quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Agir em 2014 teria deixado sistema menos vulnerável, diz ex-diretora da Aneel

Pedro Soares - Folha de São Paulo


Ex-diretora da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e professora da FGV, Joísa Dutra defende medidas de "racionalização" do uso da energia para reduzir o consumo e dar mais segurança ao sistema elétrico.

Para ela, ações como o desconto de contas deveriam ter sido tomadas em 2014. "As condições ficaram piores. Adotar medidas [em 2014] poderia ter deixado o sistema menos vulnerável."

Ao mesmo tempo, diz à Folha, a segurança do abastecimento passa por mais investimentos em termelétricas a gás e pela permissão para instalar hidrelétricas com reservatórios, ambas medidas com restrições ambientais.
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Folha - O que poderia ter sido feito para evitar o apagão de segunda (19) e as interrupções menores que têm ocorrido?
Joísa Dutra- Esse problema não começou em 2014, mas em 2012, quando chegamos ao fim do ano com armazenamento [dos reservatórios] desfavorável. Temos uma situação de estresse hídrico [falta de chuva] que já existia no Nordeste há muito tempo e que é cada vez mais nítida no Sudeste. Isso traz problemas de diversas naturezas.
Além disso, as condições de operação do sistema estão mudando, com a participação menor de hidrelétricas com reservatórios no sistema. Assim, as condições de segurança estão cada vez menores. Armazenar água é uma forma de ter energia em um horizonte de tempo maior.

Mas isso esbarra na questão ambiental, não?
Sim. É resultado de uma série de restrições ambientais não só no Brasil, mas em todo o mundo. Há necessidade de informar a população sobre as consequências desse modelo.

Defende a flexibilização?
A flexibilização poderia garantir a implantação de algumas usinas com capacidade de armazenamento. Mas há outros fatores, como participação maior de usinas a gás natural. O que precisamos é ter segurança de suprimento.
O aumento da participação da termelétrica a gás natural é importante para auxiliar as outras fontes –como solar, eólica, biomassa e hidrelétrica– que se beneficiam dessa complementação.

O que poderia ter sido feito quando o nível dos reservatórios baixou muito, em 2014?
Racionalização é sempre bom. Significa evitar desperdício. As escolhas tomadas não são apenas técnicas, são sociais e econômicas. São políticas. E os dados garantiam [no verão de 2014] certo conforto. O risco e a incerteza existiam, mas os dados davam respaldo. O problema é que as condições ficaram piores. Adotar medidas [em 2014] poderia ter deixado o sistema mais robusto, mais seguro e menos vulnerável.

Como seriam essas medidas?
Poderiam ser descontos na conta, medidas de educação.

Há paralelo entre a ação do governo de São Paulo na crise da água e do governo federal na crise de energia?
É preciso entender que água e energia são indústrias relacionadas. A água é fundamental para a geração de energia e a energia é fundamental para o gerenciamento de água [reservatórios e barragens regulam a vazão dos rios].

Hoje, o nível de desperdício de água é de 50% e de energia, de 20%.

Veja o potencial de ganho apenas com racionalização.

A indústria reduziu seu consumo de energia em resposta aos preços elevados [em 2014]. Já o consumidor residencial tem uma contribuição muito grande a dar.

Editoria de arte/Folhapress