Morris Kachani - O Estado de São Paulo
Almocei com o Kim Kataguiri, um dos fundadores do MBL, na semana passada, no restaurante América da avenida Paulista. A gente não se conhecia. Então, preferimos falar sobre amenidades, inicialmente. Kim empolgou-se, e fui percebendo nele um repertório próprio de sua geração.
“Todos os jogos que você puder imaginar, lançados depois de 2000, eu provavelmente já joguei”.
“Fala que eu gosto de jogar Dota, para as pessoas me adicionarem”.
“Amo o Goku!”
“Quem é mesmo o Goku?”, perguntei.
“O protagonista do Dragon Ball Z. Eu gosto bastante de anime, de mangá”.
E então, antes que fôssemos pegar a salada no buffet, Kim comentou: “de mim, não tem muito o que entender, não. Sou um japonês introspectivo que perdeu a vergonha à força discursando em manifestação”.
Kim, que perdera o pai, ex-metalúrgico do ABC, havia uma semana, como depois eu viria a saber. E que nesta mesma semana lançou seu livro, “Quem é este moleque para estar na Folha?”, com a presença do prefeito João Doria.
Goste-se ou não, o MBL, fundado por ele e outros companheiros, é uma das novidades de nossa assombrosa cena política atual. De fato, como sugere o título do livro, uma coletânea das colunas de Kim na Folha de S. Paulo, chama a atenção a idade dessa turma.
Kim tem apenas 21 anos e já é amado e odiado nacionalmente. Sabemos por que. Para divulgar suas ideias um tanto controversas, o MBL conta com um laboratório de produção audiovisual, atualmente com nove membros. Produz memes, noticiários, depoimentos e vídeos de guerrilha. Conta com um canal que conquistou um público imenso, o Mamãefalei. No Facebook, são 40 a 60 milhões de visualizações por semana na página do MBL, segundo me diz Kim. O movimento já conta com 2400 voluntários pelo Brasil.
Os temas são variados. Da Escola sem Partido, que gerou uma crise interna na Prefeitura de São Paulo, ao mais recente, sobre uma performance artística no MAM.
Foi, pelo menos para mim, um almoço respeitoso. Mas indigesto, na medida em que avançávamos sobre suas opiniões e pontos de vista.
Kim Kataguiri pretende se eleger deputado, no ano que vem. Neoliberal com fortes tons de direita e altamente provocativo, ele e seu MBL entraram no inconsciente da esquerda como uma força do mal que se insinua sorrateira no Facebook e em toda rede para conquistar os brasileiros desavisados.
Para a direita é uma força contraditória, barulhenta e, às vezes, irresponsável, mas muito útil. Kataguiri sabe fazer barulho e se encaminha para uma carreira que, às vezes, ganha tintas moralistas e conservadoras e, em outras, parece progressista e orientada para os direitos individuais.
Kataguiri está convencido que o neoliberalismo é uma ideologia triunfante. Seus heróis são Reagan e Thatcher. Além de Goku, naturalmente.
*
“Você tocar um adulto pelado publicamente com diversas pessoas em volta e glorificar aquilo, acho difícil você dizer que não havia conteúdo erótico. Isso sem falar sobre o uso de dinheiro público em meio a uma crise em que com certeza exposições artísticas não são prioridade”
“O que a gente fala em nossos vídeos é sobre os pilares da civilização ocidental, que basicamente são a filosofia grega, o direito romano e a religiosidade judaico-cristã”
“Uma das nossas fórmulas é o meme. Parece simples, mas no MBL tem um sentido maior. A pessoa tem 3 razões para ver a página do MBL e para compartilhar. Primeiro, ver a notícia. Segundo, o entretenimento. E terceiro, saber o que o MBL pensa sobre aquilo pra se posicionar também. É sempre imagem. Para bater o olho e chamar atenção”
“A razão do meu otimismo é ver coisas como Crivella, o Doria, o Nelson Marchezan cortando verba do Carnaval e a população aplaudindo”
“Doria é meu candidato para o ano que vem. Nossos pontos de convergência se dão principalmente na área econômica”
“O MBL é contra o aborto, é a favor do casamento gay e defende a federalização do debate das drogas, que cada Estado defina se legaliza ou não”
“Um dos principais anseios é a segurança pública, este é um dos temas que mexem mais com a emoção e gera debates viscerais. Ninguém se mata por taxas de juros, agora se matam numa discussão sobre maioridade penal”
“Ser de direita liberal não é negar que existe racismo. Mas discordar que supostas posições como cotas raciais vão melhorar o problema”
“Acho que tiveram medidas boas de Lula, como o Bolsa Família. Ele manteve reservas de dólares no primeiro governo dele, o que nenhum outro presidente tinha feito”
“O monopólio da informação acabou. Antes o político precisava mendigar atenção da imprensa para divulgar seus projetos. Hoje divulga por ele mesmo. A qualidade da informação piorou, porque aumentou o volume. É natural”
“A internet deu voz aos idiotas também. Eles já existiam, agora eles conversam entre si”
Quais são as tuas pretensões políticas, Kim?
