terça-feira, 5 de junho de 2018

Corrupção não é crime menor, reclama magistrado Bretas ao libertador Gilmar

Dono da chave das cadeias que o juiz Marcelo Bretas enche, Gilmar Mendes, o libertador, abriu nesta segunda-feira a cela de quatro encrencados na Operação ‘Câmbio, Desligo’: Rony Hamoui, Paulo Sérgio Vaz Arruda, Athos Albernaz Cordeiro e Owaldo Prado Sanches. Com isso, subiu para 19 o número de presos que Gilmar mandou soltar entre os dias 15 de maio a 4 de junho. Descontando-se três finais de semana, foram 15 dias de expediente regular. O que faz de Gilmar um candidato ao livro dos recordes, com a notável marca de 1,26 habeas corpus por dia.
Em ofício endereçado a Gilmar, o juiz da Lava Jato no Rio de Janeiro anotou: ''Casos de corrupção e delitos relacionados não podem ser tratados como crimes menores, pois a gravidade de ilícitos penais não deve ser medida apenas sob o enfoque da violência física imediata. Os casos que envolvem corrupção de agentes públicos têm enorme potencial para atingir, com severidade, um número infinitamente maior de pessoas.''
Entre os argumentos esgrimidos por Gilmar está o de que os crimes supostamente praticados pelos presos que ele manda soltar são antigos. E não envolveram ameaças ou violência física. De resto, o libertador avalia que o encarceramento não ajuda no esforço para recuperar o dinheiro desviado, “pois recursos ocultos podem ser movimentados sem a necessidade da presença física do perpetrador.”
O ministro alega que as prisões não se justificam. Gilmar substitui o encarceramento por medidas cautelares. Coisas como a proibição de conversar com outros investigados e o veto a viagens ao exterior.
Debruçando-se sobre a mesma legislação, Bretas chega a conclusões opostas: ''A repressão à organização criminosa que teria se instalado nos governos do Estado e município do Rio de Janeiro haveria, como de fato houve, de receber deste juízo o rigor previsto no ordenamento jurídico nacional e internacional.''
No seu ofício, o juiz da Lava Jato mencionou o caso de Orlando Diniz, o ex-presidente da Fedefação do Comércio do Rio, cuja cela Gilmar destrancou na semana passada. Bretas associou o personagem ao ''desvio de vultuosas quantias''. Dinheiro usado para custear a organização criminosa estruturada pelo ex-governador Sérgio Cabral.
Nas palavras do juiz, Orlando Diniz ''utilizava de sua atividade empresarial para fomentar os negócios da organização criminosa e, ao mesmo tempo, se beneficiava dos esquemas engendrados pelo esquema espúrio para ocultar o capital público desviado para si''.
Os quatro libertados nesta segunda-feira —Hamoui, Arruda, Cordeiro e Sanches—estão encalacrados na ramificação da Lava Jato que levou à vitrine uma rede internacional de movimentação de dinheiro sujo. Um esquema encabeçado pelo “doleiro dos doleiros”: Dario Messer, que fugiu.
Curiosamente, Gilmar manteve na tranca um investigado na mesma operação: Sérgio Mizrahy. Alegou que, “além de realizar operações de câmbio, ele atuava como agiota.” Vai entender! A agiotagem merece cana, porque coloca em risco a “ordem pública”. A lavagem de milhões, não.
Bretas colocou-se à disposição de Gilmar para prestar os esclarecimentos que o Supremo julgue necessários. Despediu-se com “protestos de elevada estima e consideração.” É improvável que Gilmar volte atrás em suas decisões. Em abril, ao analisar no plenário do Supremo a situação do Brasil, o ministro dissera: “É como se o diabo nos tivesse preparado um coquetel”. Não é negligenciável a hipótese de que uma parte do martini diabólico tenha sido derramado na água de Brasília.

Com Blog do Josias, UOL