segunda-feira, 3 de março de 2014

Drummond: “Um Homem e seu Carnaval”

Blog Augusto Nunes - Veja

(Foto: Brazil Nuts)
“(…) As fitas, as cores, os barulhos / passam por mim de raspão” (Foto: Brazil Nuts)

Este poema do grande Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) faz parte de seu primeiro livro, Brejo das Almas, editado em 1934 pela cooperativa Os Amigos do Livro, de Belo Horizonte.

Um Homem e seu Carnaval

Deus me abandonou
no meio da orgia
entre uma baiana e uma egípcia.
Estou perdido,
Sem olhos, sem boca
sem dimensões.
As fitas, as cores, os barulhos
passam por mim de raspão.
Pobre poesia.
O pandeiro bate
é dentro do peito
mas ninguém percebe.
Estou lívido, gago.
Eternas namoradas
riem para mim
demonstrando os corpos,
os dentes.
Impossível perdoá-las,
sequer esquecê-las.
Deus me abandonou
no meio do rio.
Estou me afogando
peixes sulfúreos
ondas de éter
curvas curvas curvas
bandeiras de préstitos
pneus silenciosos
grandes abraços largos espaços
eternamente.