Gabriel Castro e Marcela Mattos - Veja
Após as eleições para o comando da Câmara e do Senado, partidos travam uma guerra pelo controle de comissões que analisarão projetos importantes, as contas do governo e futuro dos próprios parlamentares enrolados no petrolão
A fachada do Congresso Nacional: hora de definição das comissões temáticas (Rodolfo Stuckert/Agência Câmara/VEJA)
Se o Congresso Nacional não ocupasse tanto o noticiário policial nem tomasse forma de um verdadeiro picadeiro sazonalmente, os brasileiros saberiam que a Câmara dos Deputados e o Senado têm comissões temáticas por onde passam muitas propostas que viram leis cruciais para a vida de todos os cidadãos. Também são nessas comissões que autoridades do governo normalmente têm de se explicar sobre casos de corrupção, inépcia ou projetos controversos. Na próxima semana, Câmara e Senado definirão a nova composição desses colegiados. E, mais uma vez, o PT pagará o preço de sua articulação frustrada na eleição para a presidência da Câmara.
O critério da proporcionalidade guia a divisão das presidências. A escolha mais importante – invariavelmente a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), desde 2011 sob o comando de um petista – agora cabe ao bloco capitaneado pelo PMDB. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), havia assumido o compromisso de ceder a presidência CCJ ao PP, um dos partidos enrolados até o pescoço na Operação Lava Jato, que investiga o propinoduto na Petrobras. A CCJ é importante porque tramitam nela praticamente todos os projetos do Legislativo, já que é a comissão responsável por atestar a constitucionalidade dos textos, e também os recursos de parlamentares contra os processos de cassação. Nos bastidores do Congresso, dez em dez deputados concordam que ter um aliado à frente da CCJ pode ajudar a salvar o mandato de muitos parlamentares que terão seus nomes na lista do petrolão.
Eduardo Cunha apoia Arthur Lira (PP-AL) para o comando do colegiado, mas o líder do PP, Eduardo da Fonte (PE), diz que não há decisão tomada: é provável que surjam outros nomes para disputar o posto com o deputado. "Todo mundo quer. É uma comissão importante para o partido e é a primeira vez que o partido vai presidir a comissão. O que ficou estabelecido é que a gente colocar para o voto", diz ele. Como retribuição, o PP deve ceder a cadeira que teria em algum outro colegiado – o partido tem direito a ser o quinto a escolher – para um peemedebista.
O PMDB terá direito também à segunda escolha – e pode acabar novamente cedendo espaço. Neste caso, em mais um gesto que preocupa o Planalto, ao PSDB: os tucanos, que estiveram com Júlio Delgado (PSB) na disputa pela presidência da Câmara, haviam prometido apoiar Cunha em um eventual segundo turno contra Arlindo Chinaglia (PT). O peemedebista venceu ainda no primeiro turno, mas o PSDB terá sua recompensa: foi oferecida ao partido a Comissão de Finanças, a segunda mais disputada da Casa por ter a prerrogativa de fiscalizar atos orçamentários do governo Dilma Rousseff, convocar ministros e ainda aprovar alguns tipos projetos de lei sem a necessidade de uma nova avaliação em plenário. Os tucanos estudam aceitar essa proposta ou pedir o comando da Comissão de Minas e Energia, vista como estratégica na esteira das denúncias de corrupção na Petrobras. O nome deve sair das bancadas de Goiás, São Paulo ou Minas Gerais.
Com esse desenho, o PMDB faria apenas a terceira escolha, e novamente pode bater de frente com os interesses governistas. O partido avalia escolher a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle – justamente a prioridade do PT, que amargou apenas a quarta opção para definir o comando das comissões. Nas mãos da oposição ou de aliados rebeldes, o colegiado seria mais facilmente utilizado para convocar ministros e cobrar informações do governo – uma arma recorrente usada pelo PMDB para pressionar o Planalto.
O plano B dos petistas seria a Comissão de Minas e Energia. O plano C, a de Relações Exteriores. "Estamos numa situação que não nos dá nenhuma tranquilidade", admite o líder do PT na Câmara, Sibá Machado (AC). Na última legislatura, o partido comandava a CCJ por possuir a maior bancada. O parlamentar escolhido para presidir a próxima comissão comandada pelo PT virá da tendência interna Mensagem, ala mais poderosa da bancada dos deputados. O deputado Paulo Pimenta (RS) é o favorito.
