segunda-feira, 25 de junho de 2018

Após se formarem em Harvard, jovens veem caminho na política



Na contramão dos 70 milhões de brasileiros que querem deixar o país, segundo pesquisa do Datafolha publicada no domingo (17), dois jovens recém-formados em Harvard decidiram fazer o caminho de volta para entrar na política e lutar por um ensino público de qualidade a que todos tenham acesso.
Renan Ferreirinha e Tábata Amaral de Pontes, ambos de 24 anos, são de origem pobre, estudaram em colégios públicos e ganharam bolsas de escolas particulares para chegar à faculdade.
Tábata Amaral e Renan Ferreirinha, 24, que criaram o movimento Acredito 
Tábata Amaral e Renan Ferreirinha, 24, que criaram o movimento Acredito  - Pedro Ladeira/Folhapress
Aprovados nas melhores universidades brasileiras, decidiram estudar nos Estados Unidos. Renan foi aprovado em nove faculdades americanas e Tábata, em cinco. Os dois optaram por Harvard e lá se formaram em ciências políticas, entre outras graduações.
[ x ]
“Assim que me formei no ano passado, decidi voltar imediatamente para o Brasil para continuar meu trabalho como empreendedor social e ativista pela educação”, conta Renan, fluminense de São Gonçalo, filho de professora do ensino público e de pai desempregado.
Não foi decisão fácil. Renan recusou ofertas de trabalho de até US$ 200 mil por ano em empresas do Vale do Silício, de Nova York e de Londres. “Em dois anos, poderia garantir o futuro da minha família, mas estava na hora de voltar e fazer acontecer aqui também.”
Assim que voltou, decidiu disputar as próximas eleições. Filiou-se ao PSB do Rio e é pré-candidato a deputado estadual, um dos 99 bolsistas do RenovaBR, projeto que se propõe a formar novas lideranças.
Tábata Amaral, paulistana da Vila Missionária, filha de uma vendedora de flores que foi diarista e de um cobrador de ônibus que morreu dias depois de ela ganhar bolsa integral de Harvard, seguiu a mesma trajetória e tem os mesmos sonhos de Renan. 
Ela ainda não decidiu se vai disputar as próximas eleições, mas já tem o discurso pronto: “Meu maior sonho é transformar o Brasil através da educação e da gestão pública, para que o país seja mais justo, inclusivo, desenvolvido e ético”.
Tábata e Renan se encontraram nas provas seletivas para Harvard no Brasil e não se largaram mais. Na última semana, participaram das reuniões do RenovaBR em Brasília.
Os dois ativistas fundaram o Mapa Educação, do qual Tábata é presidente, e o Acredito, movimento nacional e suprapartidário organizado em 15 estados, com 2,5 mil militantes, “para a formação de novas lideranças, ideias e práticas no Congresso Nacional”. Este ano, o Acredito deve lançar 30 candidatos a cargos legislativos por sete partidos.

OPORTUNIDADES

O que move Tábata e Renan é o entendimento comum de que não basta ter sorte e talento para vencer na vida. “É preciso ter oportunidades como nós tivemos desde muito cedo”, diz Tábata.
Com 11 anos, Renan foi aprovado em sexto lugar num concurso com 5 mil candidatos para 70 vagas no Colégio Militar do Rio de Janeiro e lá ficou até o final do ensino médio.
Aos 16, já estava fazendo trabalhos voluntários no Complexo do Lins, onde criou um curso comunitário gratuito de ensino de inglês. A recompensa não demorou: dois anos depois, para os processos de seleção das universidades americanas, recebeu apoio financeiro da Fundação Estudar.
Na mesma época, aos 12, Tábata começava sua carreira de “atleta do conhecimento”: colecionou mais de 30 medalhas em concursos de matemática, física, química, informática, astronomia, robótica e linguística, e representou o Brasil em cinco olimpíadas internacionais de ciência.
Destaque na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas, Tábata logo ganhou uma bolsa integral para estudar em escola particular. 
Recebeu também ajuda de professores e colegas para arcar com as despesas de alimentação e transporte que sua família não podia cobrir. 
Ganhou outra bolsa para estudar inglês e a ajuda de várias instituições na preparação para o exame seletivo das universidades dos EUA.
E assim, acumulando oportunidades, os dois foram para o Harvard College, onde Tábata se graduou em ciências políticas e astrofísica, e Renan, em economia, com especialização em ciências políticas.
Com seus currículos, poderiam ganhar dinheiro em outros países, mas dizem que seus projetos de vida estão aqui.
“Esta pesquisa me deixou muito triste. É um preço geracional absurdo que a gente paga. Uma coisa é reclamar dos homens públicos, ficar triste com o que está acontecendo, outra coisa é essa vontade de emigrar”, lamenta Renan, ao comentar a pesquisa Datafolha em que 62% dos jovens brasileiros declararam que, se pudessem, iriam embora do país.
Ao revelar a amigos que estava pensando em entrar na política para viver num país melhor, Tábata percebeu que as pessoas não entendiam seus argumentos.
A questão financeira também deixa a jovem em dúvida sobre se candidatar, embora já seja filiada a um partido (PDT). “Campanhas são muito caras e eu não tenho patrocínio. Preciso pensar na minha família primeiro.”
Renan já se decidiu e quer entrar logo na campanha, assim que a candidatura for oficializada. Já tem pronto o mote da sua propaganda eleitoral: “Educação na veia”.
Ricardo Kotscho, Folha de São Paulo