Todos concordam que a Previdência não pode mesmo continuar como está, mas há múltiplas divergências sobre como reformá-la para não continuar na trajetória explosiva
Desde 1988, quando a Constituição estabeleceu as bases conceituais e as regras práticas para que fossem obedecidas, o Regime Geral, que abrange quase 25 milhões de brasileiros do setor privado e contratados regidos pela CLT do setor público, a Previdência Social já passou por pelo menos duas reformas mais amplas. Com a que deverá ser agora encaminhada pelo governo do presidente interino Michel Temer ao Legislativo, serão três as alterações mais abrangentes em pouco menos de 30 anos — uma, em média, a cada dez anos.
Só isso já evidencia que o objetivo de garantir aos cidadãos proteção social mínima e universal, que permeou todo o texto constitucional produzido sob impulso da virada de página de duas décadas de ditadura, não foi devidamente ancorado em regime sustentável de financiamento. Prova de que as receitas nunca compensaram as despesas com os benefícios é que, depois de várias tentativas de restringir o tempo de habilitação à aposentadoria — do fator previdenciário à formula 85/95 — chegamos a um ponto em que os gastos com a Previdência engolem metade do total das despesas fiscais primárias e a tendência futura, se novas restrições não forem adotadas, aponta para o colapso do sistema.
Não há, paradoxalmente, tema mais polêmico e ao mesmo tempo mais consensual. O consenso é de que como está não pode ficar. A polêmica é como reformar para evitar que continue como está, e o nobre objetivo de oferecer proteção social a idosos, enfermos e deficientes se torne inviável.
Não há quem discorde, por exemplo, de que os gastos públicos com a Previdência observam uma escalada explosiva. O déficit avança em ritmo de bola de neve, e a previsão para 2017 é que ultrapasse R$ 150 bilhões — 50% a mais do que em 2016, o dobro do registrado em 2015 e duas vezes e meia maior do que o de 2014. Nessa batida, o déficit alcançaria R$ 1 trilhão em 2040.
Já as divergências têm múltiplas origens. Não só são muitas e diferentes as visões do que deve ser privilegiado no vasto balaio da Previdência, em que questões tipicamente previdenciárias, dependentes de cálculos atuariais, se misturam com programas tipicamente assistenciais, sustentados por recursos orçamentários bancados pelo Tesouro Nacional. Também entram na dança os desvios a que os recursos previdenciários são submetidos para sustentar programas de estímulos a variados segmentos da atividade econômica.
Não se pode esquecer que mais de 95% do déficit previdenciário são produzidos pelos gastos com aposentadorias rurais, que obedecem a regimes especiais, estão longe de compensar o montante dos benefícios e, na verdade, devem ser classificados como despesas em programa assistencial. Além disso, uma ampla gama de renúncias fiscais concedidas a setores da economia é bancada pela Previdência.
Entre desonerações de folha de pagamento, incentivos fiscais a certo tipo de empresas, isenções de entidades filantrópicas e exportadores rurais, o volume de renúncias equivale à metade do déficit. Essas renúncias, somadas às estimativas de sonegação e inadimplência, compensariam a totalidade do rombo previdenciário, sem falar na parte que cabe à Previdência na Desvinculação de Receitas da União (DRU), que o novo governo quer ainda maior.
Nenhuma dessas ressalvas, necessárias para dimensionar o problema, contorna o fato de que, em regime de repartição simples, como é o do fundo previdenciário, não há cálculo atuarial que suporte o recebimento de benefícios por mais de no máximo 15/20 anos depois de cessar as contribuições. Todas as fórmulas introduzidas anteriormente, inclusive a atual 85/95 progressiva até 90/100, tentam estabelecer, indiretamente, uma idade mínima para habilitação aos benefícios. Melhor, então, definir sem contorcionismos essa linha divisória incontornável.
Melhor ainda se a reforma da Previdência que vai agora ser proposta, como um sinal de austeridade e firmeza do novo governo na correção dos desequilíbrios fiscais, contemplasse também um conjunto integrado de regras novas para renúncias de recursos a ela destinados e para programas de caráter assistencial abrigados na Previdência, distribuindo melhor as restrições inevitáveis a direitos presumidos.