Falta de estrutura, preços abusivos e suspeitas de corrupção transformam a conferência climática em Belém na antítese do que prometia o governo Lula: um evento sustentável, inclusivo e transparente
“V ocê aceita uma oração?” Essas são as primeiras palavras ouvidas por quem desembarca no aeroporto de Belém para participar da COP30. Jolsisney, jovem morador da capital paraense que se identifica como um “missionário de Jesus”, aparece com uma Bíblia na mão oferecendo uma bênção. Para quem vai encarar duas semanas de Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas não fica claro se é um ato religioso ou um ritual propiciatório.
Na verdade, é golpe. No momento em que Jolsisney pega as mãos do incauto viajante chega um guarda do aeroporto gritando: “Sai que é cilada. Depois ele vai querer um Pix salgado”. Os causos do aeroporto de Belém são sintomas do que aguarda os participantes da COP30. Um evento que conseguiu unir caos, calor e preços exorbitantes.
Com uma grande pitada de hipocrisia em nome da sustentabilidade. A desorganização aparece antes mesmo de os participantes pisarem nos pavilhões temáticos. A prefeitura de Belém obrigou os 15 mil taxistas da cidade a adesivar seus carros com a inscrição “COP30 na Amazônia”, garantindo que, assim, poderiam desembarcar os passageiros na porta do evento. Não combinaram com a ONU, que proibiu o acesso.
Os carros têm de parar a quase 1 quilômetro da entrada, obrigando os delegados a caminhar debaixo do sol inclemente do Pará, carregando bolsas e equipamentos. Impossível alcançar o ingresso sem estar completamente enxarcados de suor.
Árvores artificiais na cidade-sede da COP30 | Foto: Leonardo Macêdo/Ascom Seop
Depois de enfrentar longas filas e controles de raios X para entrar na chamada “Blue Zone”, área reservada para negociadores, ativistas e jornalistas, o visitante é confrontado com uma dura realidade: o calor só piora. Dezenas de milhares de pessoas circulam freneticamente pelos 160 mil metros quadrados de um galpão construído às pressas, sob centenas de luzes e holofotes ligados. Nem os 160 gigantescos aparelhos de ar condicionado posicionados em volta da estrutura dão conta de resfriar o ambiente. Pior, acabam jogando ar quente para dentro. Máquinas inadequadas e alimentadas a diesel, combustível altamente poluente, que deveriam esfriar uma conferência sobre o clima. Contrassensos verdes.
No primeiro dia da Cúpula dos Líderes, chefes de Estado e jornalistas se depararam com falhas básicas de infraestrutura: torneiras sem água, quedas de energia e internet instável. Enquanto as autoridades discursavam sobre sustentabilidade, técnicos corriam entre cabos e painéis tentando manter o evento de pé. As justificativas oficiais, de que se tratava apenas de “pequenos ajustes”, ampliaram a percepção de despreparo para um encontro de alcance global.
A contradição se estende aos preços praticados dentro do complexo da conferência. Uma simples garrafa de água custa R$ 25; um brigadeiro, R$ 20; e um café, R$ 35; uma coxinha, R$ 45. Um jornalista viralizou depois de relatar ter pago R$ 99 por dois salgados e um refrigerante. Quiosques ofereciam “Hambúrgueres Veganos”, “Artisan Café” e “Delícias Quilombolas” a preço de refeições com estrelas Michelin.
Em uma cidade marcada por desigualdades socioeconômicas, a experiência da COP30 ficou restrita a quem pode pagar caro por um evento que se propunha inclusivo. A promessa de valorização das cadeias produtivas amazônicas cedeu lugar a contratos pouco transparentes e valores inflacionados que afastam os próprios moradores da região. Sem contar as evidentes falhas de segurança. No perímetro da Blue Zone apenas uma dúzia de soldados mal equipados, ocupados mais em brincar com seus celulares do que em garantir a incolumidade dos participantes.
