segunda-feira, 18 de abril de 2016

Impeachment caminha para ter votação expressiva no Senado

O deputado Bruno Araújo (PSDB-PE), que deu o voto 342, é festejado por colegas da oposição no plenário Foto: UESLEI MARCELINO / REUTERS


O Globo

Dilma Rousseff começou no domingo a se despedir da cadeira de presidente do Brasil. 

Pouco mais de um ano depois de reeleita e de 13 anos de PT no poder, a Câmara autorizou o processo de impeachment da petista por crime de responsabilidade. Isolada, sem apoio da grande maioria dos partidos de sua ampla coalizão eleitoral, Dilma dificilmente terá forças para impedir que o Senado abra o processo e a afaste do cargo, numa votação por maioria simples, nas próximas semanas. Em guerra declarada com o PMDB de seu vice Michel Temer, maior partido do Congresso, a presidente teve menos votos do que esperava o Planalto. Foi o que se viu também nas ruas por todo o país, onde as manifestações pró-impeachment reuniram mais público do que as de apoio ao governo.

Não surtiu efeito sequer o esforço do ex-presidente Lula, cuja nomeação como ministro para escapar do juiz Sérgio Moro, da Lava-Jato, ajudou a agravar a crise. Temer assumirá por 180 dias assim que o Senado abrir o processo (INFOGRÁFICO: Veja como ficou o placar na Câmara).


Dilma perto do afastamento



A presidente Dilma Rousseff antes da votação - EVARISTO SA / AFP


Autorizado pela Câmara dos Deputados, o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff segue agora para o Senado, que deve instalar já na quarta-feira a comissão especial para analisar se Dilma cometeu crime de responsabilidade ao praticar as chamadas “pedaladas fiscais”. Caso a maioria dos senadores decida abrir o processo, Dilma será afastada imediatamente por até 180 dias, enquanto a Casa analisa se há provas para cassar seu mandato em definitivo. O presidente do Senado, Renan Calheiros, deseja realizar essa votação entre os dias 10 e 11 de maio. Outros senadores, no entanto, já tentam encurtar esse prazo para afastá-la antes.

No domingo, a Câmara aprovou, por 367 votos a 137, a autorização para a abertura do processo de impeachment, um ano e três meses depois da eleição que deu à Dilma 54,5 milhões de votos. É a segunda vez desde a redemocratização que o Senado é autorizado a processar um presidente da República. Assim, após quase 24 anos da saída de Fernando Collor de Mello do Palácio do Planalto, o Congresso poderá voltar a afastar de seu mandato nas próximas semanas um presidente eleito. A eventual saída de Dilma simboliza não só uma derrota individual da presidente, mas o fim dos 13 anos de governos do PT.

A decisão foi tomada após uma série de sessões que se iniciaram na manhã de sexta-feira e tomaram duas madrugadas seguidas. A votação ocorreu sob clima de tensão. Condutor do processo e réu na Lava-Jato, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), foi alvo de faixas e gritos, mesmo entre aqueles que votaram pelo impeachment. A migração de votos foi determinante para a derrota de Dilma. Também houve, no plenário, ataques ao vice Michel Temer, que assistiu à votação em seu QG, em Brasília. Conforme avançava a votação, maior era o clima de festa no Palácio do Jaburu, residência do vice. Coube a Bruno Araújo (PE), ex-líder do PSDB na Câmara, o fatídico voto 342, que corresponde a dois terços da Câmara, às 23h07m.

Ao longo do dia, cerca de 150 mil pessoas foram às ruas, nos 26 estados e no Distrito Federal. Contrariando expectativas de tensão, os protestos ocorreram de forma pacífica. No momento do voto decisivo, manifestantes pró-impeachment explodiram em clima de Copa do Mundo.

Após andar de bicicleta nos arredores do Palácio da Alvorada logo cedo, a presidente se fechou na residência oficial com seus mais próximos aliados e se debruçou sobre a contabilidade dos votos. Desde cedo, no entanto, o clima no governo e no PT era de pessimismo. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda voltou de manhã para Brasília na tentativa de garantir alguns votos que impedissem a derrota. Não surtiu efeito. No Congresso, o deputado Sílvio Costa (PTdoB-PE), o mais folclórico e histriônico defensor da presidente Dilma, era um dos poucos que ainda tentavam mostrar convicção de que a vitória era possível.