Eu vou me candidatar a deputado federal ano que vem. Ainda não sei por qual partido.
Está sendo cortejado?
Há muito tempo, por vários.
Por que que se fala tanto dessa capilaridade e da capacidade de mobilização do MBL na internet? Quais são as “armas” de vocês?
Acho que é a nossa especialidade. O MBL surgiu de um bando de moleques que frequentava fóruns e palestras liberais, sentava para ficar ouvindo sobre os efeitos das taxas de juros na inflação, mas a gente viu que aquilo não iria chegar no Seu João e na Dona Maria.
Qual era a ideia?
A ideia do movimento era justamente trabalhar uma linguagem, criar uma linguagem, pra não só fazer com que as pessoas entendessem o nosso pensamento, mas também se engajassem, entendessem que vale a pena sacrificar um pouco do tempo da vida delas pra lutar por algumas causas. E dada a idade dos membros, foi natural a gente se organizar pelo Facebook. Uma das nossas fórmulas é o meme. Parece simples, mas no MBL tem um sentido maior. Os nossos são sempre uma notícia, acontece alguma coisa e fazemos uma piada para engajar o público com aquela notícia. Então a pessoa tem 3 razões para ver a página do MBL e para compartilhar. Primeiro, ver a notícia. Segundo, o entretenimento. E terceiro, saber o que o MBL pensa sobre aquilo pra se posicionar também. É sempre imagem. Para bater o olho e chamar atenção. É Facebook, né?
E como está a audiência?
Oscila. Semana passada, foram 45 milhões. Esses são usuários do Facebook que interagiram com algum conteúdo, que comentaram, curtiram ou compartilharam um post. Oscila entre 40 e 60 milhões.
É gente pra caralho! Qual o perfil dessas pessoas?
Difícil traçar um perfil, é muita gente, é muito variado. No começo, a gente tinha a proporção de 74% homens e o restante mulheres. Hoje já são 56% homens e 44% mulheres. A gente gosta de falar que furamos a bolha, não somos mais um clubinho de liberais ou conservadores. Agora falamos com a população em geral.
Qual é a faixa etária?
Também é disperso, mas a maioria, acho que 25%, tem entre 25 e 34 anos.
Vocês têm uma central de produção? Quanta gente tem lá no QG de vocês?
Nove pessoas.
O Artur do Val, do canal mamãefalei, está com vocês?
Não na produção de memes, mas na central de vídeos, que a gente também faz.
A fórmula dele é de guerrilha. Ir nas manifestações e ficar questionando as pessoas.Como foi concebida a ideia do canal, quais foram os maiores perrengues por que ele passou, quais são os números?
Na verdade, o canal do Artur foi criado meio por impulso, a ideia de ir a manifestações e fazer perguntas provocativas aos manifestantes veio em um dia em que ele estava na Paulista preso no trânsito, ficou sabendo que na verdade estava preso porque estava tendo uma manifestação em favor da nomeação do Lula para a Casa Civil, e daí pensou, “bem essa galera nem sabe o que está fazendo aí, nem sabe o que é Casa Civil, nem sabe pelo que está protestando”. Os dois maiores perrengues que passou foram em uma escola no Paraná, em que foi praticamente linchado por diversos invasores da escola e, pior, acusado de estupro por uma menina. Felizmente ele gravou tudo e foi inocentado, mas imagina o estrago para sua vida caso não tivesse gravado. Se não me engano o vídeo dele que mais rodou no Facebook foi na manifestação do Dia do Trabalho, que teve os seus 35 milhões de acessos.
