscilações. Ao reajustar o preço dos combustíveis ao sabor do vento, a Petrobras transforma o setor numa feira livre. O capitalismo do petróleo não precisa ser o capitalismo da feira — afirma Szklo.
Já o Estado, afirma o especialista, dispõe de outros recursos para amortecer o impacto das variações do câmbio e do preço do petróleo, como subsídios e calibragem de tributos.
Assim como Loss, Szklo defende o uso de uma espécie de média móvel de tributos, que pode subir ou descer a partir de gatilhos nos preços do combustível, para assegurar que o ônus não recaia apenas sobre o consumidor.
A política de preços de derivados do petróleo, como diesel e gasolina, varia bastante no mundo, de acordo com fatores que vão desde o nível de competição no refino até a renda média da população. Veja abaixo como funciona essa política em alguns países:
Brasil
México
Peru
Malásia
Emirados Árabes
Noruega