O Estado de São Paulo
Na Inglaterra, o Poder Judiciário não tem a força coercitiva que tem por
aqui, no Brasil. Ele é exercido pela Câmara dos Lordes e sua autoridade é
lastreada nos usos e costumes então em vigor. Dá certo, entre outros motivos,
porque sempre deu certo. Existe, ali, um arranjo que, tal qual um cipreste,
demandou centenas de anos para crescer e se desenvolver. Para derrubá-lo, não
basta um vendaval ou mesmo uma ventania.
E quanto à força dos usos e costumes,
há de sempre ser lembrado que eles não cresceram ao léu. Pode-se afirmar, com
total convicção, que é muita pretensão a nossa desejar virar o mundo do avesso,
ignorando toda a experiência, os ajustes e o processo de tentativas e erros
obtidos em milênios de civilização.
Na história humana, os grandes avanços sempre se deram pela evolução, nunca
pela revolução. As grandes revoluções, como a francesa e a russa, sempre foram
muito eficientes na derrubada das instituições que já existiam, mas nunca
souberam como colocar outras, melhores, em seu lugar.
Sir Isaac Newton, quando indagado sobre como conseguira formular a Teoria da
Física Mecânica, respondia que nada fizera demais, apenas ficara de pé sobre os
ombros de gigantes. E quantos foram os gigantes que o precederam? Uma longa
fila, a partir de Sócrates, Platão, Aristóteles, Arquimedes e tantos outros mais
a perder de vista, cada um tendo contribuído com o seu quinhão.
Os usos e costumes, assim, prestam uma reverência ao passado. São o que Lord
Dahrendorf, alemão de nascença, comparou a fios de alta tensão. Eles são,
aparentemente, inofensivos. A ponto de os próprios pássaros neles pousarem. Mas
basta que alguém se aventure a neles tocar para que eles descarreguem uma
violenta carga de energia, no mais das vezes, fatal.
No caso inglês de que
tratamos agora, o Direito costumeiro tem se revelado de grande eficácia na
distribuição de justiça, ao contrário do nosso Direito, de base positivista. O
recente julgamento do "mensalão" pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em que
poucos e raros foram os condenados, é um eloquente exemplo desse fenômeno.
Esta introdução toda, no entanto, é para comentar as recentes declarações do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Rádio e Televisão de Portugal (RTP).
Para quem não se recorda, ele disse, com todas as letras, que o julgamento do
"mensalão" teve "praticamente 80% de decisão política e 20% de decisão
jurídica". Nesse seu esforço para desqualificar o processo, louve-se nele a sua
sempre sofrível tentativa de valer-se da aritmética. De mais a mais, com que
régua o ex-presidente teria estabelecido tal resultado? Realmente, 80 + 20 =
100. Da mesma forma que 100 - 20 = 80.
Assim sendo, dada a exatidão dos cálculos, como foi que ele chegou lá? Não me
consta que ele tenha tamanho conhecimento em aritmética. Tampouco conhecimento
jurídico - vide as recorrentes afrontas à lei protagonizadas por aqueles que,
por mais que ele jure de pés juntos que não, eram gente da sua confiança.
Lula, enquanto presidente, sempre divertiu a Nação com as suas impropriedades
e enormidades. Tudo nele era perdoado em razão de seu passado humilde. Quem não
se lembra da "épica" explicação dada por ele, num evento na África, de como a
poluição produzida por um país afetava os demais países por causa do fato de a
"Terra ser redonda e girar", fazendo com que todos fossem obrigados a passar por
baixo daquela poluição?
Hoje, tudo isso não conta mais. Quando o seu nome desponta entre os mais
cotados para vir a substituir Dilma Rousseff, porém, fica a pergunta: ele de
novo?
Este "ele de novo" está eivado de significados. Um deles é o de prorrogar a
permanência desta turma no poder por, no mínimo, mais quatro anos - isso está,
evidentemente, acima da capacidade de resistência da Nação. Mais um "mensalão"
ninguém aguenta. Fora todas as outras atrocidades que certamente continuariam a
ser cometidas contra nosso bom senso e nossos bolsos. Uma mistura que inclui
incompetência, letargia e escândalos de corrupção. A conta a ser quitada vai
muito além das fronteiras de nossa imaginação. E certamente da habilidade
aritmética do nosso ex-presidente.
A "mais valia" governista assustaria até os mais ferrenhos marxistas.
Atualmente ela se encontra em quase 40% de todas as riquezas produzidas no País.
Com mais quatro anos de governo "lulopetista", sabe lá Deus onde vai parar.
Mas a possibilidade de uma eventual troca de candidatura, da nossa atual
presidente pela de Lula, é real. E será ainda mais se a sua "análise aritmética"
concluir que as chances de Dilma Rousseff sair derrotada pelas urnas aumentaram.
Lula certamente seria um candidato menos derrotável. Não creio que o PT morra de
amores por Dilma, o problema maior seria como convencer a população de que fora,
mais uma vez, "apunhalado pelas costas" por um de seus companheiros. Do
contrário, por que haveria de substituí-la? Não tinha sido ela a grande
"gerenta" responsável pelo suposto sucesso do seu governo?
Assim sendo, vamos, com todo respeito, propor a Lula um pacto de cavalheiros.
Faltam ainda alguns meses para o sufrágio de outubro. A tendência apontada nas
pesquisas é de que haverá um bolo geral. Ninguém pode apontar, desde já, quem se
sairá melhor nesse enfrentamento.
A proposta é a seguinte: ele desiste de disputar o pleito e, em troca, nós
lhe providenciaremos uma "super Bolsa Família". Não sei se seria o mais justo,
mas certamente nos custaria bem menos do que a sua presença, e a de todos os
seus aliados, no comando do País. Talvez se, na hora de escolher seus
companheiros, tivesse ele invertido sua equação e feito um julgamento 80%
jurídico e 20% político, seu fim pudesse ser um pouco mais digno...