Resultado: menos de 48 horas após o início da Cúpula dezenas de manifestantes vestidos como índios e com uma enorme bandeira da Palestina conseguiram penetrar na área reservada, devastando tudo que encontraram pela frente. Os policiais da ONU, enviados de Nova York, foram obrigados a intervir, e quatro deles acabaram feridos. Um vexame global.
Até a ONU protestou A incompetência na organização acabou provocando reclamações da própria Organização das Nações Unidas. O secretário-executivo da UNFCCC (o braço climático das Nações Unidas), Simon Stiell, enviou aos governos Lula e Barbalho uma dura carta na qual aponta falhas de infraestrutura e de segurança, e exige que os problemas sejam resolvidos imediatamente. O documento também destacou os problemas logísticos, como alagamentos, altas temperaturas, banheiros imundos e outros, que tornam difícil trabalhar no ambiente da conferência.
Essa foi a primeira vez na história das COPs que a ONU é obrigada a enviar uma carta protestando veementemente sobre a organização. E a primeira em absoluto onde as Nações Unidas citam expressamente os sanitários.
Um tapa na cara diplomático, que se junta às críticas recebidas pelo presidente dos Estados Unidos. Donald Trump classificou como “escândalo” a construção da Avenida da Liberdade — uma espécie de “Rodoanel de Belém”, com 14 quilômetros de extensão e 30 metros de largura, que teria resultado na derrubada de 100 mil árvores. “Eles devastaram completamente a Floresta Amazônica para construir uma rodovia de quatro faixas para ambientalistas circularem”, escreveu Trump em sua rede social. O governo brasileiro rebateu dizendo que a obra não integra o pacote federal da COP30. O governador do Pará, Helder Barbalho, jogou para a plateia. “Esperamos você aqui com um tacacá. É melhor agir do que postar”, escreveu no X. E saiu passeando por Belém com o governador da Califórnia, prometendo um Vale do Silício amazônico. A polêmica reforçou o descompasso entre o discurso ambiental e as práticas adotadas em seu entorno.
Por exemplo, os dois transatlânticos contratados pelo governo federal para aliviar a carência de vagas em hotéis em Belém, pouco acostumada a receber turistas. O MSC Seaview e o Costa Diadema, dois gigantes do mar com cerca de 6 mil quartos, chegaram da Itália exclusivamente para hospedar os participantes da COP30. Foram 11 dias de navegação, cada um queimando respectivamente 300 mil litros e 135 mil litros de combustível por dia. Permanecerão por mais de 20 dias ancorados no Porto de Outeiro, terminal de cargas localizado a 40 quilômetros do local da Cúpula. Local periférico tradicionalmente esquecido pelo poder público paraense. Um povoado sem esgoto ou água limpa nas torneiras, com lixo esquecido nas ruas. Um contraste estridente com o luxo dos navios de cruzeiro.
Fracasso diplomático
O fracasso diplomático da COP30 ficou claro antes mesmo que ela começasse oficialmente. Na Cúpula do Clima, realizada na semana antes da COP, apenas 31 chefes de Estado e de governo compareceram. A menor participação desde a COP25, em 2019, em Madri. Nenhum líder do Mercosul ou de países dos Brics, organizações onde o Brasil tem papel de destaque, deu as caras no Pará.
Até o coquetel organizado por Janja e Lula em homenagem aos políticos estrangeiros presentes acabou se tornando vexaminoso. Ninguém compareceu. No local foram vistos atacando canapés e champanhe apenas a ex-presidente Dilma Rousseff, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
Na ausência de líderes internacionais o que aparecem de sobra nos corredores da COP30 são ativistas, ambientalistas, ongueiros e outras categorias de exaltados. Que perambulam atarantados de pavilhão em pavilhão com olhos esbugalhados, repetindo jargões e despejando a arrogância típica dos fanáticos. E que usa seu tempo se travestindo de animais e desfilando de quatro patas pelos corredores da Cúpula. Uma turba de desocupados que, caso fosse empoderada, não teria o mínimo receio moral em proibir o consumo da carne, viagens de carro ou a venda de papel higiénico. Tudo em nome da natureza. Mas contra o homo sapiens.