A presidente acompanhou a votação com seu principal auxiliar, o assessor especial Giles Azevedo, o ministro chefe de gabinete, Jaques Wagner, o ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, e os governadores Tião Viana (PT-AC), Waldez Goes (PDT-AP) e Camilo Santana (PT-CE). Lula passou a maior parte do dia com Dilma, mas voltou para o hotel que se transformou em seu QG pouco antes da votação, e retornou ao Alvorada quando 113 votos já haviam sido dados. Nesse momento, estavam todos calados no Alvorada, concentrados, fazendo as contas dos votos.

No Jaburu, o clima era oposto. Reunidos com seus assessores mais próximos, com o senador Romero Jucá e com os ex-ministros Eliseu Padilha e Henrique Eduardo Alves, Jucá e Padilha foram os principais articuladores da vitória do vice-presidente na votação de domingo e desde o início da votação viam os votos no plenário espelhar rigorosamente suas planilhas. Tranquilos, quando os cem primeiros votos pró-impeachment haviam sido dados, a vitória já era considerada garantida. No Salão Verde da Câmara, os próceres do Movimento Brasil Livre (MBL), entre eles Kim Kataguiri e Renan Santos, faziam transmissões em redes sociais colocando o impeachment no pretérito antes mesmo de a votação se iniciar.

Com o peso da votação da Câmara, lideranças que defendem o impeachment pretendem reduzir os prazos no Senado. O novo presidente nacional do PMDB, senador Romero Jucá (RR), disse que o ritmo será definido “pelas circunstâncias”. A ideia é que haja um acordo para uma data intermediária, com a votação que pode afastar Dilma ocorrendo entre os dias 4 e 5 de maio. De acordo com o levantamento do GLOBO, 46 dos 81 senadores aprovariam o impeachment. São necessários 50% dos votos dos presentes mais um.


Líderes preveem rito sumário no Senado



Votação do impeachment da presidente Dilma no plenário da Câmara - UESLEI MARCELINO / REUTERS


Com o peso da votação da admissibilidade do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara, líderes dos partidos no Senado já projetam um rito sumário, respeitado o cronograma imposto pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para votação do parecer pelo seu afastamento por 180 dias e a posse do vice-presidente Michel Temer. A tendência, segundo os líderes, é aprovar no Senado por uma maioria tão expressiva quanto na Câmara. Hoje, cerca de 50 senadores já estariam propensos a ratificar a decisão da Câmara. Levantamento feito pelo GLOBO já identificou 41 votos favoráveis, também suficiente para aprovação.

O grupo de Michel Temer já começa a definir sua estratégia para agilizar os prazos no Senado. O novo presidente nacional do PMDB, senador Romero Jucá (RR), disse que o ritmo na Casa será definido “pelas circunstâncias". Ele defende que os prazos sejam agilizados, e que não se espere até dia 10 de maio para a votação. A ideia é que haja um acordo para uma data intermediária, por volta do dia 4 ou 5 de maio.

— O rito no Senado será decidido pelas circunstâncias, pelo relator e pela reação da população — sinalizou Jucá.

O líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE), reunirá a bancada apenas depois da leitura da decisão da Câmara pelo plenário do Senado, ou seja, na terça-feira. Eunício está resistindo à ideia do grupo de Temer de dar a relatoria para um partido aliado, para que não fique carimbado que é o partido do vice-presidente. Jucá defende essa alternativa. A senadora Simone Tebet (PMDB-MS) estaria pleiteando o cargo. O nome da senadora Ana Amélia (PP-RS) também está cotado para a relatoria da comissão processante.

Eunício disse a aliados que ainda não sabe se o PMDB terá a presidência ou a relatoria da comissão especial:

— Vamos tratar desse assunto com a sobriedade que ele requer, chegando ao Senado.


Lula e Dilma de olho em 2018

O PT e o ex-presidente Lula, por outro lado, vão usar todas as armas para espichar ao máximo o calendário do impeachment no Senado para reforçar o discurso do golpe e tentar salvar o que restou do partido para a disputa de 2018. Do outro lado, a oposição e o PMDB vão brigar para virar a página em no máximo 30 dos 180 dias previstos para o julgamento final comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e abrir caminho para o presidente Michel Temer inicie seu governo.

