quarta-feira, 25 de março de 2015

Saiba por que a Arena Pernambuco pode se tornar o estádio mais caro da Copa

Vinícius Segalla
Do UOL


  • Reprodução/Facebook
    Povo pernambucano garantirá receita anual de R$ 73 mi para a Odebrecht por 30 anos
    Povo pernambucano garantirá receita anual de R$ 73 mi para a Odebrecht por 30 anos
A Arena Pernambuco, estádio construído pela empreiteira Odebrecht e pago pelo governo daquele Estado para receber cinco jogos da Copa do Mundo de 2014, teve um custo fixo ainda não revelado, mas que, segundo as autoridades estaduais, deverá ficar na casa dos R$ 700 milhões.
A Odebrecth tem uma concessão para exploração do equipamento esportivo por 30 anos. Até lá, além do valor fixo que vem recebendo parceladamente por ter construído a arena, a empreiteira tem, por contrato, uma receita garantida de R$ 73 milhões por ano. Se a operação do estádio não resultar nesta receita, o contribuinte pernambucano completa o caixa da empreiteira baiana.
Conforme o UOL Esporte mostrou em reportagens recentes, por causa dessa cláusula contratual, o desembolso a mais do Estado com o estádio poderá chegar a R$ 1,76 bilhão, ou até ultrapassar esta cifra, fazendo com que o preço total da arena supere com folga a casa dos R$ 2 bilhões.
O contrato original estabelecido entre as partes em junho de 2010 previa uma projeção de receita para arena de R$ 73 milhões por ano a ser obtida com a renda de, pelo menos, 20 jogos por ano de cada clube grande de futebol da capital: Sport, Santa Cruz e Náutico.
Mas, dos três times que deveriam jogar suas principais partidas lá nos próximos 30 anos, somente o Náutico – o de menor torcida –  assinou contrato com a administradora do estádio. Com isso, a receita do arena sequer se aproxima do mínimo previsto em contrato. O TCE-PE (Tribunal de Contas de Pernambuco) calcula que, a seguir esta toada, o governo estadual repassará à Odebrecht uma média de R$ 60 milhões anuais ao longo dos próximos 30 anos.
Este não é, porém, o único motivo a levar a Arena Pernambuco a ser uma fonte de receita garantida para a Odebrecht, e de prejuízo para os cofres públicos. O problema maior reside nessa receita anual presumida, de R$ 73 milhões, prevista em contrato assinado em 2010 pelo então governador Eduardo Campos (PSB).
Como se chegou à cifra de R$ 73 milhões por ano como receita a ser garantida pelo Estado? De acordo com o contrato assinado com a empreiteira, foi através de pesquisas de mercado e análises conjunturais sobre o futebol pernambucano, encomendadas pelo governo estadual para balizar a parceria com a Odebrecht. O problema é que as conclusões a que chegou este estudo não são, segundo o TCE-PE, compatíveis com a realidade.
Veja, abaixo, os principais pontos que chamaram a atenção do órgão de fiscalização no contrato de parceria do governo de Pernambuco com a Odebrecht.


1 - Ocupação superestimada de camarotes

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A projeção da receita operacional com camarotes (R$ 13,4 milhões), business seats (R$ 16,5 milhões) e assentos premium (R$ 17,6 milhões), totalizou R$ 47,5 milhões ao ano. Não existe no país uma receita como essa com tais assentos. A receita auferida em 2013 com cadeiras cativas e camarotes, no Estádio do Morumbi, em São Paulo, por exemplo, atingiu R$ 16,73 milhões, o que representa um terço da receita projetada para os produtos semelhantes ofertados na Arena da Copa de Pernambuco.
Não existe no contrato uma justificativa para o valor de receita mínima estipulado, a não ser a expectativa de que uma arena multiuso moderna como a de Pernambuco atrairia muito mais público aos estádios. Ainda não aconteceu.


2 - Programas de fidelidade superestimados

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A projeção da receita operacional para cliente do Mercado Consumidor (assento premium e pacotes de jogo - programas de fidelidade), no total de R$ 40,82 milhões, não foi confrontada com dados do cenário real oriundos da série histórica dos jogos do Sport, Náutico e Santa Cruz, tais como: média de público, taxa de ocupação do estádio e receita auferida.
Para se ter uma ideia, isso representa uma receita média anual de R$ 14 milhões de cada um dos três clubes. Pois bem, segundo o orçamento oficial do Corinthians para 2015, o clube vai arrecadar R$ 6,25 milhões com o "Fiel Torcedor", seu programa de fidelidade. Em 2014, o segundo time de maior torcida no Brasil arrecadou R$ 5 milhões com o programa.


3 - Falta de projeção de receita

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Como descreve o TCE-PE: "Não houve indicação do valor projetado (preço) para cada produto que compõem a Receita Operacional Projetada (camarote, business seats, assentos premium e pacotes de jogos). Tampouco, o valor projetado por cada time (Sport, Náutico e Santa Cruz) e por produto, considerando o perfil econômico dos torcedores desses times."
Quer dizer, o contrato previu uma receita mínima a ser garantida, mas não ancorou tal projeção em dados econômicos. Não há elementos que mostrem ser possível alcançar a receita que se estipula. O contrato não contempla uma ponderação sobre média de público de cada um dos times - que são bem diferentes - para assim montar um modelo de negócio com chances de alcançar a receita presumida.


4 - Dados infundados ou inconclusivos

Arte/UOL
Novamente, nas palavras do TCE-PE: "A projeção da Receita Operacional foi embasada exclusivamente numa pesquisa de mercado, tanto para os produtos ofertados ao Mercado Corporativo como para o Mercado Consumidor. O universo dessa pesquisa compreendeu 88 entrevistas corporativas e 288 entrevistas com consumidores".
Isso significa que, para balizar as previsões de receita do contrato, apresenta-se uma pesquisa com 88 representantes de empresas e 288 torcedores. Chegou-se à conclusão de que uma receita anual de R$ 73 milhões seria possível de ser alcançada entrevistando menos de cem torcedores de cada um dos clubes, com perguntas como se ele "passaria a frequentar mais estádios de futebol se houvesse mais conforto e segurança nas praças esportivas".

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Assim, em relatório enviado ao governo de Pernambuco no início deste mês, o TCE-PE afirma: "Diante dessas fragilidades, é possível que o valor projetado da Receita Operacional (R$ 73,26 milhões/ano) encontre-se superestimado, e ainda que Náutico, Sport e Santa Cruz jogassem anualmente as 60 melhores partidas na Arena, conforme prevê o contrato, aquela receita não seria atingida, gerando Contraprestação Adicional (despesa) a ser paga pelo Estado à Concessionária."
O governo deverá responder nas próximas semanas se pretende ou não rever as cláusulas contratuais. Por ora, afirma que "não há dispositivo contratual que imponha automaticamente a suspensão dos pagamentos" e que " tem mantido com a Concessionária um diálogo permanente no sentido de construir a melhor estratégia com vistas a potencializar a capacidade de geração de receitas de negócio, ao mesmo tempo em que iniciou, com a Concessionária, discussões quanto aos itens de custos, despesas e receitas do empreendimento".