quarta-feira, 20 de abril de 2016

Ruy Castro: "O que somos"

Folha de São Paulo


Sim, o espetáculo proporcionado pelos deputados no último domingo foi caricatural, pândego, funambulesco. Não havia diferença entre os que citavam a mãe, o filho ou o próprio Deus para justificar seu voto pelo impeachment e os que, para votar contra, invocavam uma Constituição que, em 1988, o PT não aceitou, não assinou e de que jamais quis saber. Cada qual tentava parecer mais "sincero" do que o outro. Mas como acreditar em quem tinge o cabelo de acaju?

Na verdade, o show da Câmara não teve nada de inédito – porque, sem saber, levamos os últimos 150 anos nos preparando para ele. Desde 1860, os palcos cariocas fizeram piada com o pior lado dos políticos, culminando nos anos de 1930 e 1940 com as sátiras do ator Pedro Dias ao ditador Getulio Vargas. O qual, às vezes, ficava mais parecido com Pedro Dias do que consigo próprio.

Em certos momentos da votação de domingo, eu me afastava da TV para ir pegar alguma coisa e ficava só com o áudio dos discursos. Era como se voltasse no tempo e estivesse ouvindo de novo o "Balança, Mas Não Cai" e a "PRK-30", programas de humor das rádios Nacional e Mayrink Veiga. Os políticos desses programas falavam igualzinho.

E o que seriam os discursos propositadamente canastrões de Corisco e Antonio das Mortes em "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha, senão os de certos deputados petistas? Aliás, quantos ali, de qualquer partido, não se sentiriam em casa nas sequências de chanchada tropicalista de "Terra em Transe", do mesmo Glauber? E quantos não poderiam interpretar o deputado Justo Veríssimo, criação imortal de Chico Anysio?

Fosse qual fosse o resultado da votação, não alteraria o fato de que nossos políticos parecem foragidos de um esquete de humor. Mas não adianta estrilar. Eles são o que temos e, quem sabe, são o que somos.