Os próprios líderes petistas já dão como perdida a batalha no Senado e o foco é salvar o partido e Lula. Com Dilma no Alvorada, petistas dizem que ela e Lula vão comandar uma mobilização nacional e internacional para denunciar o golpe, levando para o palácio lideranças de movimentos sociais e personalidades políticas internacionais para minar o governo de Temer.

— Dilma não vai ficar isolada no Alvorada esperando a sentença. Vai usar esses seis meses para denunciar o golpe ao mundo inteiro e mostrar que Michel estará acenando para o mercado e tirando direito de trabalhadores. Lula vai estar nas ruas e a mobilização vai crescer muito — diz o senador Lindbergh Faria (PT-RJ).

Os senadores do PT e do PCdoB passaram o dia acompanhando a votação, juntos, no Senado. À tarde, foram à Câmara para atuar junto aos colegas deputados. Os petistas admitem que não poderão barrar o pedido de afastamento da presidente Dilma. Hoje, contam com 28 dos 81 votos no Senado.

Mas acreditam que um desgaste do governo Temer poderá mudar o quadro na votação final do processo, ou seja, no julgamento de Dilma pelo Senado. Eles sabem que o PMDB de Temer quer correr com os prazos, mas disseram que, se isso, ocorrer, irão à Justiça. 

Mesmo antes da decisão, os petistas prometem transformar a vida do vice-presidente Michel Temer “num inferno" e prometem lutar pelo cumprimento de todos os prazos no Senado.

Com a perspectiva de afastamento da presidente Dilma e a perda do poder, o líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), diz que o PT e o PCdoB vão voltar a ser os partidos de oposição da década de 1970. Diz que com a reaproximação de movimentos e setores de esquerda, o PT enterrou a Carta aos Brasileiros que ajudou a eleger Lula em 2002:

— O foco a partir dessa segunda-feira aqui no Senado é 2018. O que ouvimos dos senadores do PT é que vão bater bumbo no plenário falando de golpe, mas não estão pensando em salvar Dilma. Estão preocupados é em construir a narrativa para 2018, quando acham que Lula estará em condições de disputar de novo o Planalto.

Em contraponto com o PT e PCdoB, líderes da oposição vão fazer carga para que, dentro do rito estabelecido pelo STF, seja encerrado o mais rapidamente possível para não contaminar o início da gestão Temer. Com Dilma no Alvorada, e Lula e o MST “incendiando” as ruas, avaliam que o início da reconstrução da economia ficaria prejudicado.

— O que percebemos hoje é que a própria base da presidente da República já não vê nela as mínimas condições de retirar o Brasil do abismo no qual ela e seu governo nos mergulhou. É hora de muita serenidade. Temos um Brasil a ser reconstruído — defende o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves.


Temer: reunião com aliados



O vice-presidente Michel Temer assiste à votação ao lado ex-ministro, Eliseu Padilha - Divulgação


A partir desta segunda-feira, o vice-presidente Michel Temer, segundo seus mais próximos aliados, começará a chamar lideranças de diversos partidos para dialogar e negociar de forma mais objetiva a construção de seu eventual governo. Muito do que Temer pretende fazer caso seja alçado ao posto mais importante da República foi revelado no áudio vazado na segunda-feira que antecedeu a votação do processo. O conceito é criar um governo de “salvação nacional” para pacificar e reunificar o país.

— Ele já conversa há algum tempo com as pessoas, já tem um diagnóstico do que ouviu do sistema financeiro, da agricultura, da indústria, dos sindicatos, dos políticos... Ele tem claro um termômetro de sinalizações essenciais que precisam ser feitas. O áudio que vazou é um raciocínio preliminar do que ele acha que deve ser desenvolvido — afirma um interlocutor do vice.

A princípio, nenhum partido ou corrente política será excluído deste “chamamento” ao diálogo. A princípio, nem o PT, que trava uma guerra contra o vice para tentar impedir o impeachment. Mas, pontuam seus aliados, não se pode obrigar ninguém a dialogar.

— Se o PT quiser dialogar, será bem-vindo. O PT se negou a dialogar com o governo Itamar Franco e pode querer repetir essa postura. Na democracia, não se pode obrigar — diz um auxiliar de Temer.

Assim que o placar da Câmara bateu 342 votos favoráveis ao processo de impeachment, o presidente da Fundação Ulysses Guimarães, Moreira Franco, e um dos mais próximos aliados de Temer, comemorou o resultado no Twitter e destacou que a decisão significa uma “chance real” de mudar a política econômica. Foi o tom da comemoração do vice, que assistiu de pé ao voto do vice-presidente do PSDB, Bruno Araújo, o que levou ao placar o número 342.

