terça-feira, 16 de setembro de 2014

Figuras públicas aproveitam imagem para fazer milhões de dólares em palestras nos EUA

Bloomberg News

Conferências e convenções atraem multidões para ouvir de ex-presidentes a escritores


PORTLAND E NOVA YORK - Em meio ao belicoso debate eleitoral brasileiro, alguma munição foi gasta contra Marina Silva devido aos milhares de reais que a candidata do PSB recebeu pelo Brasil, proferindo palestras e conferências. Uma reportagem que será publicada pela revista “Bloomberg Pursuits”, porém, revela que figuras públicas nos Estados Unidos, de ex-presidentes a atletas, passando por escritores e banqueiros centrais, fazem milhões de dólares por meio de suas palavras.

Ex-primeira dama Hillary Rodham Clinton: US$ 6 milhões em circuito de palestras - RUTH FREMSON / NYT/19-3-2014


Em plena era das teleconferências, chats via Skype e congêneres, as pessoas parecem preferir a proximidade dos conferencistas e palestrantes. De acordo com o Conselho da Indústria das Convenções, cerca de 225 milhões de pessoas apertaram as mãos, compartilharam drinks e fizeram anotações em 1,8 milhão de convenções nos Estados Unidos em 2012. Esse público se traduz, por outro lado, em generosos cachês para figuras de alto perfil, que buscam transformar seu carisma, fama e prestígio em lucro.

— Trata-se basicamente de visibilidade — diz Carlton Sedgeley, dono da agência Royce Carlton, que há cinco décadas representa palestrantes. — Quanto maior a visibilidade, maiores são os cachês.

Ari Fleischer, secretário de Imprensa do presidente George W. Bush durante os ataques do 11 de Setembro, aproveitou bem sua exposição na mídia. Imediatamente após deixar a Casa Branca — e seu salário anual de US$ 151 mil — em 2003, Fleischer deu várias palestras por semana, cobrando até US$ 40 mil uma única apresentação, segundo sua agência, a Washington Speakers Bureau, em Alexandria, Virginia.

— De repente, eles mandam carros para pegá-lo e você viaja de primeira classe e se hospeda em bons hotéis, e ainda é pago — diz Fleischer. — Foi a aterrissagem mais suave para alguém que acabou de deixar o governo.

Ex-presidentes, aliás, recebem os maiores cachês. Em 1977, Gerald Ford se tornou o primeiro a cobrar uma taxa para proferir palestras depois que deixou o cargo, recebendo até US$ 25 mil por evento. Desde então, ninguém se saiu tão bem quanto Bill Clinton, que recebia apenas US$ 200 mil por ano como comandante-chefe da nação. Na sequência, ele entrou no circuito das palestras e abocanhou US$ 106 milhões por 544 palestras entre fevereiro de 2001 e janeiro de 2013, uma média de US$ 200 mil por palestra, segundo os documentos fiscais de sua mulher. Por duas vezes, Clinton arrecadou US$ 700 mil em eventos em Lagos, Nigéria, financiados por Nduka Obaigbena, diretor-executivo e editor-chefe do jornal nigeriano “ThisDay”.


DOM DE FAMÍLIA

O dom de receber altos cachês por palestras parece ser de família. Em março, Hillary Clinton arrecadou US$ 300 mil por uma única palestra na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, uma das taxas mais baratas cobradas por ela, desde que deixou o posto de secretária de Estado no ano passado, de acordo com dados compilados pela Bloomberg.

No total, Hillary ganhou cerca de US$ 6 milhões em seu circuito de palestras, algumas das quais serviram para financiar a Fundação Clinton, em Nova York. A filha mais velha dos Clinton, Chelsea, cujos cachês também engordam a fundação, recebe até US$ 75 mil por discurso, afirmou recentemente reportagem do “New York Times”.

Ben Bernanke recebeu por uma palestra o que ganhava por ano à frente do Federal Reserve - DOUG MILLS / NYT/18-9-2013


Tantos dólares atraíram críticas das hordas conservadoras e além. Quando Hillary foi indagada por Diane Sawyer, da rede ABC, sobre esses pagamentos, a ex-primeira-dama se declarou “pobre”, afirmando que ela e Clinton ficaram sem dinheiro depois de deixarem a Casa Branca.

— Concluí que cobrar para fazer palestras era muito melhor do me unir a qualquer grupo ou empresa, como fazem muitas pessoas que deixam a vida pública — disse ela na entrevista.


ESTRELA DO FED

Banqueiros centrais também se saem bem. Pelo menos quando ainda são recentes as reuniões a portas fechadas das quais participaram para definir as taxas básicas de juros. Ben Bernanke, por exemplo, deixou o cargo de US$ 200 mil anuais, como presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), no fim de janeiro. Em março, já estava recebendo esse valor por palestra, segundo uma fonte que o contratou.

Nos meses seguintes, Bernanke vai se dirigir a conselheiros de investimentos reunidos por Charles Schwab Corp., em Denver; e a gerentes de fundos de hedge na conferência do SkyBridge Alternatives, em Cingapura.

— Achamos que ele é de grande relevância — afirma Victoria Sandvig, responsável pela organização de mil eventos por ano para a Schwab, um quarto dos quais com palestrantes convidados. — Ele acabou de deixar o Fed.


HUNTER S. THOMPSON

Mas os que mais recebem encomendas de palestras são os que fazem o tipo líder nato. O escritor e jornalista Michael Lewis recebe US$ 100 mil por palestra, mais duas passagens aéreas de primeira classe, segundo pessoas que o contrataram. Seu colega Malcolm Gladwell, autor do romance “The Tipping Point” e colaborador ocasional da revista “New Yorker”, recebe cerca de US$ 80 mil, segundo um cliente.

No momento, a demanda é especialmente forte por palestrantes que prometem revelar os segredos para destravar os talentos escondidos dentro de si ou da empresa, afirma Don Epstein, fundador da agência Greater Talent Network, que representa escritores best-sellers desde o fim dos anos 1980.

— Todo mundo quer dizer: ‘almocei com Michael Lewis ontem’ — diz Epstein.

Ele fundou a Greater Talent em 1982, após conseguir o apoio da estrela do jornalismo gonzo Hunter S. Thompson, que sempre chegava atrasado às palestras organizadas nas universidades por ele.

— Sempre tinha que mentir para Hunter — diz Epstein. — Se o evento fosse às 7h, eu dizia a ele que era às 5h.