CPI – Com um espaço reduzido nas comissões em um ano que promete ser agitado no Congresso, o PT tenta uma reaproximação com Eduardo Cunha em busca de assegurar a relatoria da CPI da Petrobras – e dessa forma assumir o controle da investigação que tem importantes nomes do partido envolvidos no megaesquema de corrupção, como o tesoureiro da sigla, João Vaccari Neto. Os cotados para o cargo são o deputado Marco Maia (PT-RS) – relator da CPI Mista da Petrobras, vergonhosamente encerrada sem o indiciamento de políticos – e Vicente Cândido (PT-SP), que chegou a ser citado nas conversas entre o deputado cassado André Vargas, o primeiro parlamentar tragado pelo petrolão, e o doleiro Alberto Youssef.
"O PT ficou totalmente excluído, sem um cargo na Mesa Diretora e sem as comissões que tradicionalmente comandava. Nesse cenário, o governo não tem mais tanta interferência nos rumos da Casa, que passa a ser mais autônoma e não mais subserviente às determinações do Executivo", disse o líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP).
Senado – No Senado, também é intensa a corrida pelo controle das comissões. Depois de excluir a oposição da Mesa Diretora, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), trabalha para instalar o ex-ministro Edison Lobão (PMDB-MA), citado nas investigações da Operação Lava Jato, à frente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Também já manifestaram interesse em presidir a CCJ o ex-ministro Garibaldi Alves (PMDB-RN) e o ex-governador da Paraíba José Maranhão (PMDB).
O PMDB também deve escolher a Comissão de Infraestrutura, até o ano passado presidida pelo senador Fernando Collor (PTB-AL), e ainda discute qual será a terceira comissão em que estará à frente – provavelmente será a Comissão de Relações Exteriores, já sob o comando do partido.
O PT tem a segunda escolha e deve ficar com a Comissão de Assuntos Econômicos da Casa.
O PSDB, dono da terceira maior bancada, ficará com a Comissão e Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle. Menos, claro, pela parte do Meio Ambiente e Defesa do Consumidor; mais pela parte de Fiscalização e Controle, que permite manter vigilância constante sobre o governo e permite a convocação de autoridades para falar sobre praticamente qualquer assunto.
Fiscalização Financeira e Controle da Câmara
O colegiado é estratégico porque permite a convocação de ministros de qualquer área e a cobrança do governo por meio de envios formais de requerimentos de pedidos de informação - instrumentos de barganha entre aliados e de pressão por parte da oposição. A comissão deve ficar nas mãos do PMDB, embora o PT ainda guarde a esperança de assumir a presidência.
Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado
O título do Meio Ambiente é pouco relevante, assim como o de Defesa do Consumidor. Mas a prerrogativa de "Fiscalização e Controle" da comissão, que permite manter vigilância constante sobre o governo e a convocação de autoridades para falar sobre praticamente qualquer assunto, faz com que a oposição se articule para assumir o colegiado. O presidente deve ser o tucano Aloysio Nunes Ferreira (SP), vice de Aécio Neves na eleição presidencial do ano passado.
Comissão de Finanças e Tributação
Por ter a prerrogativa de fiscalizar atos orçamentários do Executivo, convocar ministros e aprovar alguns tipos de projeto de lei sem a necessidade de uma nova avaliação em plenário, a Comissão de Finanças e Tributação é a segunda mais disputada da Câmara - está atrás apenas da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Por um acordo durante a campanha à eleição, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) cedeu o colegiado ao PSDB, o que tende a aumentar a dor de cabeça do Planalto no Congresso.
Comissão da Reforma Política
A contragosto do Palácio do Planalto, a Câmara instalou já no início da legislatura a comissão para discutir a reforma política. O colegiado terá o comando do oposicionista Rodrigo Maia (DEM-RJ) e se debruçará sobre um texto que traz propostas rechaçadas pelo PT, como a manutenção do financiamento privado de campanha, prática que o partido sonha em proibir. A relatoria caberá ao deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), deputado bastante próximo do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Com um espaço reduzido na comissão – está à frente apenas da vice-presidência –, o partido terá de intensificar as negociações em busca de conseguir fazer mudanças ao projeto. Fiador da matéria, Eduardo Cunha tenta aprová-la até setembro deste ano para que a nova legislação seja aplicada nas eleições de 2016.
CPI da Petrobras
A nova CPI da Petrobras começa com poder de estrago ainda maior do que a anterior: será exclusiva da Câmara dos Deputados, onde os aliados são mais rebeldes, e comandada por um nome escolhido pelo presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ), desafeto de Dilma, o que tende a diminuir a influência do governo no colegiado. Nesse cenário, o PT tenta garantir ao menos a relatoria do colegiado - o mesmo cargo que ocupou na CPI mista, encerrada sem o indiciamento de políticos.