“A Câmara dos Deputados ofereceu hoje ao país a chance real de mudar a política econômica que gera inflação, que corta empregos, que leva os serviços públicos à falência, que corrói a renda dos brasileiros”, tuitou Moreira, revelando o que será a preocupação central do vice.

Por cautela, Temer decidiu não dar entrevistas no domingo. A avaliação em seu grupo é que o discurso que o vice precisaria fazer simbolizaria um atropelo no poder ainda constituído da presidente Dilma Rousseff.

O principal desafio que Temer enfrentará, apontam seus auxiliares, será encontrar espaço para alocar os peemedebistas que o ajudaram no processo de impeachment. Mais de dez correligionários já deram a entender ao vice que pretendem cobrar espaços no governo por terem apoiado o afastamento de Dilma para que ele herdasse o cargo. Um cacique do PMDB, no entanto, teme que o vice componha um “governo de amigos”:

— Espero que ele não monte um governo com Geddel, Padilha e Moreira. Seria suicídio. Será um governo temporário e Michel não pode errar nesses dois anos, senão ele morre politicamente — afirma uma liderança do PMDB.

No caso do PSDB, o principal partido de oposição, Temer chegou a questionar quais espaços os tucanos gostariam de ocupar em seu eventual governo. Segundo relatos, Aécio respondeu que não queria conversar “nestes termos” e que desejava o compromisso de um governo peemedebista com dois conceitos para apoiá-lo no Congresso: o de aprimorar o ajuste fiscal e o de aumentar a produtividade da economia brasileira. Temer teria respondido positivamente à demanda tucana e a expectativa é que a aliança entre os dois partidos vingue.

A Esplanada de Temer também já começa a ser desenhada. Como mostrou o GLOBO, uma ideia clara é sobre a necessidade de reduzir o número de pastas para em torno de 20, com a fusão de várias delas. Neste cenário, ao menos um tucano é cotado para assumir um ministério: José Serra, na Saúde. O senador, no entanto, tem dito a aliados que prefere a Fazenda, mas Temer não cogita entregá-lo essa pasta. O nome dos sonhos de Temer para o comando da economia é Armínio Fraga, mas caso ele não aceite a tarefa, ela deve ser entregue a outro nome próximo ao mercado financeiro.

— Na Fazenda, é preciso alguém que tenha capacidade de vender o Brasil lá fora, impulsionar a economia, criar um ambiente de segurança, favorável ao investimento. Este é o perfil. O nome, ainda não temos — diz um interlocutor do vice, que antecipa que Temer adotará um viés mais liberal na economia, com ênfase à participação do setor privado e a um Estado mais enxuto.

Além de utilizar o documento Ponte para o Futuro como base de programas que pretende implementar, Temer deverá se dirigir à nação para reafirmar que manterá os programas sociais, mas com mudanças. Um documento que será lançado nas próximas semanas pela Fundação Ulysses Guimarães trará diretrizes para enfrentar a desigualdade, com uma “melhor definição do público alvo”.


Senado: O senhor do tempo no Senado



O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) - Jorge William / Agência O Globo / 07-04-16


O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), está sendo chamado de “o senhor do tempo”, devido ao poder sobre a Casa que efetivamente vai julgar o processo de impeachment e seus ritos regimentais. Ele está sendo pressionado para agilizar os prazos pelo PMDB do vice-presidente Michel Temer e pela oposição, enquanto PT e PCdoB querem esticar ao máximo o calendário.

Renan disse aos senadores que não vai atropelar os prazos, mas também não vai sentar em cima do processo contra a presidente Dilma Rousseff. Único grão-peemedebista a permanecer fiel aliado do Planalto, Renan confidenciou que se surpreendeu com a rapidez da onda pró-impeachment na Câmara, pois apostava na força do ex-presidente Lula para barrar o processo. E admitiu que, vencida esta etapa, o afastamento de Dilma é irreversível.

Não é o melhor cenário para Renan. Na disputa interna, o grupo do PMDB do Senado — comandado por ele e pelo líder do partido na Casa, Eunício Oliveira (CE) —, sempre acusou Temer de ser ligado ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cujo protagonismo na sigla desaprova. Eles ainda dizem que o senador Romero Jucá (PMDB-RR), novo presidente do PMDB e porta-voz de Temer no Congresso, é mais afinado com Cunha.

