quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

"Crise na Venezuela abrange narcotráfico e terror", editorial de O Globo

A crise no país de Maduro extrapola a economia, gera reação dos EUA e leva países sul-americanos a intervirem como mediadores do conflito


A turbulência que engole a Venezuela e aflige sua população extrapola aspectos meramente econômicos e institucionais, por si só extremamente graves. A fuga para os EUA do oficial da Marinha Leamsy Salazar Villafaña, ex-guarda-costas de Hugo Chávez e ex-membro da cúpula de segurança do governo, lançou luz sobre aspectos mais sombrios da gestão de Nicolás Maduro.

Mediante um acordo de delação feito com autoridades americanas, Villafaña revelou o envolvimento de membros da administração, das Forças Armadas e de pelo menos um governador venezuelano com o cartel de narcotráfico Los Soles, composto por militares venezuelanos. A quadrilha é responsável por garantir o transporte de drogas, pelo Caribe, para os EUA e está sendo investigada por uma força-tarefa americana, envolvendo o Tesouro, o FBI, entre outras agências federais.

Além disso, o testemunho de Villafaña levou o FBI a incluir na sua lista de mais procurados o diplomata Ghazi Nasr al-Din, libanês de nascimento e naturalizado venezuelano. Ele é acusado de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro para financiar o Hezbollah, grupo considerado terrorista pelas autoridades americanas. Hoje, Nasr al-Din está subordinado ao governador do estado de Aragua e ex-ministro do Interior, Tareck el Aissami, denunciado como um dos líderes da quadrilha de militares narcotraficantes.

Essas acusações se somam a um quadro bastante deteriorado da economia venezuelana, afetada principalmente pela forte queda dos preços do petróleo, principal produto de exportação do país. A má administração das finanças gerou um quadro de hiperinflação, queda do PIB e escassez de produtos básicos, minando o apoio a Maduro, que reagiu violentamente aos protestos do ano passado. Hostil à iniciativa privada, o governo investiu contra empresários, detidos sob a acusação de estocar e fraudar produtos, numa “guerra econômica” contra o regime bolivariano.

Além de fechar o cerco ao cartel de Los Soles, os EUA aplicaram sanções contra altos funcionários venezuelanos, acusados de reprimir os protestos contra o governo. Essas medidas incluíram desde o congelamento de ativos ao veto à concessão de vistos para viagem aos EUA. Maduro reagiu acusando Washington de ingerência em assuntos internos e de tentar derrubá-lo do poder. Invocou ainda o apoio de países da região por meio da União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

Na segunda-feira, os chanceleres da Unasul se reuniram em Montevidéu, e representes de Brasil, Venezuela, Equador, Uruguai e Colômbia demonstraram solidariedade a Maduro, mas também se comprometeram a intermediar um diálogo com os EUA, visando à estabilidade da região. O secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper, sugeriu ainda que o grupo poderá atuar internamente como mediador entre o governo e a oposição, o que poderá ser um fator positivo em meio ao caos venezuelano. Mas nunca se sabe o quão sincera é a disposição chavista ao diálogo.