| Junior Pinheiro -19.nov.2014/Folhapress | |
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| O advogado Celso Vilardi, professor de direito na FGV-SP |
MARIO CESAR CARVALHO - Folha de São Paulo
A escalada de confrontos entre o Judiciário e o Legislativo pode provocar uma crise institucional, segundo o advogado Celso Vilardi, professor do curso de direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. O Supremo, segundo ele, precisa respeitar as decisões dos parlamentares.
"O Congresso é fraco? É. Há vários congressistas sob suspeita? Sem dúvida. No entanto, são os representantes do povo e as votações têm que ser respeitadas, sob pena de uma crise institucional", diz.
Articulador de dois dos maiores acordos da Lava Jato, das empreiteiras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, Vilardi critica a necessidade de a AGU (Advocacia-Geral da União) e a CGU (Controladoria-Geral da União) ratificarem acertos que já passaram pelo crivo do Ministério Público e de juízes.
Esses órgãos não deveriam atuar nos acordos, segundo ele, porque têm funcionários que são investigados ou ligados a políticos sob suspeita.
Folha - A Lava Jato está sob ameaça?
Celso Vilardi - A Lava Jato está consolidada. É muito difícil desconstituir o que já foi feito e impedir seus efeitos futuros. O que está em risco é um dos principais legados da Lava Jato, que demonstrou ser possível utilizar acordos com penas alternativas à prisão e permitir a sobrevivência de empresas envolvidas em corrupção. Há, porém, uma atuação descabida de órgãos da administração. As empresas podem não aguentar, tudo por conta de disputa de protagonismo entre esses órgãos.
Ou, o que é pior, porque a efetividade dos acordos celebrados pelo Ministério Público está dependendo equivocadamente da corroboração de órgãos que têm pessoas que são alvos da própria investigação ou estão ligadas politicamente aos investigados pela Lava Jato.
Faz sentido que órgãos como AGU e CGU participem de acordos de leniência?
Esses órgãos devem ratificar urgentemente os acordos de leniência [espécie de delação de pessoas jurídicas] feitos pelo Ministério Público Federal e homologados pela Justiça. Se isso não ocorrer, as empresas quebrarão, prejudicando a economia brasileira.
Qual é a sua avaliação sobre as Dez Medidas?
Aprendi a respeitar os integrantes da força-tarefa, mas discordo da maioria das medidas propostas. Elas não tratam de combate à corrupção, mas de uma reforma processual que, se fosse aprovada, não seria reconhecida pelo Supremo. A questão das provas ilícitas, por exemplo, não pode ser modificada por lei infraconstitucional, assim como o habeas corpus.
Qual a sua opinião sobre o fato de a Câmara ter mudado completamente as Dez Medidas?
A Câmara acertou ao barrar algumas das medidas e errou ao não aproveitar a oportunidade para aumentar o número de acordos no processo penal, seguindo a experiência americana. Também devia aprimorar a leniência, afastando os órgãos que dela não podem participar.
O país precisa de uma reforma processual, como a prevista nas Dez Medidas?
A Lava Jato demonstrou que o sistema processual não impede julgamentos rápidos e punição efetiva. Temos várias penas superiores a 15 anos de reclusão e não consta qualquer morosidade que levará à impunidade.
Restou comprovado que o problema do processo penal não são os recursos nem as nulidades, mas a morosidade do Judiciário. A Lava Jato deu certo porque as sentenças de primeira instância foram rápidas. Temos que aumentar a possibilidade de acordos, estendendo-a aos mais pobres. Não é correto prender uma pessoa que furtou uma bicicleta se houver a reparação do dano. A utilização da tornozeleira pode livrar milhares de pessoas da prisão.
Há uma tensão crescente entre o Supremo e o Legislativo, que culminou com o presidente do Senado, Renan Calheiros, descumprindo uma decisão do ministro Marco Aurélio. Quais são as consequências desse confronto?
São lamentáveis, até porque o Supremo foi afrontado. Por outro lado, não há como se negar que o Supremo, em algumas situações, tem agido fora de sua esfera de atribuição e tem legislado, o que é atribuição do Congresso, por mais enfraquecido que esteja. É necessário retomar o equilíbrio entre os Poderes.
Essa crise entre Poderes pode se agravar?
Pode. Basta ver a decisão do ministro Luiz Fux a respeito das medidas aprovadas pela Câmara. Pode-se não gostar da atuação do Congresso, mas não se pode obrigá-los a votar de uma determinada forma, desde que as leis aprovadas não afrontem o sistema legal. O Congresso é fraco? É. Há vários congressistas sob suspeita? Sem dúvida. No entanto, são os representantes do povo e as votações têm que ser respeitadas, sob pena de uma crise institucional.
O Supremo é cada vez mais atuante, aprovando mudanças vistas como modernizadoras, como o casamento gay e o aborto com o feto até três meses. Esse ativismo é bom?
Tem um lado positivo quando se trata de interpretação da Constituição, como no caso do casamento gay. No entanto, não cabe ao Supremo legislar, como o fez no caso da presunção de inocência e no do aborto. Sou favorável a descriminalização do aborto, mas o STF não pode construir, à revelia do Congresso, verdadeira norma que torna lícito o aborto até três meses. A norma deve vir de discussão do Congresso.
Por que o sr. criticava delações, dizendo que eram "temerárias", e mudou de ideia?
Porque a lei mudou. Na época do caso Banestado, critiquei as delações porque entendi que a norma estava incompleta, seja no que dizia respeito à necessidade de corroboração da delação, seja no que tocava aspectos processuais. Para evitar injustiças, não se pode conceber que a delação isoladamente seja encarada como prova.