Renan está incomodado com as pressões que vem sofrendo de Temer, por meio do amigo Jucá, para que a votação da admissibilidade do processo de impeachment e o afastamento de Dilma por 180 dias ocorram já na última semana de abril. O prazo máximo é o dia 10 de maio. Há uma ala intermediária que aposta na votação nos dias 4 ou 5 de maio.

— Renan precisa entender que deve deixar a trincheira da Dilma — disse um peemedebista.

O presidente do Senado tem optado pela cautela neste momento. Na semana passada, questionado por senadores como José Agripino Maia (RN), presidente nacional do DEM, se usaria sua cadeira para alongar prazos e “ajudar” Dilma, prometeu:

— Eu não farei nada que manche a minha biografia.

A aprovação do processo de afastamento pela Câmara será recebida nesta segunda-feira e, na terça, deverá ser eleita a chapa da comissão especial do impeachment no Senado, que será comporta por 21 membros. Também hoje, Renan apresentará aos líderes dos partidos, em reunião, um cronograma oficial preparado pela Secretaria Geral da Mesa do Senado e começará a negociação do rito.

Como é de seu estilo, Renan não abre toda a estratégia aos colegas. Mas já mostrou que quer o controle do processo. Em 1992, o impeachment foi conduzido pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Agora, Renan já avisou que o entendimento da Casa é que o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, só presidirá o julgamento, ou seja, a sessão final.

Senadores têm a impressão de que Renan quer o controle para manter um poder inclusive junto a Temer, “que estará com uma espada na cabeça”, lembra um senador, até a votação final, provavelmente em setembro.


Cunha: artimanhas para salvar a pele



O presidente da Câmara, Eduardo Cunha - Jorge William / Agência O Globo




Capitão do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), é investigado em um procedimento que anda a passos muito mais lentos do que o contra a mandatária. A ação que pode levar à cassação do mandato dele completa, nesta segunda-feira, 167 dias de tramitação no Conselho de Ética, recorde na história da comissão. No domingo, após 138 dias de andamento, a Câmara aprovou o pedido de afastamento de Dilma. De naturezas distintas, as ações têm relação próxima: Cunha acolheu o processo de impeachment algumas horas após os três integrantes do PT no Conselho de Ética anunciarem que votariam contra ele.

O presidente da Câmara responde por quebra de decoro parlamentar por, supostamente, ter mentido na CPI das Petrobras, quando afirmou não ter contas no exterior. Investigação da Procuradoria-Geral da República (PGR) revelou contas na Suíça em nome de Cunha. 

Ele afirma não ser titular, apenas “beneficiário”. Na defesa ao conselho, o advogado Marcelo Nobre também pede a nulidade do processo, alegando falhas regimentais e cerceamento ao direito de defesa.

Além da defesa jurídica, Cunha contou com artifícios regimentais e o esforço de aliados para protelar os trabalhos. Foram 14 dias só para que a representação contra ele fosse numerada pela Mesa Diretora — passo burocrático anterior à chegada ao conselho. Na fase de discussão, outras manobras: Cunha abriu sessões em plenário enquanto o conselho se reunia, forçando o término das sessões; aliados apresentaram requerimentos e questões de ordem apenas para alongar debates; e deputados ligados a Cunha entraram com representações contra outros parlamentares apenas para encher a pauta do colegiado. O presidente da Câmara também recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para anular o processo, mas não conseguiu.

O afastamento do relator, Fausto Pinato (PP-SP), também provocou atraso. O 1º vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), alegou que Pinato fazia parte do mesmo bloco parlamentar de Cunha no início da legislatura, o que o inviabilizaria para a função. Posteriormente, Maranhão também anulou a decisão que permitia a continuidade do processo no Conselho, afirmando que o parecer de Marcos Rogério (DEM-RO), que substituiu Pinato, era uma nova peça. A análise voltou à estaca zero.

— Acho que, com isso tudo (as medidas protelatórias), ele (Cunha) demonstra que realmente tem culpa no cartório e que as coisas ditas são verdadeiras. Vejo como uma tentativa de sobrevivência política — afirma o presidente do Conselho de Ética, José Carlos Araújo (PSD-BA).

