Os mais dramáticos poderiam dizer que o mercado financeiro brasileiro viveu ontem uma “quinta-feira negra”. Depois de uma manhã de grande agitação, nos pregões vespertinos o dólar chegou a R$ 3,97, fechando o dia em R$ 3,92 em alta de 2,25%. As operações com contratos de derivativos de câmbio, negociados na B3, só na primeira parte dos negócios do dia, somavam R$ 18 bilhões, pelo menos 20% a mais do que a média diária em tempos normais.
No mesmo período, o Ibovespa em queda livre rompia para baixo a barreira dos 72 mil pontos, com perdas superiores a 6%, acalmando um pouco nas proximidades do fechamento, com perda de 3%. As operações no Tesouro Direto, a certa altura, foram suspensas, e os negócios com contratos de juros foram temporariamente travados no começo da tarde.
Em alta nervosa, os juros futuros indicavam 100% de chances de o Banco Central elevar a taxa básica de juros em 0,25 ponto e um pouco menores de alta de até 0,75 ponto, na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) marcada para daqui a menos de duas semanas. Daqui ao fim do ano, as taxas futuras de juros precificavam novas altas, num acumulado de 1,25 ponto acima da taxa atual de 6,5% nominais ao ano.
Tudo isso acontecia em meio a tentativas de intervenção pelo Banco Central e pelo Tesouro Nacional crescentemente agressivas. Além da venda de dólares por meio dos swaps cambiais já incorporados ao calendário, com ração diária de US$ 750 milhões e rolagem integral das operações a vencer nos próximos meses, o BC injetou US$ 2 bilhões em leilão extraordinário no fim da manhã. O Tesouro operou forte, comprando e vendendo lotes adicionais de papéis da dívida pública, buscando acalmar a curva de juros.
Quando o pânico, como ontem, toma conta dos pregões, refletindo a irracionalidade característica dos mercados submetidos a estresses, o resultado das intervenções oficiais costuma ser o mesmo de enxugar gelo. Nessas horas, a pretensa vacina contra ataques especulativos, representada pela manutenção de altos — e fiscalmente custosos — volumes de reservas internacionais, funciona tanto quanto o seguro contra desarranjos econômicos agudos também pretensamente oferecido pelo sistema de metas de inflação e pelo regime de câmbio flutuante. Ou seja, quase nada.
É confortável, na teoria, a situação das contas externas brasileiras. Além do colchão de US$ 380 bilhões em divisas externas — o equivalente a cerca de 20% do PIB, quando o próprio FMI considera mais do que suficiente algo como 12% a 15% do PIB —, a situação da balança em transações correntes se mostra tranquila, com um déficit abaixo de 1% do PIB, coberto com sobras pelo ingresso de investimentos externos diretos. Situação em nada comparável, por exemplo, com a explosão das cotações do dólar na transição do segundo mandato presidencial de Fernando Henrique para Lula, ocasião em que as reservas não chegavam a US$ 40 bilhões.
O problema é que nenhum colchão de liquidez, vacina antiespeculação ou seguro contra incêndios cambiais consegue ser efetivo diante de uma reação que, na verdade, pouco tem a ver com os fundamentos da economia. Assim como em 2002 ou no “Joesley Day” de um ano atrás, quando veio a público o teor escandaloso de uma conversa noturna do presidente Michel Temer com um empresário envolvido em grossa corrupção, a crise atual se alimenta principalmente de componentes políticos.
Temores de que as urnas presidenciais de outubro sufraguem um candidato “populista”, combinados com a fragilidade do governo, cruamente exposta pela incapacidade de conter a desorganização produtiva deflagrada pela greve do setor de carga rodoviária, é que estão de fato por trás das turbulências dos dias recentes nos mercados de ativos. Daí ser possível especular pelo menos duas hipóteses. Uma, que a corrida contra o real, embora com momentos de calmaria no meio do caminho, não dará tréguas até o desfecho da eleição — já há apostas em um dólar a R$ 4,50 até lá. Outra é que, vencendo um “reformista”, em pouco tempo as cotações da moeda americana recuariam — há quem estime R$ 3,50 ou até menos.
Nem por isso se deve negar a existência de fatores objetivos nessa corrida maluca dos mercados. O primeiro e mais importante deles é o início do processo de normalização das condições monetárias nos Estados Unidos, expresso pelo anunciado aumento das taxas de juros de referência. Ao reduzir a atração dos juros locais face às taxas oferecidas pelos papéis americanos, o movimento promove revoadas de dólares dos mercados emergentes para o porto mais atraente e seguro. O contágio entre emergentes é inevitável, ainda que alguns, como o Brasil, se encontrem, no momento, com suas contas externas menos desajustadas, pelo simples fato de que os investidores compensam perdas em uns mercados com recursos retirados de outros.
José Paulo Kupfer é jornalista