As crises financeiras recentes mostraram que os bancos e os governos costumam desenvolver uma aliança profunda, imbricada e muito poderosa. Essas alianças fomentam um lobby forte pela sobrevivência das instituições financeiras, especialmente aquelas conhecidas por serem "grandes demais para quebrar", e não raramente descambam em escândalos de corrupção.
A avaliação é de Charles Calomiris, especialista em regulação bancária da Universidade Columbia, que participa na terça (8) de evento em comemoração aos 20 anos do FGC (Fundo Garantidor de Créditos), fundo privado criado para indenizar os investidores em caso de quebra de bancos.
Para ele, que ganhou notoriedade por criticar as agências de risco na crise das hipotecas "subprime" (segunda linha) em 2008, quanto maior a interferência do Estado no negócio bancário maior é a chance de corrupção.
Na entrevista, Calomiris, defende a alta dos juros nos EUA, prevê consequências dolorosas dessa mudança para países emergentes –como a Rússia– e diz que o mercado de ações chinês se tornou um termômetro importante sobre o que vai ocorrer na economia real do país. Leia trechos da entrevista.
| Andrew Harrer - 21.ago.2008/Bloomberg/Getty Images | ||
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| Charles Calomiris, especialista em regulação bancária da Universidade Columbia, dos EUA |
Folha - Escândalos de corrupção costumam ser custosos para os bancos. Como o sistema financeiro pode se proteger para evitar isso?
Charles Calomiris - Todos os bancos são supervisionados e regulados pelos governos. Há uma profunda aliança dos governos com as instituições financeiras privadas. Isso não ocorre apenas para tentar influenciar o caminho da regulação; eles ajudam a conceber a regras. Não conheço outro setor, talvez só o de petróleo, que tenha relações tão imbricadas com os governos. Isso não acontece só no Brasil, mas em todo o mundo. A corrupção é majoritariamente resultado de como o governo estabelece as regras do jogo. A solução passa por um sistema mais competitivo e com menor interferência do governo. É importante o Estado sair do negócio bancário para interromper a corrupção institucional. Bancos privados querem fazer dinheiro; bancos estatais querem ganhar influência.
E como os governos podem incentivar a competição?
Se o governo sair do negócio bancário e se dedicar mais a regular a competição, haverá uma evolução no sistema bancário brasileiro para uma situação mais próxima da que ocorre em outros países. Não consigo realmente entender, como espectador estrangeiro, a persistência de spreads elevados [diferença entre os juros que o banco paga pelo depósito de um cliente e cobra para emprestar a outro] e a falta de um mercado privado de crédito de médio prazo, sem a presença do BNDES. Essas deficiências são indicadores de que a competição é insuficiente.
Como a discussão do impeachment da presidente Dilma Rousseff afeta a recuperação do país?
O Brasil passa por um momento interessante, de diferentes choques: redução no preço das commodities; desaceleração nos países desenvolvidos, especialmente a Europa; herança das inconsistências na política econômica do primeiro mandato da presidente Dilma. A pergunta é como a sociedade e a política respondem a esses desafios. Quando olhamos para a série de escândalos, vemos o retrato de uma sociedade pacífica, que age dentro da lei, endereçando os problemas de uma forma responsável, como fez o presidente Fernando Henrique Cardoso [na estabilização da economia]. Cresce no Brasil o entendimento de não se pode resolver os problemas em um único dia e com populismo. As instituições estão sólidas. Talvez tudo isso resulte em impeachment, talvez não; mas não vai acontecer com violência. Os ciclos econômicos bons não duram para sempre, mas as instituições podem durar para sempre. Na minha visão, os investidores estrangeiros vão entender isso. Claro, haverá uma enorme volatilidade [com a discussão do impeachment] na Bolsa e no câmbio.
O combate ao terrorismo, crime organizado e evasão de impostos está acabando com o sigilo bancário no mundo. O que ainda falta aperfeiçoar na regulação bancária?
As leis de privacidade mudaram e permitem hoje mais inspeção nos registros bancários dos clientes, inclusive na Suíça. Fica cada vez mais difícil não explicar a origem de uma transação. É razoável acreditar que isso vai aumentar ainda mais. Mesmo assim o Estado Islâmico movimenta US$ 60 milhões por semana. Como eles conseguem fazer isso? Vendem coisas, obtêm recursos e movimentam o dinheiro para financiar 40 mil soldados na ocupação de um território do tamanho do Reino Unido. Isso tudo precisa de um sistema de pagamentos. Quais países estão envolvidos com isso? Não se movimenta todo esse dinheiro em espécie e por camelos.
Os solavancos no mercado de ações chinês assustou o mundo várias vezes neste ano. Há riscos na economia chinesa ainda desconhecidos?
Desde os anos 90, o mercado de ações chinês tem andando de forma independente da macroeconomia. Entre 1992 e 2006, corrigindo os preços pela inflação, os preços das ações ficaram estáveis apesar do forte crescimento na economia. O que fomenta o mercado de ações tem mais a ver com políticas do governo, o nome do dono de uma empresa, mas não com a macroeconomia. O que está acontecendo agora é diferente. Vai ocorrer uma convergência entre o mercado de ações e as notícias das empresas. O governo chinês não vai poder sustentar o mercado de ações por um longo tempo; quanto maior a interferência do governo no mercado, menor será a confiança dos investidores chineses. A razão da queda nos preços das ações é que a economia não vai continuar crescendo da mesma forma.
O Fed [BC dos EUA] deve elevar os juros em dezembro. Qual o risco dessa mudança para a economia global em tempos de risco de deflação?
Não há risco de deflação, pelo menos, nos EUA. Mesmo se tivesse, seria muito improvável ter consequências para a economia. Para os próximos cinco anos, há mais chance de inflação do que de deflação. Os riscos de manter juros negativos por período longos [como formação de bolhas nos mercados emergentes, imóveis, ações etc.] são muito maiores.
Acredito que o Fed vai elevar os juros neste mês, mas será de forma muito lenta. No máximo, acho que os juros vão a 2%, o que será ainda juro real zero [a expectativa é que a inflação chegue a 2%]. As pessoas temem o impacto nas ações. Aprendemos nos últimos anos que o mercado de ações não vai cair; deve ficar estagnado. Vejo mais o Fed pecando por excesso de cautela, adotando um movimento muito lento de alta de juros, do que o contrário.
E o impacto para países emergentes, como o Brasil?
Os mercados emergentes são mais sensíveis. Veremos algum tipo de crise em algum lugar, por exemplo na Rússia. O país tem um endividamento externo em dólares muito elevado e está exposto ao petróleo, que pode cair mais nos próximos anos.
O sr. foi um dos maiores críticos da agências de risco na crise de 2008. Disse que elas permitiram a expansão das hipotecas "subprime". O que mudou desde então?
As agências passaram a ser reguladas, houve uma revisão nos critérios das avaliações. Agora, elas tentam fazer as avaliações antes dos momentos de crise. Por outro lado, os próprios bancos assumiram parte dessa tarefa de avaliar risco; de certa maneira, pode até ter piorado o risco. Os bancos têm um conflito de interesse; podem classificar melhor as dívidas para melhorar os balanços.
