Steve Dipaola-3.jul.2015/Reuters | |
Folhas de cannabis |
REYNALDO TUROLLO JR. - Folha de São Paulo
Por unanimidade, a 1ª Turma Criminal do TJDFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios) autorizou a família de uma adolescente que sofre com convulsões a plantar maconha em casa para fins medicinais.
A decisão, desta quinta-feira (5), é inédita no Distrito Federal, segundo a advogada da família, Daniela Peon Tamanini.
Moradora de Brasília, a adolescente de 16 anos é portadora da síndrome de Silver-Russell. Aos três anos de idade, após ser medicada com Nimesulida (um remédio convencional), ela teve reações que levaram a uma hemiparesia (paralisia de um dos lados do corpo –no caso, o direito).
Segundo Tamanini, a jovem chega a ter 40 convulsões em uma manhã. Neta de médicos, ela passou por vários tratamentos da medicina convencional, até que, há cerca de um ano, descobriu o tratamento com a Cannabis, com acompanhamento médico.
A família, de acordo com a advogada, chegou a conseguir autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para importar a substância canabidiol (CBD), mas o custo era alto, de US$ 1.000 por mês.
Além disso, segundo Tamanini, a Anvisa não permitia a importação de tetrahidrocanabinol (THC), que ameniza a dor.
"A família precisou recorrer ao mercado ilegal. Evidentemente, ela jamais fumou, e a substância é diferente da do mercado recreativo", disse Tamanini.
HABEAS CORPUS
Em maio, a família decidiu pedir à Justiça um habeas corpus para poder cultivar a Cannabis em casa. Um juiz de primeira instância negou liminarmente o pedido.
A advogada recorreu e, nesta quinta, os três desembargadores da turma criminal autorizaram o cultivo. Na prática, segundo Tamanini, a decisão é um salvo-conduto para que a mãe e o padrasto da jovem cultivem a planta sem serem presos.
O relator do caso, desembargador George Lopes Leite, foi à casa da família com médicos do tribunal. Eles viram a plantação e fizeram exame clínico na adolescente –o que, para a advogada, foi fundamental para que tomassem a decisão.
"O direito à saúde seria posto em xeque se o pedido fosse negado, já que o Estado ainda não oferece os recursos necessários para assegurar uma vida digna e feliz à adolescente, tendo-se à disposição uma medida de profilaxia de efeito rápido e eficaz, de baixo custo financeiro e fácil manuseio, utilizada por tantos pacientes, aqui e alhures", afirmou o relator do caso.
"Uma mãe que assiste a 90 convulsões diárias da filha adolescente não sabe o que é paciência, não lida com procedimentos estatais burocráticos ou com 'meias soluções'. Enxerga apenas uma única medida que 'funciona' de fato, que é natural, que já é admitida em outros países e que está dentro do seu poder de ação", afirmou Leite.
A família deverá entregar um relatório periódico sobre o cultivo, a extração e a utilização das substâncias CBD e THC para o delegado titular da 9ª Delegacia de Polícia, que será responsável por fiscalizar o cumprimento das condições impostas pela Justiça, informou o tribunal.
Segundo a advogada, a família cultiva duas espécies da planta que têm efeitos diferentes. A extração das substâncias é artesanal –feita em uma panela no fogão.
A jovem consome o óleo e a pasta da planta e, quando precisa de efeitos imediatos, utiliza um vaporizador (faz uma espécie de inalação), de acordo com Tamanini.
"Nosso intuito é formar uma associação para mover uma ação coletiva, porque nem todos os que precisam da Cannabis para fins medicinais têm dinheiro e 'know-how' para fazerem sozinhos", disse a advogada.