Enquanto se recupera do trauma provocado pela greve dos caminhoneiros, que parou o país por dez dias e provocou uma crise de desabastecimento, o governo estuda um mecanismo para reduzir a volatilidade nos preços dos combustíveis, especialmente da gasolina. Assim, uma parte do governo trabalha para acelerar a revisão do contrato da cessão onerosa (acordo pelo qual a União deu à Petrobras o direito de explorar cinco bilhões de barris na camada pré-sal) e, com isso, viabilizar o leilão do petróleo excedente nesses campos. O dinheiro obtido com essa operação — estimado em R$ 80 bilhões — poderia ajudar a criar um “colchão” para absorver as variações provocadas pela cotação do petróleo no mercado internacional e pelo dólar. A solução, no entanto, está longe de ser um consenso e enfrenta forte resistência da equipe econômica.
Segundo interlocutores do governo, a ideia tem a simpatia do Ministério de Minas e Energia, mas a Fazenda é contra. Os técnicos comandados pelo ministro Eduardo Guardia afirmam que essa saída seria um equívoco, pois o governo estaria usando uma receita extraordinária (que ainda não foi precisamente calculada) para bancar uma despesa constante. Além disso, a área econômica já conta com os recursos da cessão onerosa para cumprir a regra de ouro (norma pela qual o governo não pode se endividar para honrar despesas correntes) em 2019.
A avaliação da área técnica da Fazenda e da própria Petrobras é que a melhor solução seria mudar a periodicidade dos reajustes da gasolina. Interlocutores da estatal explicam que já há um entendimento de que o repasse diário de reajustes para os preços não funciona, pois gera uma volatilidade excessiva. Essa foi uma das razões pelas quais os caminhoneiros decidiram fazer a paralisação.
- A Petrobras já decidiu rever o prazo de reajuste para os preços do gás de cozinha (que passou a ser trimestral) e do diesel (que passou a ser mensal). Isso também poderia ser uma solução para a gasolina - disse um técnico que acompanha o assunto.
Fontes da Petrobras afirmam que a empresa está aberta a discutir a política de preços e poderia até definir um novo calendário de reajustes da gasolina, mas desde que a estatal continue acompanhando as cotações internacionais e não seja obrigada a arcar com prejuízos.
Na sexta-feira, em meio a pressões, Pedro Parente pediu demissão da presidência da Petrobras e foi substituído por Ivan Monteiro. Ontem, o Conselho de Administração da Petrobras confirmou o nome de Monteiro como novo presidente efetivo da estatal — até então, ele estava como interino.
Projeto busca destravar negociações
Governo e estatal tentam encontrar uma forma de garantir que a empresa não saia perdendo nessa conta. A Petrobras quer garantias de que não vai ficar desconectada dos preços internacionais. Além disso, nos períodos em que o preço no mercado externo estiver menor que o praticado no Brasil, a empresa precisa ser protegida para não sofrer ação predatória de importadores. Outra solução em estudo é adotar sistema flexível de tributos, que podem oscilar de acordo com a variação do petróleo no mercado internacional.
Na negociação que envolveu um alongamento do prazo de reajuste para o óleo diesel, a saída encontrada pelo governo para evitar uma distorção concorrencial entre Petrobras e importadores foi instituir um Imposto de Importação (II) sobre o óleo trazido do exterior. O tributo será cobrado sempre que o preço do mercado internacional for menor do que o do mercado interno e poderia ser calibrado diariamente. No entanto, no caso da gasolina, há uma percepção de que essa seria uma saída de difícil operacionalização.
As negociações entre a União e a Petrobras em torno da cessão onerosa ganharam fôlego nesta semana depois da greve dos caminhoneiros. O governo está articulando com o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA) a aprovação de um projeto de autoria do parlamentar que pretende destravar as negociações entre a União e a Petrobras. Pela proposta de Aleluia, a estatal (que sairá credora na revisão do contrato) pode receber a sua parte em óleo e vender até 70% da sua participação nos campos para atrair um parceiro para explorar, produzir e comercializar o produto. Pela legislação atual, isso não é possível.
Ou seja, a empresa teria de fazer todo o investimento com recursos próprios, e não há caixa suficiente para isso.
A aprovação do projeto abre caminho para resolver o impasse, e a União ficaria liberada para fazer o leilão da parte que lhe cabe ainda neste ano. O governo aposta também no apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para votar pedido de urgência e levar a proposta ao plenário da Casa ainda esta semana.
Ao ser indagado sobre se o excedente poderia formar um “colchão” para amortizar a variação dos preços da gasolina, Aleluia respondeu que caberá ao governo definir a destinação dos recursos. Ele afirmou que há boa vontade dos deputados no sentido de dar uma resposta rápida depois dos problemas causados pela greve:
— Este projeto tem prioridade porque garante recursos para a União e para a Petrobras.
Governo admite rever reajuste diário
O bate-cabeça em torno da política de preços da Petrobras ficou claro ontem. O Ministério de Minas e Energia chamou a Agência Nacional de Petróleo (ANP) para discutir o assunto.
No mesmo horário, a Fazenda também mantinha uma reunião sobre política de combustíveis, focada na edição de um decreto que permitirá parte da redução no preço do diesel.
O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, admitiu nesta segunda-feira que o governo pode rever a forma de repassar ao consumidor o preço de outros combustíveis, sobretudo da gasolina. Ele fez questão de ressaltar, no entanto, que o governo não vai mexer na política de preços da Petrobras:
— A política de preços da Petrobras está preservada, não se mexe nisso. O grupo de trabalho do Ministério de Minas e Energia está estudando uma fórmula de como o problema (dos combustíveis) pode ser resolvido. Nós podemos achar uma solução para esse repasse (ao consumidor) — disse o ministro da Casa Civil.
No Planalto, há um esforço para que o presidente Michel Temer e seus ministros mais próximos se afastem da discussão sobre os reajustes da gasolina. O objetivo é evitar a ideia de que o presidente esteja atuando para interferir na política de preços da Petrobras — o que, após mensagens confusas do Planalto, Temer negou que estivesse fazendo.
- O Planalto não pode interferir nisso e levar essa discussão para o colo do presidente. O Moreira tem que achar uma solução e apresentar para o palácio - afirmou uma pessoa próxima a Temer.
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) devem publicar, nesta semana, portaria conjunta criando grupo de trabalho para discutir a implementação de medidas para melhorar o mercado de combustíveis. Os técnicos terão como referência um estudo recente do Cade, que apresenta um conjunto de nove propostas, entre as quais a instalação de postos de autosserviço — ou seja, sem frentistas —, o fim da proibição de importação de derivados de petróleo pelas distribuidoras, a permissão para que os produtores de álcool vendam diretamente aos revendedores e a presença de postos de gasolina em hipermercados e outros espaços urbanos, além de mudanças na forma de tributação.
Por Geralda Doca, Bárbara Nascimento, Manoel Ventura, Martha Beck e Ramona Ordoñez, O Globo