A admissibilidade foi aprovada em março, por 11 a 10. O prazo máximo para que o relator apresente o parecer é 19 de maio, o que levaria a votação do relatório para o início de junho. As próximas sessões acontecerão na semana que vem, quando os lobistas João Henriques e Fernando Baiano serão ouvidos como testemunhas de acusação. O presidente do conselho ainda aguarda que a Mesa Diretora autorize a emissão da passagem de Baiano — no caso do doleiro Leonardo Meirelles, a autorização veio após o depoimento: Meirelles pagou a própria passagem. Após a fase acusatória, será a vez da defesa.

Opositores de Cunha também viram o dedo do deputado em uma troca recente na composição do conselho: Pinato renunciou e foi substituído por Tia Eron (PRB-BA). Após o anúncio, a deputada afirmou que o presidente da Câmara tinha sua “admiração e respeito”.

Fora do Legislativo, Cunha é réu no STF, acusado de participar do esquema de corrupção da Petrobras. Há também na Corte um pedido da PGR para que o deputado seja afastado da Presidência da Câmara. No domingo, Cunha negou a relação entre a deflagração do processo de impeachment e a posição do PT no Conselho de Ética.
— Não tem vingança nenhuma — afirmou.


Chefes do Legislativo na mira

Ao mesmo tempo em que trabalham para aprovar o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, agora no Senado, figuras importantes do círculo do vice-presidente Michel Temer estão no foco da Operação Lava-Jato. O próprio Temer ainda terá um obstáculo para se firmar no eventual cargo de presidente da República: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai definir se mantém ou não abertos os quatro processos que tramitam na corte pedindo a cassação da chapa PT-PMDB, vencedora nas eleições de 2014.

Já vislumbrando sentar-se na principal cadeira do Palácio do Planalto, Temer entrou com ação no TSE na semana passada pedindo o desmembramento das contas de campanha — que, segundo denúncia do PSDB, estão “eivadas de irregularidades" e, por isso, a chapa vitoriosa deveria ser cassada. Em dezembro, foram incluídas provas da Lava-Jato, enviadas pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. Os documentos informam que boa parte das doações eleitorais registradas correspondem à propina acertada no esquema de desvio de dinheiro da Petrobras. A expectativa é que o juiz Moro seja convocado para ajudar no TSE. No mensalão, Moro atuou como assistente da ministra Rosa Weber.

Por sua vez, com sete denúncias recebidas e apenas uma aceita até agora, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve assumir o posto de guardião da Lava-Jato. Nas mãos do ministro Teori Zavascki está o destino de, pelo menos, 60 políticos com foro privilegiado, suspeitos de corrupção. Entre eles estão os presidentes das duas casas do Legislativo: o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), alvo em sete inquéritos, e o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o primeiro dos envolvidos nas fraudes da Petrobras a ser transformado em réu pelo Supremo.

Nas últimas semanas, Temer, o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) e o presidente nacional do partido, senador Romero Jucá (PMDB-RR), lutaram pela aprovação do impeachment. Agora, a força-tarefa vive a expectativa do avanço nos processos ligados ao ex-presidente Lula e aos políticos com foro privilegiado. Até o momento, nenhum dos quatro foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF), mas todos já foram citados em diferentes momentos.

As investigações mais avançadas são em relação ao ex-presidente Lula, o único dos quatro sem foro privilegiado e aaté então investigado pela MPF em Curitiba — os processos foram enviados ao STF devido às gravações com a presidente Dilma e ministros, que possuem foro. Temer, por sua vez, foi citado na delação do senador Delcídio Amaral e em mensagens entre Eduardo Cunha, e o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro. Jucá aparece na lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, enviada ao STF em março.

No TSE, a tendência atual é que as contas da chapa PT-PMDB não sejam separadas e que as ações devem prosseguir normalmente, podendo desaguar, se houver condenação, na perda do mandato de Temer. Mas há ao menos uma voz no tribunal que cogita o contrário.
Na semana passada, o vice-presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, confirmou que, normalmente, a corte não permite a divisão das contas de campanha do presidente da República e do vice. No entanto, alertou para a possibilidade de um novo entendimento.
— Inicialmente, o tribunal tem uma posição contra a divisibilidade da ação. Mas certamente agora podemos ter um quadro novo, se eventualmente ocorre a suspensão ou mesmo o afastamento da presidente — declarou Gilmar.

