domingo, 17 de abril de 2016

"Não vai mesmo ter golpe", editorial de O Globo

Importante é que, seja ou não aprovada a admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma, tudo transcorre sem quebra da ordem institucional


Depois de 24 anos, o país volta a se encontrar, pela segunda vez na História, com a situação limite do impeachment de um presidente da República. No caso de Fernando Collor, em 1992, estava em questão a honradez, o decoro do cargo manchado pela corrupção; com Dilma Rousseff, um crime tipificado de responsabilidade, devido ao notório desprezo da presidente pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) — registrado por analistas, denunciado pela imprensa profissional pelo menos desde 2013 —, reforçado pela realização de despesas sem a aprovação do Congresso, um ato monárquico. Não se trata de “questão contábil", como procura minimizar o advogado-geral da União, ministro José Eduardo Cardozo, defensor de Dilma no Congresso e perante o Supremo Tribunal Federal.

Entre os dois casos, há uma importante diferença: Collor, um desconhecido do eleitorado, governador de Alagoas, favorecido por um desses momentos perigosos em que a degradação da imagem da política dá chances a oportunistas que se transvestem em “salvadores” do Brasil, não contava com o suporte de qualquer partido forte. Teve de se abrigar no nanico PRN, para registrar a candidatura.

Já Dilma, brizolista, depois filiada ao PT, criatura de Lula, tem o apoio do bloco de esquerda, minoritário entre os eleitores, porém organizado. Durante os 13 anos no Planalto, no entanto, soube cooptar movimentos ditos sociais e organizações em geral, entre as quais se destacam sindicatos, com benevolente distribuição de dinheiro do Tesouro.

Além disso, o PT foi beneficiado pela decisão do primeiro governo Lula de manter as bases de uma política econômica sensata, ajudada pela sorte de haver um ciclo importante de alta de cotações de commodities. O governo aproveitou e expandiu programas sociais herdados dos tucanos, e assim Lula turbinou a popularidade. Já Collor não tinha esse apoio, nem contou com a sorte de um ciclo mundial de crescimento.

Pesquisa mostra que 61% dos brasileiros querem o impeachment, mas os 33%% do lado contrário, segundo a Datafolha, contam com máquinas — nos aparelhos encravados em segmentos da burocracia pública, em sindicatos e em movimentos ditos sociais cevados com dinheiro público. Não deverá ser uma tramitação tranquila a do impeachment, em todas as etapas.

O ponto comum entre os processos de Collor e Dilma são as instituições republicanas. Ministério Público, Polícia Federal, Judiciário e Legislativo deram, no escândalo de Collor, o primeiro exemplo de atuação, desde a redemocratização, à margem de pressões de poderosos. E dariam demonstração mais forte ainda nestes 13 anos de PT e Lula em Brasília.

Primeiro, no mensalão, e, desde 2014, com a Lava-Jato, no petrolão. Houve incontestável assalto ao dinheiro público por meio do controle de estatais (Banco do Brasil, Petrobras, Eletrobras etc.). Chegando ao ápice no petrolão, escândalo de corrupção dos maiores do planeta.

O mesmo instrumento institucional mobilizado contra Collor, por sua vez visto como das “elites”, tem sido acionado pelo Estado, também sem qualquer deslize inconstitucional, desta vez contra Dilma e companheiros, Lula incluso, num governo “popular”. As instituições precisam ser impessoais, como têm sido.

Assim como não houve golpe contra Collor, não há também contra Dilma, seja a admissibilidade do pedido de julgamento do seu impeachment aprovado hoje ou não. 

Qualquer que seja o resultado, a democracia representativa brasileira sairá mais forte.