Você acha mesmo que aquela exposição em Porto Alegre deveria ser proibida?
Não, a gente nunca defendeu isso. Esse é um ponto negativo da imprensa. Tanto que o Boechat me chamou de Hitler na rádio. A gente defendeu um boicote por duas razões: aquilo ser destinado especificamente a crianças, segundo o edital, e o uso do dinheiro público. A gente já fez diversas campanhas de boicotes contra o uso da lei Rouanet, que não tiveram tanto impacto mas deram certo. A gente já cancelou turnê da Claudia Leitte, CD do Luan Santana, programa de televisão que recebia benefícios de 24.4 milhões de reais, se não me engano.
Qual é o critério?
Dinheiro público. Por ser dinheiro público, a gente acredita que não é o governo que tem que direcionar para onde vai o dinheiro. Não é o Ministério da Cultura que vai definir o que é cultura ou não é. É a população. Muito melhor fazer como um Bolsa Família para a cultura. Você dá para o cara e ele gasta no que ele acha que é cultura. Muito mais democrático isso do que você centralizar num órgão. Para mim não faz sentido nenhum o governo ditar o que é e o que não é cultura, o que deve e não deve ser financiado.
E sobre a exposição do MAM, como o MBL se posiciona? Há algo de pedofilia ali?Argumentos a favor da expo: A arte não passa pela transgressão? O museu havia avisado o público, não havia conteúdo erótico, a criança estava com a mãe…
Nossa posição é a posição da lei, que é bastante clara. O Estatuto da Criança e do Adolescente diz que todos direitos e garantias fundamentais são garantidos com prioridade para a criança e isso inclui dignidade da pessoa humana. Cada criança é um fim em si mesmo, não pode ser um meio, um mero instrumento. Isso sem falar sobre o uso de dinheiro público em meio a uma crise em que com certeza exposições artísticas não são prioridade.
A criança estava com a mãe…
Mesmo com a criança estando com a mãe, existe um limite. Você tocar um adulto pelado publicamente com diversas pessoas em volta e glorificar aquilo, acho difícil você dizer que não havia conteúdo erótico porque é relativo. São crianças, se não me engano de 4 anos, encostando em um adulto pelado.
Em alguns vídeos o MBL fala sobre valores cristãos. Poderia explicar no que consistem exatamente?
O que a gente fala em nossos vídeos é sobre os pilares da civilização ocidental, que basicamente são a filosofia grega, o direito romano e a religiosidade judaico-cristã.
Como é que vocês se financiam?
No começo era mais difícil, porque a gente dependia de doações inesperadas. Não sabíamos que mês ia fechar azul ou vermelho. Aí a gente fez um sistema de filiação, com o cara que quer contribuir todo mês, com 30, 200, 300 reais. E vai do encanador até o cara do mercado financeiro, que coloca 1.000 reais por mês.
É estritamente colaborativo? Não tem empresa?
Não. Tem a loja, camiseta, caneca, mas é doação também, porque a pessoa doa e recebe de volta.
E números que podem ser ditos publicamente, quais são?
Eu realmente não sei. Cada um ali toca uma área, e eu não sei do financeiro. Os fundadores, digamos assim, não têm salário. Agora, quem filma, quem grava, faz os memes, eles ganham.
E você tira o seu de onde?
Palestra, livro, consultoria para o mercado financeiro. Tem a rádio ABC, onde comento todo dia.
Você estava na Folha e não está mais?
Foi um ano.
Como foi?
Acabou o contrato. Foi uma experiência muito boa, gostei bastante. Trouxe um público novo e mais qualificado. E mais fiel, porque um cara que se dispõe a ler um texto inteiro, hoje, século 21, toda semana, é um cara que está com você independentemente do que você faz.
Existe liberdade de imprensa no Brasil, hoje?
Acredito que sim.
Ou ela está nas mãos de monopólios?
Acho que isso acabou. Os 40 milhões semanais de audiência que eu te falei são mais do que a cobertura da Folha no Facebook, do G1. Acho que eles perderam o monopólio da informação. Antes o político precisava mendigar atenção da imprensa para divulgar seus projetos. Hoje divulga por ele mesmo.
E a qualidade da informação, piorou?
Piorou porque aumentou, é natural. Quanto mais, pior.
