sábado, 7 de outubro de 2017

"Não há atalhos na lei", por Ronaldo Caiado

Folha de São Paulo

Não há precedente na história da democracia de crise política que se resolva de fora para dentro –isto é, sem o protagonismo dos próprios políticos. 

Inversamente, há inúmeros casos em que, a pretexto de condenar a ação nefasta de alguns, destruiu-se a democracia, na ilusão de que a solução poderia vir de fora.

O país assiste ao ressurgimento desse equívoco, que tem como ponto de partida a relativização –quando não a transgressão pura e simples– da lei.

O ativismo político de parte do Judiciário e o retorno de manifestações pró-intervenção militar são sintomas desse equívoco, que ignora as lições do passado e vende uma ilusão: de que é possível uma democracia sem políticos.

Convém lembrar a lição de Winston Churchill, de que a democracia é o pior dos regimes, excetuados todos os outros. Mais que lição, é um alerta permanente.

A política brasileira está enferma. Algumas das principais lideranças estão submetidas à Justiça, umas já condenadas, outras denunciadas e algumas já presas. Incluem-se aí nada menos que dois ex-presidentes –Lula (já condenado) e Dilma (ré)– e o atual, Michel Temer (denunciado), além de alguns dos principais empresários do país.

São nos momentos de crise que se pode avaliar a eficiência das instituições. Todo esse processo, inédito entre nós, se dá sem a quebra da normalidade e rigorosamente dentro da ordem jurídica do Estado democrático de Direito. 

Portanto, é hora de insistir nesse procedimento.

O paciente está na UTI, mas recebe tratamento adequado, que não deve ser interrompido sob pena do pior.

Senado e STF divergem neste momento quanto ao enquadramento penal que se deve dar a um parlamentar: deve ser julgado como um servidor público estatutário –que não o é, assim como também não o são os ministros do STF e o presidente da República– ou se pela Constituição.

Cada uma daquelas funções está regulada pela Constituição, que, como é óbvio, se sobrepõe à legislação ordinária.

A título de comparação, se uma comissão do Senado, que tem a prerrogativa de julgar ministros do STF, enquadrasse um deles como servidor estatutário e o suspendesse da função, antes do julgamento pelo plenário, recolhendo-o à prisão domiciliar, estaria infringindo a Constituição.

O Senado já deu provas de que se dispõe a trabalhar em harmonia com o Judiciário. Quando o STF decretou a prisão do então senador Delcídio do Amaral, pediu, dentro do que estabelece a Constituição, autorização ao Senado, que a aprovou no mesmo dia. Posteriormente a Comissão de Ética casou o mandato.
Não há, pois, razão para alimentar controvérsias. E o Senado entendeu e evitou confrontos com o Supremo. Não o fez porque investe na superação da crise.

No dia 11, o pleno do STF decide Ação Direta de Inconstitucionalidade, que trata do tema. Acreditamos que prevalecerá a Constituição, que os ministros não sucumbirão ao ativismo político. A tentação de legislar já se manifestou em outras ocasiões, mas integrante do Judiciário é prisioneiro da lei. Se quiser legislar, terá de se candidatar.

O sistema de pesos e contrapesos da República funciona. Nenhum dos três Poderes é maior que os demais, e nenhum pode ter sua esfera de ação invadida, por mais nobre que seja a causa. Não há atalhos na lei.

De minha parte, jamais serei conivente com a corrupção em qualquer esfera da vida pública ou privada. Mas não darei também apoio a qualquer ato que, seja lá qual for sua intenção, pretenda se sobrepor à lei. Fora dela, já dizia Ruy Barbosa, não há salvação.