terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Em boicote a Trump, pelo menos 26 deputados rivais devem faltar à posse

Marcelo Ninio - Folha de São Paulo


A turbulência que marcou a vitoriosa campanha presidencial de Donald Trump se estenderá à sua posse, na sexta (20). Além de dezenas de protestos marcados para Washington, a entrada de Trump na Casa Branca sofrerá boicote de ao menos 26 deputados democratas.

O movimento foi deflagrado pelo deputado John Lewis, 76, ícone da luta pelos direitos civis, que decidiu não ir à posse pela primeira vez desde que entrou no Congresso, em 1986. Foi além: disse não reconhecer a legitimidade do presidente eleito e não se relacionará com ele.

Aaron P. Bernstein/Getty Images/AFP
Operários preparam sequência de bandeiras dos EUA na fachada do Capitólio para a posse de Trump
Operários preparam sequência de bandeiras dos EUA na fachada do Capitólio para a posse de Trump

"Vai ser difícil. Eu não vejo o presidente eleito como um presidente legítimo", afirmou em entrevista à rede NBC. "Acho que houve uma conspiração por parte dos russos e outros que o ajudou a ser eleito. Isso não é direito. Não é justo. Não é o processo democrático aberto."

As agências de inteligência dos EUA concluíram que houve ação de hackers a mando de Moscou para fazer ciberespionagem e roubo de dados para ajudar Trump a derrotar a democrata Hillary Clinton. Ninguém sabe ao certo, porém, o quanto isso influenciou o resultado.

Até Trump já admite que os russos poderiam estar por trás do vazamento de e-mails comprometedores do Partido Democrata na campanha, mas nega que isso o tenha beneficiado nas urnas.

Como de hábito, o presidente eleito respondeu a Lewis batendo de frente.

"O deputado John Lewis deveria passar mais tempo resolvendo os problemas de seu distrito [que abrange boa parte de Atlanta, na Geórgia], que está em horrível condição e caindo aos pedaços (e infestada de crime), em vez de reclamar falsamente sobre o resultado da eleição. Só fala, fala, fala —nenhuma ação ou resultados. Triste!", escreveu Trump numa rede social.

O confronto coincidiu com o feriado nacional em homenagem a Martin Luther King Jr., símbolo da luta pelos direitos civis, nesta segunda.

Considerado por muitos um herói da luta pelas liberdades civis, John Lewis foi um dos líderes, ao lado de King, pela igualdade de direito para os negros, a começar pelo voto, na década de 1960.

Lewis manteve-se como um líder negro e democrata influente, e os insultos motivaram outros deputados a aderir ao boicote –até a conclusão desta edição eram 26.

"Nós nos unimos ombro a ombro contra qualquer um que tente negar nossa humanidade.", disse numa rede social a deputada Yvette Clark.

Na Câmara, 194 das 435 cadeiras são ocupadas por democratas, enquanto no Senado o partido tem 46 parlamentares. Em ambas as casas os republicanos são maioria.

Num aceno à população negra, Trump recebeu em Nova York Martin Luther King 3º, filho do líder de direitos civis. Na saída, ele disse que teve uma conversa "construtiva" com o presidente eleito sobre direito de voto e minimizou o que Trump disse sobre Lewis. "No calor das emoções muita coisa é dita de ambos os lados", disse.

Lideranças republicanas alertaram para os danos à democracia de questionar a legitimidade de um presidente eleito. Algo que, aliás, Trump ameaçou fazer pouco antes da eleição, quando disse que talvez não reconhecesse o resultado das urnas, caso fosse o perdedor.

BRIGAS

A pendenga com Lewis é mais uma da coleção de brigas que Trump coleciona, com a grande imprensa, com as agências de inteligência dos EUA e até com aliados de Washington. Em entrevista, ele chamou de "obsoleta" a Otan, a aliança militar do Ocidente criada após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) para conter a extinta União Soviética, preocupando ainda mais os europeus.

Com o pior índice de aprovação para um novo presidente americano em anos e um país rachado, Trump não muda o estilo. "Muitas das tempestades que o abatem na véspera de tomar posse foram instigadas pelo próprio Trump", diz Stephen Collinson, da CNN. 

"Incitar o caos e a ruptura foi a chave de sua campanha política."