Dilma pode ficar inelegível

De qualquer forma, Gilmar disse que essa decisão só será tomada após o julgamento sobre o afastamento de Dilma no Senado:

— Tem que aguardar. Vamos esperar primeiro o desfecho do processo do impeachment e, depois, analisar esta questão.

A única chance de as ações serem totalmente extintas no caso de impeachment seria se o MPF recomendasse o arquivamento dos casos, hipótese pouco provável. Se Dilma não estiver mais no cargo quando ocorrer o julgamento dos processos, e se houver condenação, Temer perderia o mandato obtido. No entanto, teria a chance de não ficar inelegível por oito anos — fato que ocorreria com Dilma. Isso porque há casos já julgados pelo TSE em que, no caso de cassação da chapa, o vice tem a pena abrandada se ficar comprovado que ele não foi beneficiado diretamente pelas ilegalidades comprovadas, ou a partir da interpretação de que sua atuação não foi primordial para o cometimento dos atos ilícitos.

Entre Alvorada e o Jaburu

A forte movimentação que tomou desde a manhã de domingo a via que leva aos palácios da Alvorada e do Jaburu, residências oficiais de Dilma Rousseff e Michel Temer, era uma metáfora do que viria a ser a sessão da Câmara. Embora a presidente Dilma ainda comande o país, era em direção a Temer que ia a maioria dos deputados. No Alvorada, Dilma recebeu basicamente ministros e os governadores do Piauí, Wellington Dias (PT); de Sergipe, Jackson Barbosa (PMDB); e do Acre, Tião Viana (PT). Foi ao lado deles e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que ela acompanhou a votação.

O vice-presidente Michel Temer, por sua vez, passou o dia no Jaburu cercado de aliados e acompanhou a votação em uma sala no subsolo da residência oficial do vice. Ora em pé, ora estirados em um grande sofá de tecido bege, os peemedebistas vibravam a cada voto “sim” transmitido na televisão de 50 polegadas.

Ao seu redor, os ex-ministros do governo Dilma Eliseu Padilha e Henrique Alves, além dos ex-deputados Sandro Mabel e Tadeu Filipelli. Conforme avançava a votação e se confirmava o abismo de votos a favor do impeachment, aliados que trabalharam arduamente para aprovar o processo, como o senador Romero Jucá (PMDB-RR), se dirigiam à residência. Após votarem, deputados também começaram a desembarcar às dezenas no Palácio do Jaburu. À mesa, bolos, biscoito, quibes, suco e água.

Na batalha para garantir o maior número possível de votos a favor do impeachment e enfraquecer um dos pontos centrais de estratégia do governo, que consistia em forçar ausências, peemedebistas conseguiram o apoio de empresários que colocaram à disposição seus aviões privados para a hipótese de algum deputado alegar que não conseguiria chegar a Brasília por falta de voo. No entanto, segundo os peemedebistas, não foi preciso usá-los.

Nas contas do grupo de Temer, antes da votação já haviam garantidos 373 votos a favor do impeachment. Ao lado do vice, seu braço-direito Eliseu Padilha checava voto a voto a confirmação de sua planilha. A atenção do grupo só era desviada pelas súbitas entradas de Michelzinho, o filho de 7 anos do vice-presidente. A vice-primeira dama, Marcela Temer, não se misturou ao grupo e permaneceu no andar superior da residência durante toda a tarde. Estava com sua mãe, que veio a Brasília especialmente para acompanhar o grande momento do genro.

— Estamos acompanhando com serenidade e muita responsabilidade. Estilo Michel de uma vida toda — explicava Henrique Alves.

O deputado Mauro Pereira (PMDB-RS), que também esteve no Jaburu, disse que a maior preocupação de Temer, no momento, é o que ele chama de “pós-eleição”.

— A preocupação dele é hoje e no pós-eleição. Ainda tem o Senado e [a necessidade de] dar uma resposta à sociedade brasileira — afirmou o deputado.

No Alvorada, quando apenas um terço dos votos tinham sido dados, alguns assessores de Dilma já admitiam a derrota. Segundo um gráfico que circulou no domingo entre os governistas, a essa altura a presidente teria que contar com dez votos a mais. Participantes da articulação política de Dilma lamentavam as traições, como a de José Reinaldo (PSB-MA), que prometeu votar contra o impeachment e mudou de voto na hora.