O ódio nas redes sociais. O que você tem a dizer sobre a disseminação do ódio?
Não lembro de quem é essa frase, mas a internet deu voz aos idiotas também. Eles já existiam, agora eles conversam entre si. Vejo muito intelectual falando, analista, que o ódio surgiu da rede. A rede não criou nada! A rede é meio. Já existia na sociedade e as pessoas começaram a se conectar, a aparecer. Todo mundo ficou mais visível, a fama não é mais centralizada. Eu não cresci assistindo televisão, vendo um cara distante, que eu sabia que nunca ia conhecer na minha vida. Eu cresci assistindo canal do Youtube, que eu podia mandar uma mensagem e o cara me respondia. Então tem um cara com 15 milhões de seguidores, mas ele anda na rua e ninguém o reconhece. Cada um é famoso no seu nicho.
Fica uma coisa de nicho e perde-se a arena do diálogo. Ou não?
Acho que eles já não dialogavam antes.
O que você acha que seria o inconsciente coletivo do Brasil hoje? Que vozes são essas que estão ecoando nas nossas cabeças?
O homem médio, que nunca foi organizado politicamente, que não estava em partido ou sindicato, em organização estudantil, em nada, agora está começando a se organizar e levantar sua voz e com anseio de ter seus valores representados na política. Daí a ascensão do Bolsonaro. Um dos principais anseios é a segurança pública, este é um dos temas que mexem mais com a emoção e gera debates viscerais. Ninguém se mata por taxas de juros, agora se matam numa discussão sobre maioridade penal.
Como você vê o Bolsonaro nesse sentido?
Não acho legal ele ser o segundo nas pesquisas, não apoio. Economicamente, discordo quase que completamente das ideias dele. Politicamente, acho que ele sofreria impeachment em três meses. Não ia conseguir ter maioria no Congresso. É uma coisa totalmente inviável, impensável.
O que você pensa da maioridade penal?
Acho que nem deveria existir. Acho que o juiz deveria ter o poder pra estudar caso a caso, suas particularidades.
Você está otimista com o futuro do país?
Estou mais otimista do que pessimista. A razão do meu otimismo é ver coisas como Crivella, o Doria, o Nelson Marchezan cortando verba do Carnaval e a população aplaudindo, porque está entendendo que o governo tem que ter prioridades maiores.
Como você se informa?
Leio jornal, revista, ligo e converso com parlamentares.
Quem são os mais próximos de você?
Sóstenes Cavalcante, do Rio, do DEM. Os mais próximos são do DEM. O ministro Mendonça Filho, da Educação, o Marcus Rogério, relator da cassação do Cunha. Os mais novos do PSDB, como Daniel Coelho, Mariana Carvalho e Pedro Cunha Lima.
Qual que é o projeto do MBL, afinal de contas?
Nosso projeto é implementar a ideologia liberal. É chegar ao poder, disputar o poder. Acho que num sentindo burkeano da palavra, a gente é um partido, um grupo de pessoas que se une em torno de um ideal para disputar o poder e para implementar um projeto de país.
Vocês já são um partido atualmente?
Não cartorialmente. Por isso que falei no sentido burkeano, no sentido nobre dado por Edmund Burke para a palavra partido.
Vocês querem se tornar um partido?
Não acho que a gente precise, pelo menos agora.
Vocês vão fazendo alianças?
Por exemplo, em 2016, quando a gente disputou a eleição, teve candidato eleito pelo PB, pelo PRB, PSD, DEM, PSDB.
Quantas pessoas vocês têm eleitas?
Nove, todos vereadores. E a gente tem o prefeito Marquezan, em Porto Alegre, que foi “adotado”, antes mesmo de disputar a eleição.
Quem está com vocês, dos políticos que a gente conhece?
Temos um diálogo aberto com a base desse governo, não tem um partido especifico. A gente dialoga de acordo com a pauta, com uma causa, que é o que mobiliza as pessoas. Coisas abstratas não mobilizam ninguém. Por exemplo, acho que mês que vem vai ter votação sobre segurança pública. A gente vai lá conversar com o líder da Bancada da Bala e perguntar quais pautas serão votadas, a gente quer entender, quer apoiar as votações com as quais concordamos, queremos participar, propor nossos próprios projetos.
Mas quem são, nomes?
