domingo, 10 de junho de 2018

Para quem legislam - O aumento do teto do funcionalismo estadual custará quase R$ 1 bilhão aos contribuintes

A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) mostrou que sabe explorar bem a relativa desatenção da opinião pública paulista, mais voltada para as questões nacionais e municipais do que para a pauta do Palácio 9 de Julho, para aprovar sem alarde mais um projeto controvertido em razão do impacto causado ao Tesouro do Estado no momento em que o tema da responsabilidade fiscal está na ordem do dia em todo o País.
Por 67 votos favoráveis e apenas 4 contrários, o plenário da Alesp aprovou em segundo turno a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) n.° 5, proposta em 2016 pelo deputado Campos Machado (PTB). A proposta estabelece como teto salarial para o funcionalismo público do Estado o salário dos desembargadores do Tribunal de Justiça, hoje fixado em R$ 30,4 mil. Até então, o teto era o salário do governador do Estado, de R$ 22,4 mil. 
O aumento do teto do funcionalismo estadual custará quase R$ 1 bilhão aos contribuintes paulistas nos próximos quatro anos. No primeiro ano, o Tesouro não sofrerá impacto. Mas a partir do segundo ano o teto passará a ser o equivalente a 70% do salário dos desembargadores (impacto de R$ 13 milhões); no terceiro ano, o teto sobe para 80% (impacto de R$ 280 milhões); e no quarto ano, o teto, enfim, passa a corresponder a 100% do salário dos desembargadores (impacto de R$ 680 milhões).
Há que reconhecer que o salário do governador de São Paulo não era reajustado há muitos anos, limitando o teto do funcionalismo público em consequência. Ao longo desse tempo, a defasagem do salário tornou o ingresso na administração pública pouco atrativo para profissionais qualificados que têm mais chances de obter remunerações superiores na iniciativa privada.
Ainda que se reconheça a existência do problema, cabe indagar se era urgente o bastante para que se adotasse uma solução em total descompasso com o momento de recuperação econômica por que passa o País. A decisão, assim, veio descolada do anseio da sociedade por mais racionalidade na administração dos escassos recursos públicos e pelo fim dos privilégios de uma casta de servidores. A elevação do teto não é por si só um fator inibidor de extravagâncias, até porque sempre causa efeitos cascata.
A aprovação da PEC 5/2016 contou com o apoio de deputados de todas as bancadas na Alesp, como ilustra o alargado placar de votação. De nada adiantou a orientação das lideranças do PSB, PSDB, PV e DEM para que a votação fosse obstruída. Tampouco a desaprovação pública à PEC feita pelo presidente da Alesp, deputado Cauê Macris (PSDB), que se disse “obrigado” pelo regimento interno da Casa a pautar o segundo turno de votação da proposta.
Mais uma vez, prevaleceu a força das corporações de servidores sobre o interesse público. Não por acaso, as galerias do plenário da Alesp estavam completamente ocupadas por agentes fiscais de rendas do Estado, que comemoraram com entusiasmo a aprovação da PEC 5/2016.
Não menos alheia ao viés de irresponsabilidade está a Câmara Municipal de São Paulo. Um ano e meio se passou desde a promessa feita pelo vereador Milton Leite (DEM), presidente da Casa, de que o Legislativo municipal não teria funcionários recebendo salários acima do teto, que na cidade corresponde ao que é pago ao prefeito, R$ 24,1 mil. O Estado apurou que há 254 servidores que recebem todos os meses salários muito acima do teto, alguns chegando a até R$ 59 mil. 
E os valores podem subir. Há duas semanas, a Câmara Municipal aprovou um projeto de lei que concede reajuste de até 77% em uma das gratificações recebidas por parte dos servidores. O texto ainda pode ser vetado, desde, é claro, que o prefeito em exercício tenha juízo e compaixão pelo contribuinte. 
Diante do alheamento coletivo é pertinente indagar: para quem legislam os deputados estaduais e vereadores? Que interesses defendem no exercício dos mandatos que lhes foram outorgados? Não parece ser o interesse público.

Editorial do Estadão