Na hora da votação, Dilma estava com seu principal auxiliar, o assessor especial Giles Azevedo, o ministro chefe de gabinete Jaques Wagner, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, e os governadores aliados. Lula voltou para o hotel que se transformou em seu QG pouco antes da votação e voltou ao Alvorada quando 113 votos já haviam sido computados. Nesse momento, estavam todos calados dentro do Alvorada, fazendo as contas dos votos.

No fim da tarde, antes mesmo de concluída a votação, os funcionários do Palácio do Planalto já discutiam o próprio fim do governo.

— Vai ser fim de feira, todo mundo com suas caixinhas de papel Chamex esvaziando as mesas — admitiu um assessor presidencial.

Em um gesto de provocação, deputados do Solidariedade planejam entrar com uma ação de despejo contra a presidente Dilma Rousseff para que ela deixe o Palácio da Alvorada caso a abertura do processo de impeachment seja aprovada no Senado.


Participaram da cobertura:

RIO - Editor Reponsável: Alan Gripp. Editora-Adjunta: Maiá Menezes. Coordenação: Roberto Maltchik. Edição: Bernardo Araújo, Bernardo Tabak, Carla Rocha, Carter Anderson, Daniel Biasetto, Emiliano Urbim, Eduardo Fradkin, Fábio Vasconcellos, Gabriel Cariello, Luciana Rodrigues, Madalena Romeo, Mair Pena e Maria Elisa Alves. Redatores: Andrea Freitas, Alessandra Duarte, Aline Macedo, Ana Beatriz Marin, Bruno Góes, Chico Otávio, Daiane Costa, Marcelo Remigio, Eduardo Maia, Fernanda Baldioti, Lucianne Carneiro, Marlen Couto, Rodrigo Berthone, Ronaldo Villardo, Thais Lobo, Thalita Pessoa e Virgínia Honse. Reportagem: Bernado Mello, Dandara Tinoco, Danielle Nogueira, Marcello Corrêa, Fernanda Krakovics, Marco Grillo, Mariana Filgueiras, Miguel Caballero e Paula Araújo Ferreira. Diagramação: Luciane Costa (editora-assistente), Ana Scott, Felipe Haddad, Fernanda Rossi, Mariana Morgado, Lígia Lourenço, Paula Fabris, Sylvio Azevedo e Tomás Breves. Arte: Rubens Paiva (editor), Alessandro Alvim (editor-assistente), Carolina Cavaleiro (editora-assistente), Anderson Campos, Daniel Lima, Kayan Albertin, Nathany Santos, Renato Carvalho, Thaís Leão, Vinícius Machado e Walter Moreira. Fotografia: Cláudio Versiani (editor responsável), José Serra, Gustavo Miranda e Marco Antônio Rezende (edição), Alexandre Cassiano, Antonio Scorza, Bárbara Lopes, Custódio Coimbra, Domingos Peixoto, Fernando Lemos, Guito Moreto, Hermes de Paula e Marcelo Carnaval. Estagiários: Amanda Prado, Augusto Decker, Daniel Gullino, Gabriela Antunes, Júlia Cople, Luís Guilherme Julião, Manoel Ventura, Renan Xavier (Brasília) e Dimitrius Dantas (São Paulo). BRASÍLIA - Coordenação: Sérgio Fadul, Paulo Celso Pereira, Flávia Barbosa, Francisco Leali e Michel Filho. Reportagem: André de Souza, Adriana Mendes, Bárbara Nascimento, Carolina Brígido, Catarina Alencastro, Cristiane Jungblut, Danilo Fariello, Eduardo Barretto, Eduardo Bresciani, Evandro Éboli, Geralda Doca, Jailton de Carvalho, Jefferson Ribeiro, José Casado, Júnia Gama, Letícia Fernandes, Maria Lima, Martha Beck, Renata Mariz, Simone Iglesias, Vinícius Sassine e Tiago Dantas. Fotógrafos: Aílton de Freitas, André Coelho, Daniel Marenco, Givaldo Barbosa e Jorge William. SÃO PAULO - Coordenação: Aguinaldo Novo, Flávio Freire, Ronaldo D´Ercole e Mariana Timóteo. Reportagem: Jaqueline Falcão, João Sorima Neto, Luiza Souto, Mariana Sanches, Sérgio Roxo, Stella Borges e Thiago Herdy Fotógrafos de SP: Marcos Alves, Edilson Dantas e Pedro Kirilos.