Bancada ruralista é o Nilson Leitão, que é o líder. Tem a bancada evangélica, o líder é o Takayama.
Bancada da bala, evangélica e ruralista. É por aí que vocês transitam. Caramba! Base do governo seria o que?
Os partidos da base, porque nos da oposição a gente não tem trânsito nenhum. Nos da base, a gente transita em todos.
O que você está achando desse governo?
Eticamente, péssimo, não tem a menor dúvida. É matematicamente impossível o cara ser presidente do PMDB e ser honesto. É logicamente excludente. Sem falar que ele foi vice da Dilma durante o escândalo do Petrolão. Ele não saber de nada é ter muita ingenuidade, ainda mais ele que tinha mais trânsito no Congresso. Por outro lado, economicamente, acho que foi um dos melhores governos. Foi o que mais implementou reformas, reformas importantes, estruturantes, que vão permanecer independente de governantes. Trabalhista, leilão do pré-Sal, abertura do mercado das empresas aéreas, diversas parcerias público-privadas que estão sendo feitas no setor de infra-estrutura.
Você acha que é um governo legítimo, no final das contas?
Sim.
Você acha que o impeachment foi uma coisa boa?
Foi, sem dúvida. Eu não digo que esse governo é o dos meus sonhos, que eu escolheria se tivesse um poder supremo de indicar alguém para a presidência da República, mas acho que o impeachment foi uma coisa positiva porque, mais do que escapar de incompetência e corrupção, a gente estava escapando de autoritarismo, que é o mais perigoso de tudo. Mais do que roubar, aparelhar, indicar cargo comissionado, negociar com o PMDB, o mais grave era ter um projeto autoritário.
Quem seria seu candidato para o ano que vem?
O Doria.
Ele vai concorrer?
Acho que sim.
Mas ele não teve nem um ano de gestão. Isso é uma loucura.
Mas a gente não está vivendo as condições normais de pressão e temperatura. Em condições normais, ele deveria terminar a Prefeitura, e ele não subiria de zero para 13% de intenção de voto para presidente. A gente está vivendo um momento de vácuo!
E o Alckmin está numa boa com essa história?
Ah, com certeza não. Os dois estão numa queda-de-braço para ver quem sai para a presidência pelo PSDB.
Mas o Doria tem uma lealdade em relação ao Alckmin.
Mas ao mesmo tempo ele tem o anseio de ser presidente da República.
Mas ele já fala disso claramente?
Não, mas insinua. O prefeito de São Paulo tem que antagonizar a Câmara, não o ex-presidente da República. Não faz sentido antagonizar o Lula se você não quer ser presidente.
Quais os pontos de convergência entre o MBL e o Doria?
Principalmente a área econômica. Privatização da Petrobras, independência do Banco Central, diminuição dos cargos comissionados, de Ministérios, de burocracia, do tempo para abrir uma empresa, para declarar impostos, complexidade dos impostos, revisão do pacto federativo. Com toda essa parte organizacional da economia a gente concorda.
E como o MBL pensa socialmente?
Socialmente você quer dizer a trindade famosa? Aborto, drogas e casamento gay?
Sobre isso também podemos falar, mas estou perguntando de outra coisa, de bem estar social mesmo. Fala-se que o governo Lula trouxe conquistas sociais relevantes. Faz sentido isso ou não?
Acho que teve, mas “apesar” do governo, não “por conta” do governo. Acho que o Bolsa Família foi um avanço sim, e acho que o governo Temer fechou com chave-de-ouro com o Programa Progredir, que é investimento em capacitação profissional. Acho que era isso que faltava.
Você acha que o Lula fez algum bem para o Brasil?
Acho que tiveram medidas boas, como o Bolsa Família. Ele manteve reservas de dólares no primeiro governo dele, o que nenhum outro presidente tinha feito. O grande problema dele é autoritarismo e excesso de gasto público, que infelizmente acaba anulando as outras coisas.
Agora, a Santíssima Trindade.
Primeiro, vou falar do MBL. O MBL é contra o aborto, é a favor do casamento gay e defende a federalização do debate das drogas, que cada Estado defina se legaliza ou não. Pessoalmente, tenho uma diferença com o MBL. Eu acho que tem que legalizar maconha no país inteiro.
Você fuma?
Não.
Que pensa sobre a questão do racismo no Brasil?
