Manoel Carlos, autor da nova atração da Globo às nove da noite: “Novela é o pão de cada dia”

Manoel Carlos: “Da perda de meu flho mais velho, não me recuperei até hoje. A terceira guerra não seria nada perto do que estou vivendo” (Foto: Ernani D’Almeida)
Entrevista concedida a Marcelo Marthe, publicada em edição impressa de VEJA
“NOVELA É O PÃO DE CADA DIA”
O autor da próxima atração das 9 da Rede Globo nega a intenção de se aposentar – e conta que o mergulho no trabalho tem sido sua forma de atenuar a dor da perda de um filho
Manoel Carlos não é só o decano dos noveleiros da Globo. A trajetória do autor de 80 anos – que voltará ao ar no dia 3, na próxima trama das 9, Em Família – confunde-se com a história da televisão, do teleteatro ao vivo aos musicais dos anos 60.
Mas foi com as novelas da Globo que Maneco – também colunista de VEJA RIO – alcançou a consagração. Com um registro realista e uma acurada crônica dos costumes cariocas, sucessos como Mulheres Apaixonadas, de 2003, lhe valeram o epíteto de “Tchekov das novelas”.
Entrevistado em um escritório da Globo no Leblon, Manoel Carlos falou de TV, do Brasil, de velhice – e de como escrever uma novela atenua a dor causada pela morte do mais velho de seus cinco filhos.
Em Família será seu passaporte rumo à aposentadoria?
De jeito nenhum. O que desejo é me dedicar a obras mais curtas após a novela. Além de mim, aliás, vários autores já pleitearam reduzir a duração das novelas das 9. Escrever 180 capítulos é exaustivo. Infelizmente, não podemos intervir nas estratégias da Globo.
Minha idade pede que eu trabalhe num ritmo mais ameno, mas não vou me aposentar. A despeito do que o destino me reserve, tenho contrato até 2017. E gosto do que faço. Se estou relativamente inteiro aos 80 anos, é porque não parei de trabalhar desde os 14.
Nem a perda de seu filho mais velho, em 2012, afetou a vontade de trabalhar?
Ao contrário. Tem sido muito duro lidar com a perda de meu filho, mas minha reação de defesa é um desejo intenso de mergulhar no trabalho. Algumas pessoas podem pensar que estou sendo forçado a fazer essa novela. Não.
Depois da morte do Maneco, meu filho mais velho, fui chamado pelo Manoel Martins (diretor de entretenimento da Globo). Ele disse que eu poderia fazer o que quisesse: trabalhar, viajar ou ficar em casa sem fazer nada. Respondi que queria fazer uma novela o mais rápido possível.
Só um trabalho tão pesado será capaz de afastar um pouco meus pensamentos dessa perda. Eu busco preencher meus dias e minhas noites. Você não procura trabalho se tem problemas? É uma terapia. Mas, a qualquer momento, eu posso abrir mão. Faço a novela sob esta condição: se não aguentar, passo a bola para meus colaboradores.
O fato de ter sido o segundo filho que o senhor perdeu tornou as coisas mais difíceis?
Foram situações diferentes. A morte do Ricardo, o primeiro filho que perdi, foi uma infelicidade para a qual eu pude me preparar, pois ele contraiu o vírus HIV nos anos 80, quando só havia um remédio para a aids, o AZT. Se fosse hoje, com os novos coquetéis de drogas, ele estaria vivo. Mas se tratava, enfim, de uma tragédia anunciada. Agora, não.
A morte de meu filho Maneco num ataque fulminante do coração foi algo absolutamente imprevisto. Foi como se eu abrisse a porta do quintal e, do nada, visse um disco voador aterrissado ali. Não era possível estar acontecendo.
Da perda desse filho, não me recuperei até hoje. O que poderia ser mais grave? A terceira guerra mundial não seria nada perto do que estou vivendo. É quando a morte dos pais, irmãos e amigos fica muito menor. Junto com ele, metade de mim foi arrancada.
O senhor vai tocar nesse assunto na novela?
Em princípio, não. Hoje, afinal, talvez nem tenha condições de fazer isso. Mas novela é uma obra aberta. Posso mudar de ideia. E a perda será um tema presente: a morte do pai terá grande repercussão na vida do protagonista. Mas não pretendo exagerar na dose.
Em novelas, a morte não é um tema fácil de abordar. Às vezes, as pessoas reclamam de estar vendo algo muito triste. Outras vezes, dizem que a história é fantasiosa por não mostrar a morte de ninguém. O autor nunca sabe que reação despertará no público.
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