O Estado de São Paulo
A internet é, frequentemente, o bode expiatório para justificar a crise do
jornalismo. Os jovens estão "plugados" horas sem-fim. Já nascem de costas para a
palavra impressa. Será? É evidente que a juventude de hoje lê muito menos. Mas
não é somente a moçada que foge dos jornais. Os representantes das classes A e B
também têm aumentado a fileira dos navegantes do espaço virtual.
O público dos diários, independentemente da faixa etária, é constituído por
uma elite numerosa, mas cada vez mais órfã de jornalismo de qualidade. Num
momento de ênfase no didatismo, na infografia e na prestação de serviços -
estratégias convenientes e necessárias -, defendo a urgente necessidade de
complicar as pautas. O leitor que devemos conquistar não quer, como é lógico, o
que pode conseguir na internet. Ele quer conteúdo relevante: a matéria
aprofundada, a reportagem interessante, a análise que o ajude, de fato, a tomar
decisões.
Para sobreviverem os grandes jornais precisam fazer que seja interessante o
que é relevante. O jornalismo impresso deve ser feito para um público de paladar
fino e ser importante pelo que conta e pela forma como conta. A narração é cada
vez mais importante.
Quem tem menos de 30 anos gosta de sensações, mensagens instantâneas. Para
isso a internet é imbatível. Mas há quem queira entender o mundo. Para estes
deve existir leitura reflexiva, a grande reportagem. Será que estamos dando
respostas competentes às demandas do leitor qualificado? A pergunta deve fazer
parte do nosso exame de consciência diário.
Antes os periódicos cumpriam muitas funções. Hoje não cumprem algumas delas.
Não servem mais para nos contar o imediato, o que vimos na televisão ou acabamos
de acessar na internet. E as empresas jornalísticas precisam assimilar isso e se
converter em marcas multiplataformas, com produtos adequados a cada uma delas.
Não há outra saída!
O que se nota é que os jornais estão lentos para entender que o papel é um
suporte que permite trabalhar em algo que a internet e a rede social não podem:
a seleção de notícias, o jornalismo de alta qualidade narrativa e literária. Gay
Talese, um dos fundadores do New Journalism (novo jornalismo) - uma maneira de
descrever a realidade com o cuidado, o talento e a beleza literária de quem
escreve um romance - é um crítico do jornalismo sem alma e sem graça. É preciso
"contar a história de uma forma que nenhum blogueiro faz, algo para ser lido com
prazer". É isso que o público está disposto a pagar. A fortaleza do jornal não é
dar notícia, é se adiantar e investir em análise, interpretação e se valer de
sua credibilidade.
Estamos numa época em que informação gráfica é muito valiosa. Mas um diário
sem texto é um diário que vai morrer. O suporte melhor para fotos e gráficos não
é o papel. Há assuntos que não é possível resumir em poucas linhas. Assistimos a
um processo de superficialização dos jornais. Queremos ser light, leves,
coloridos, enxutos. O risco é investir na forma, mas perder no conteúdo. Olhemos
para o sucesso da revista britânica The Economist. Algo nos deveria dizer. Não é
verdade que o público não goste de ler. O público não lê o que não lhe
interessa, o que não tem substância, o que não agrega, não tem qualidade. Um bom
texto, para um público que compra a imprensa de qualidade, sempre vai ter
interessados.
Daí a premente necessidade de um sólido investimento em treinamento e
qualificação dos profissionais. Para mim, o grande desafio do jornalismo é a
formação dos jornalistas. O jornalismo não é máquina, tecnologia, embora se
trate de suporte importantíssimo. O valor dele se chama informação de alta
qualidade, talento, critério, ética, inovação. Por isso são necessários
jornalistas com excelente formação cultural, intelectual e humanística. Gente
que leia literatura, seja criativa e motivada.
O conteúdo precisa fugir do previsível. O noticiário de política, por
exemplo, tradicionalmente forte nos segmentos qualificados do leitorado, perdeu
vigor. Está, frequentemente, dominado pela fofoca e pelo declaratório. Fazemos
denúncias - e é importante que as façamos -, mas, muitas vezes, faltam
consistência e apuração sólida. O resultado é a pauta superada por um novo
escândalo. Fica no leitor a sensação de que não aprofundamos, não conseguimos ir
até o fim. O marketing político avançou além da conta. Estamos assistindo à
morte da política e ao advento da era do declaratório e da inconsistência.
Políticos e partidos vendem uma bela embalagem, mas fogem da discussão das
ideias e das políticas públicas. Nós, jornalistas, somos - ou deveríamos ser - o
contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e mostrar
a realidade. Só nós, estou certo, podemos minorar os efeitos perniciosos do
espetáculo audiovisual que, certamente, não contribui para o fortalecimento de
uma democracia sólida e amadurecida.
Uma cobertura de qualidade é, antes de mais nada, uma questão de foco. É
preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a
agenda do cidadão. O nosso papel é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas,
identificar suas carências e cobrar soluções dos governantes. O jornalismo de
registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a
verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção
pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a
notícia do lixo declaratório.
Somente um sério investimento em qualidade, rigor e relevância garantirá o
futuro dos jornais. Ninguém resiste a uma boa história, ao texto bem apurado, ao
ímã mágico de uma bela reportagem