Ser de direita liberal não é negar que existe racismo. Mas discordar que supostas posições como cotas raciais vão melhorar o problema. A grande diferença, a meu ver, é que a gente não leva este debate para a emoção, a gente se baseia em fatos. Tem um livro chamado “Ações afirmativas ao redor do mundo”, que demonstra que em países onde cotas foram implementadas, o racismo aumentou.
Como você se define?
Não tem muito o que entender sobre mim, não. Sou um japonês introspectivo que perdeu a vergonha à força discursando em manifestação.
Como foi esse processo de perder a timidez nas manifestações?
Na verdade, não foi um processo, foi direto, foi de uma timidez quase absoluta para uma exposição total. Quando a gente fez o movimento, em 1º de novembro de 2014, a nossa primeira manifestação era em defesa da liberdade de imprensa, porque a Abril tinha sido vandalizada, porque a Veja soltou aquela capa com a delação do Youssef e em defesa da Lava Jato, que estava surgindo e em ascensão. Juntos fizemos uma vaquinha, pegamos um carro de som, e acho que isso é um dos pontos fundamentais de diferença com as manifestações de 2013. O caminhão de som não é só ele em si, é o fato de que existe uma pauta certa, específica, e existe liderança e pessoas guiando a manifestação. Um dia antes da manifestação, eu ficava treinando o discurso no chuveiro. Hoje eu faço na hora, mas no primeiro, eu escrevi, decorei, e repeti, repeti, repeti.
Você já falou que existe um ponto de contato e um ponto de divergência entre vocês e a Mídia Ninja. Qual seria?
A semelhança é trabalhar enquanto meio de comunicação para transmitir um ideal; uma estética mais jovem, e uma cobertura ostensiva de todas as pautas, de todos os embates que acontecem. Qualquer dividida eles estão lá e nós também. A diferença fundamental é a gente ter representação institucional, e querer isso, vereadores, prefeitos, deputados, senadores. E a gente também atua como movimento de pressão, corpo a corpo. Eu acho que não existe paralelo na esquerda. Acho que falta renovação de liderança.
Mas essa capilaridade nas redes sociais, o trabalho que eles fazem, ombreia com o de vocês. Uma linguagem parecida, mas com um outro foco.
No sentido de comunicar, sim, mas acho que a diferença é no alcance. Eles têm 13 vezes menos alcance que a gente.
Quais são as suas inspirações?
Primeiro, meu pai, antes de tudo. É uma figura que moldou meu caráter, a maneira de pensar. Todo o resto vem depois.
O que ele faz?
Ele morreu, na semana passada, mas era metalúrgico. Aposentado já, ele tinha 72 anos. Japonês. Eu sou metade japonês, minha mãe é metade portuguesa, metade italiana. Levar a sério o que tem que ser levado e debochar de todo o resto. É o fundamento da minha pessoa, eu acho que aprendi com meu pai.
E as inspirações intelectuais?
O que eu mais costumo citar em economia é Milton Friedman, da Escola de Chicago, e o “Livre para Escolher”, que é o principal livro dele. (Ludwig Edler von) Mises também, da Escola Austríaca de Economia, que tem “As Seis Lições” e a “Ação Humana”. Esse eu confesso que não li inteiro, só uns capítulos porque é grande o negócio. De inspiração filosófica, sou platônico, acho que a ideia precede a matéria, acho que isto ajuda a ter a compreensão de que existe certo e errado, minha visão anti-relativista vem daí, de Platão.
E os políticos do mundo que você admira?
Enquanto atores políticos, Thatcher e Reagan. Ambos tiveram que conduzir momento difíceis, combater corporações bem organizadas, e fizeram isso com maestria. Acho que isso é mais difícil. É fácil se defender, tanto no discurso liberal quanto no socialista. Difícil é manter essa linha de raciocínio de maneira coerente quando você está num momento de turbulência, em que a população conta com o líder maior da nação como sustentação, como aquilo que segura o tecido social.
Você mora sozinho? Está namorando? Como é o seu cotidiano?
Sim. Não dá pra dizer que eu tenho uma rotina. Cada dia é uma aventura diferente, mas eu tenho faculdade de manhã, faço Direito ali no Instituto de Direito Público. Isso é o que eu tenho de fixo. Namorando não estou. Não tenho tempo para namorar, neste momento.