
Renato Onofre e Tiago Dantas - O Globo
Publicada pelo governo federal no mês passado, a medida provisória que altera regras dos acordos de leniência está dividindo a opinião das partes envolvidas na Lava-Jato.
Integrantes do Ministério Público e de órgãos de controle afirmam que a mudança pode beneficiar empresas corruptas. Já alguns advogados dizem que o objetivo das mudanças é evitar que as investigações causem mais desemprego — justificativa apresentada pelo governo para a MP.
A MP 703, de 18 de dezembro de 2015, alterou regras previstas na lei anticorrupção, a 12.846, de 2013. A MP permite, por exemplo, que mais de uma empresa assine o acordo de leniência — e não só a primeira a manifestar interesse, como ocorria antes. Além disso, a empresa que assinar o acordo não sofrerá outro processo na esfera administrativa e poderá ter contratos com o governo. Os funcionários das empresas, porém, continuam podendo ser processados criminalmente.
O procurador da República Carlos Fernando Lima, principal negociador de acordos de delação na Operação Lava-Jato, afirma que a MP 703 inviabilizaria a descoberta da corrupção na Petrobras, na escala em que aconteceu, caso estivesse em vigor no início da investigação.
— O que veremos agora é uma série de acordos sem qualquer relevância para a revelação de crimes de corrupção de agentes políticos.
O procurador disse que a medida provisória limita a atuação do Ministério Público e criticou o governo por perder uma “oportunidade histórica" de combater a corrupção:
— A mensagem que fica é a de que, se necessário, quando interesses poderosos estão em jogo, o governo federal fará alterações necessárias para salvar empresas, ou quem mais a coalização de partidos entender importantes para a manutenção do ‘status quo’.
O criminalista Alberto Toron, que representou a construtora UTC na Lava-Jato, defendeu a MP 703. Para ele, a Lava-Jato inaugurou uma nova forma de investigação ancorada na colaboração, e a medida provisória acompanhou isso:
— Será que é necessário destruir a economia para punir? Acho que essa MP procura permitir a continuidade das investigações, a colheita de provas. E permite que as empresas sobrevivam, que continuem gerando riquezas.
Toron concorda que o novo texto ajuda as empresas, mas discorda da visão de que as modificações geram uma sensação de impunidade, como disse Carlos Fernando:
— Essa gente criada em gabinete tem uma visão muito restrita: só a punição. Mas, assim como na delação, a leniência não acaba com a punição.
Presidente da Associação Nacional dos Auditores dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), Lucieni Pereira argumentou que, com a MP, o Executivo passa a concentrar o poder de assinar acordos de leniência. Ela criticou a previsão de que órgãos como a Controladoria Geral da União (CGU), que tem indicação política, façam os acordos.
— Uma coisa extremamente perigosa é esse discurso de que a MP está evitando desemprego. Isso é uma falácia. Essa MP virou um programa de salvamento de empresa corrupta.
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura (Ibeji), Rafael Valim, a possibilidade de a empresa continuar sendo contratada pelo governo é prevista em leis internacionais:
— A ideia da leniência é punir as empresas, ressarcir o erário, e também preservar o mercado nacional.