sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Ruy Castro: "Perguntas mórbidas"

Divulgação
Getúlio Vargas (ao microfone) em cena do documentário "Imagens do Estado Novo"


Folha de São Paulo

Em 1873, num quarto de hotel em Bruxelas, Paul Verlaine, 29 anos, atirou em Arthur Rimbaud, 19. O tiro acertou Rimbaud no pulso e de raspão, mas, por causa disso, Verlaine pegou dois anos de prisão, o romance entre os poetas teve fim e Rimbaud escreveu "Une Saison en Enfer". Valeu. O revólver, um Lefaucheux 7mm, de cabo de madeira, foi devolvido à loja onde Verlaine o comprara e lá ficou até seu atual proprietário perceber a preciosidade que tinha no cofre. Acaba de ser arrematado por um colecionador num leilão da Christie's, de Paris, por 435 mil euros (R$ 1,56 milhão).

Pergunto-me que fim terá levado a espingarda com que Castro Alves se feriu no pé durante uma caçada nas matas do Braz, em São Paulo, em 1868, o que contribuiria para sua morte em 1871. O.38 com que, em legítima defesa, o cadete Dilermando de Assis matou Euclydes da Cunha, no Rio, em 1909. A faca com que Manso de Paiva apunhalou mortalmente o senador Pinheiro Machado, também no Rio, em 1915. Ou a gravata com que Alberto Santos-Dumont se enforcou em Guarujá, em 1932.

Lá fora, eles são cuidadosos. Imagino que tenham sido guardadas a navalha com que Van Gogh decepou a própria orelha em 1888 e a arma com que finalmente se matou, em 1890. A espingarda calibre 12, de dois canos, que Ernest Hemingway disparou contra a cabeça no Idaho, em 1961. Ou a espada com que Yukio Michima praticou o "seppuku" e com a qual um amigo o decapitou, em 1970.

Eu sei, a pergunta é mórbida, mas onde estarão as armas com que os portugueses Camilo Castelo Branco, em 1890, e Antero de Quental, em 1891, o russo Vladimir Maiacóvski, em 1930, e o brasileiro Pedro Nava, em 1981, abreviaram suas vidas?

Às vezes, mais letal do que as balas é o caprichado bilhete ou carta deixado pelo suicida. A carta-testamento de Getulio, por exemplo.