
O PSDB questiona as excepcionalidades do financiamento ao porto de Mariel, em Cuba, baseado em dois documentos da Câmara de Comércio Exterior (CLIQUEM NA IMAGEM PARA AMPLIÁ-LA) (Fotos: Reprodução/O Globo)
Documentos obtidos pelo partido mostrariam que garantias oferecidas e prazo de financiamento não seguiram padrão de financiamentos internacionais. Aécio levantou tema em debate da TV Globo
Por Eduardo Bresciani, para o jornal O Globo
O PSDB pedirá na próxima segunda-feira investigação da Procuradoria-Geral da República sobre os critérios supostamente diferenciados adotados no financiamento feito para a construção do porto de Mariel em Cuba, orçado em quase US$ 1 bilhão e com financiamento de US$ 682 milhões feito pelo governo brasileiro.
O partido obteve documentos que mostrariam “excepcionalidades” em relação ao prazo para pagamento, às garantias do empréstimo e do tempo de ajuste das taxas de juros.
Na lista de “excepcionalidades”, os documentos mostram que as garantias para o empréstimo foram em pesos cubanos depositados em um banco da própria ilha, quando o padrão neste tipo de operação é que elas fiquem depositadas em um terceiro país e, usualmente, em euro ou dólar. O prazo do financiamento concedido foi de 25 anos, mais que o dobro do prazo regulamentar de 12 anos.
O prazo de equalização dos juros seria de 25 anos, também muito superior ao que seria regulamentar, 10 anos. O percentual de cobertura para riscos políticos e extraordinários foi de 100%, superior aos 95% que seriam o padrão.
O tema foi levantado no debate da TV Globo da sexta-feira, 24, pelo candidato tucano à Presidência, Aécio Neves. Ele questionou o sigilo do contrato e anunciou o pedido de investigação. Na resposta, a presidente Dilma Rousseff (PT) afirmou que a operação gerou empregos no Brasil e que o financiamento foi para empresas brasileiras que realizaram as obras. Disse ainda que seriam as empresas que ofereceram garantias ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Dois dos documentos nos quais o PSDB baseará o questionamento são de 2010 e têm a logomarca da Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão subordinado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Outros dois documentos, sem timbre, seriam relatórios técnicos sobre reuniões de 2009 e 2010 do grupo de trabalho para assuntos econômicos e comerciais Brasil-Cuba.
Neste material há uma ata de reunião da Camex no dia 26 de maio de 2010 aprovando a concessão de um crédito de US$ 176,4 milhões para as obras. O documento lista a Cia de Obras de Infraestrutura, subsidiária da Odebrecht, como exportadora. Há neste documento a observação sobre a garantia oferecida.
Pelo teor da ata, as garantias são “fluxos internos de recebíveis gerados pela indústria cubana de tabaco, a serem depositados em escrow account aberta em banco cubano”. O usual, anotado na ata, é que a garantia seja em “fluxos externos de recebíveis”. Ou seja, o padrão é que os recursos sejam depositados em outro país, não no que recebe o serviço financiado.
Segundo relatos de integrantes do próprio BNDES ouvidos pelo GLOBO, o padrão de financiamentos é que os países que recebem as obras – ou seja, que atuam como importadores de serviços – são os responsáveis pelos pagamentos e garantias.
O outro documento com o selo da Camex afirma que em relação à garantia em depósitos no exterior o governo cubano alegou que não poderia aceitar por temer “confisco ou bloqueio”. Por isso acertou-se que essa garantia, que só seria aplicada a US$ 230 milhões a serem liberados em 2012, seria oferecida em um banco cubano em uma conta a ser aberta em nome do Banco do Brasil.
No material que relataria reunião realizada em novembro de 2009 é descrita uma tentativa da área técnica de mudar o perfil da garantia. Segundo o documento, Cuba propôs a manutenção dos depósitos em moeda local e em seu território e os técnicos brasileiros defendiam a utilização de recursos do porto em uma conta-garantia no exterior. O documento atribui ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a vitória da proposta cubana.
“Ao final, por decisão do Sr. Presidente da República, prevaleceu a proposta cubana”, diz um trecho.
Outro documento com o mesmo formato relataria uma reunião de fevereiro de 2010. A área técnica afirma novamente que acertou-se o oferecimento da garantia em território cubano e que isso não minimizaria os riscos da operação.
