quarta-feira, 6 de junho de 2018

"Contra a intervenção militar, precisamos de menos democracia", por Leandro Narloch

Não há como discordar dos diversos colegas aqui da Folha que criticaram o pedido de caminhoneiros por intervenção militar. Defender a volta da ditadura é um delírio que nem mesmo os militares levam a sério.
Mas falta entender esse desencantamento com a democracia. Se ela é nossa melhor alternativa, por que um terço dos brasileiros é favorável à intervenção?
Freud, me ocorreu agora, talvez ajude a explicar. Quem defende a intervenção militar não tem saudade da ditadura, e sim da juventude. As pessoas têm boas lembranças da ditadura porque naquela época eram jovens, bonitas e bem-dispostas.
 
Os defensores da intervenção militar desejam a volta de seus anos dourados, e não do "Anexo C da Capex" (a lista de produtos cuja importação era proibida, como carros e computadores). A mesma explicação vale para os russos favoráveis à volta do comunismo.
Mas a melhor resposta está nas falhas da democracia.
Desde a redemocratização, intelectuais prometem ao povo que a democracia criará bons hospitais, uma escola "pública, gratuita e de qualidade" e garantirá uma aposentadoria tranquila. Agora o povo percebe que o Estado democrático não dá conta nem mesmo de sua função mais essencial, a de guarda-noturno responsável por manter a ordem.
Nos fizeram acreditar que a democracia garantiria justiça social. Mas está bem claro que as instituições democráticas sustentam injustiças –subsídios, editais, barreiras alfandegárias, contratos superfaturados, financiamentos, monopólios, regulações contra concorrentes, aposentadorias especiais, enfim, todo o tipo de privilégios para o grupo que grita mais alto.
Dizer que a democracia é melhor que a ditadura é uma obviedade meio vazia. É como comparar a seleção de futebol da Rússia com a da Arábia Saudita –uma delas é melhor, certamente, mas as duas jogam feio e fazem faltas demais. O fato de a democracia superar ditaduras não a torna um sistema admirável, justo ou isento de perigos.
A própria dicotomia entre os dois sistemas é falsa. A ditadura muitas vezes é fruto da democracia. Hitler e Chávez, vale lembrar, foram eleitos democraticamente. "A democracia é só uma outra forma de ditadura, a ditadura da maioria e do Estado", dizem os libertários Frank Karsten e Karel Beckman no livro "Beyond Democracy". "Mesmo se a democracia tiver uma Constituição limitando o poder do governo, essa Constituição também pode ser alterada pela maioria."
Democracia é sinônimo de liberdade? Bem, ainda somos livres para decidir que roupa usar ou onde viver. Mas precisamos obedecer a decisão de burocratas sobre o que aprendemos na escola, a moeda ou o modelo de tomada que podemos utilizar, quanto tempo gastamos no almoço do trabalho ou que tipo de pessoas podemos pedir em casamento.
Anos atrás, Irlanda e Austrália realizaram plebiscitos para a população decidir se autorizava o casamento gay. Repare o absurdo: se a maioria votasse contra, gays de todo o país seriam impedidos de casar com quem desejassem. Democracia demais não resulta em mais liberdade, mas em tirania da maioria.
Para evitar desilusões violentas do povo, é melhor apostar poucas fichas nesse formato nacional e centralizado da democracia contemporânea. Acreditar que ela resolverá todos os nossos problemas é tão delirante quanto defender a volta dos militares.
Leandro Narloch
Jornalista, mestre em filosofia e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, 
entre outros

Folha de São Paulo