Ela é chamada de greve, a cessação do trabalho por trabalhadores assalariados, por mais benefícios ou manutenção dos existentes. Por extensão, greve se aplica a outras interrupções de atividades. No caso, prefiro paralisação, porque estimula mais indagações quanto à sua natureza. Ela veio de caminhoneiros autônomos em conjunto com assalariados. Estes também em prol de seus patrões e estimulados por eles.
Pelo menos no início, o apoio de grande parte da população deveu-se à sua oposição ao governo Temer e à visão social do caminhoneiro, em particular o autônomo, como um batalhador dedicado a um trabalho árduo, muitas vezes longe da família, e uma vocação que preza a liberdade de tocar por si mesmo o trabalho, e de percorrer caminhos espalhados por este país de natureza exuberante. Os caminhoneiros são tema de várias canções e uma cantora é tida como rainha deles, Sula Miranda. O apoio mútuo dentro do grupo é também respeitado e invejado no contexto social. O rádio é indispensável, hoje com o telefone celular e um aplicativo, o WhatsApp, muito adequado à comunicação grupal.
A paralisação abalou essa boa imagem dos caminhoneiros, pois trouxe também muita impertinência e violência dentro do grupo e contra a sociedade. Como ao atentarem contra o direito de ir e vir dos cidadãos, bloqueando o trânsito em estradas, e por meio de pequenos grupos a queimar pneus em vários pontos, o que lembra ações de guerrilheiros.
A segurança pública precisa se preparar melhor contra isso. Pouco adianta mandar veículos com policiais civis ou soldados que levarão muito tempo para chegar aos locais, se é que chegarão com o trânsito interrompido. Cabe utilizar helicópteros, facilitado porque usualmente são locais de fácil aterrissagem.
O governo federal revelou-se despreparado para enfrentar a paralisação, embora meses antes tenha recebido pedidos de entidades de caminhoneiros e de transportadoras para um diálogo que talvez impedisse a ocorrência dela. O custo para a sociedade foi enorme, tanto de danos a setores como os de alimentos, saúde e transportes, como o da “solução” encontrada, que subsidiou o preço do diesel com desonerações tributárias que prejudicaram a prestação de serviços governamentais.
No governo vi a ideia de ajustar o contrato da cessão onerosa que deu à Petrobrás o direito de explorar 5 bilhões de barris na Bacia de Campos. E, em seguida, leiloar a exploração do excedente a essa magnitude, o que poderia gerar R$ 100 bilhões, que seriam usados para segurar o preço dos combustíveis. Um absurdo, pois significaria custear despesas permanentes com recursos transitórios. Ademais, o governo está em seriíssimas dificuldades financeiras e seria uma temeridade entregar toda essa dinheirama a Temer e sua corte, em final de mandato e num período eleitoral. Se viesse esse leilão, o destino do dinheiro deveria ser o de ajudar o próximo presidente da República a aliviar a crítica situação das finanças do governo.
Percebe-se também que a pressão para reduzir impostos é muito centrada no governo federal, mas o ICMS, estadual, é parte importante do problema. Em lugar de arrecadar mais com o aumento dos preços dos combustíveis, o que já ocorreu com os aumentos recentes, os governos estaduais deveriam evitar que pela mesma razão viessem novos aumentos de carga tributária, ajustando as alíquotas do imposto de forma correspondente.
Outro erro foram os subsídios à aquisição de caminhões, o que causou excesso de sua oferta e menor retorno econômico para seus adquirentes. Segundo o economista Rodrigo Zaidan, em 2012 o governo decidiu reduzir para 2,5% ao ano os juros de financiamentos do BNDES para aquisição de veículos pesados, num ano em que a inflação foi de 5,84%. Deve haver inadimplentes mesmo com subsídios desse porte. A consultoria A. C. Pastore criou um índice de circulação da frota de caminhões que em março último estava 26% abaixo de sua média entre 2003 e 2007.
Também se revela desejável, até por questões ambientais, a ampliação da produção de biodiesel e etanol para reduzir a nossa dependência do petróleo, bem como maior presença das ferrovias no transporte de combustíveis.
Quanto à Petrobrás, trabalhei com Pedro Parente no governo federal e vi que tem rara competência como formulador e executivo do setor público. Vinha realizando um excelente trabalho com sua equipe. Nela também destaco Luiz Nelson Carvalho, atual presidente do Conselho de Administração, com quem atuei na mesma condição. O ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira, com quem nós três trabalhamos, certa vez se referiu a Carvalho como “duríssimo” no cargo que então exercia, o de diretor de fiscalização do Banco Central. Soube que Carvalho continuará no posto, o que será bom para a Petrobrás e seus acionistas.
Quanto ao futuro da empresa, não vejo condições de privatizá-la no momento, pois está em recuperação e nessa condição seu preço de venda seria aviltado. Deveria concentrar-se na exploração do pré-sal, sua atividade mais rentável, admitida a presença de concorrentes, e privatizar as refinarias, que poderiam ser abastecidas pela Petrobrás, por seus concorrentes atuando no Brasil e por importações. Tudo isso para assegurar um mercado mais eficiente na produção e mais competitivo nos preços, o que também estimularia a empresa a focar mais nos seus custos.
Na melhor das hipóteses, a “solução” encontrada deve ser vista como provisória e não ampliável. Há muito a fazer para que o País não fique tão vulnerável por sua dependência do petróleo e pela incapacidade de resistir a excessos de membros de uma categoria profissional, inclusive no seu lado patronal, que se comportaram ao arrepio da lei e de normas não escritas de uma sociedade civilizada.
*ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR
O Estado de São Paulo