Folclore a parte, o fracasso da COP30 para o Brasil será do tamanho de R$ 1,3 trilhão. O governo Lula lançou a ideia de um fundo chamado TFFF (Fundo Florestas Tropicais para Sempre, na sigla em inglês), onde os países ricos deveriam colocar US$ 25 bilhões e doadores particulares outros US$ 100 bilhões. Entretanto, até o final da primeira semana da COP30 foram obtidos apenas US$ 5,5 bilhões, dos quais US$ 1 bilhão prometido pelo próprio Brasil.
A Noruega, um dos maiores produtores mundiais de petróleo e gás, doou US$ 3 bilhões. A Indonésia, outra nação que boia em combustíveis fosseis, outro US$ 1 bilhão. Mas ficou nisso mesmo. Portugal e Países Baixos anunciaram apenas US$ 1 milhão. A França, US$ 500 milhões. Alemanha, Espanha, Reino Unido e até mesmo a China se recusaram oficialmente a participar, alegando riscos financeiros.
Em bom português, perceberam que o fundo não tem pé nem cabeça. Na melhor das hipóteses, vai acabar comprando dívida pública de países em desenvolvimento, como o Brasil. Na pior, vai financiar ONGs escolhidas pelos Executivos receptores dos fundos, como o governo Lula.
Para inglês ver
Com promessas de sustentabilidade, inclusão e diálogo com comunidades locais, a COP30 chegou a Belém como vitrine global da Amazônia. Mas o que se viu foi um cenário de contradições — da infraestrutura precária aos gastos excessivos, da retórica verde aos projetos que ferem o próprio bioma que a conferência pretende defender. O encontro que deveria unir o mundo em torno da preservação ambiental termina revelando, mais uma vez, a distância entre o palco e a floresta.
Se as avenidas que levam até a COP30 foram todas asfaltadas há poucos dias, dando a impressão de eficiência administrativa, basta virar algumas esquinas do local da Cúpula para que o cenário mude radicalmente.
Com o evento marcado por falhas estruturais e gastos excessivos, a oposição sustenta que a COP30 se tornou “um símbolo de desperdício e má gestão”.
Há menos de 300 metros já começam passagens e baixadas que cortam as favelas da capital paraense, onde o discurso de sustentabilidade dá lugar ao cheiro forte do esgoto a céu aberto, ao lixo espalhado e às obras de saneamento paradas há anos. As ruas de terra encharcadas, as casas improvisadas e a rotina de enchentes desenham uma Belém invisível, aquela que não aparece nas transmissões oficiais da conferência climática.
Na passagem Santa Rosa, Edilson Ribeiro, de 61 anos, vive há mais de duas décadas em meio ao descaso: “Já tenho mais de 25 anos aqui, e nunca melhoraram nada”. “É esgoto e lama”, relatou. “A água entra em casa, vai até a canela. Eu mesmo tenho que desentupir o cano, porque se não fizer isso, alaga tudo. É um perigo para nós, é água suja e vem esgoto de todo lado.”
Enquanto o governo investiu bilhões para preparar a estrutura da COP30, Edilson diz viver a realidade oposta: “Não temos a atenção do governo. Eles fazem onde é bonito para mostrar para fora, mas aqui ninguém olha. Eu pago imposto, mas quem tem que cuidar do esgoto sou eu mesmo”, desabafa. Ele se emociona ao falar sobre a sensação de abandono: “Somos esquecidos. Só Deus olha por nós. É um descaso total.”
A poucos metros dali, Cleide Rodrigues, 58 anos, compartilha a mesma indignação. Doméstica e moradora do local há quatro décadas, ela lembra que o problema do saneamento nunca passou do discurso político. “Sempre foi assim”, disse. “O esgoto continua na porta. Quando chega a eleição, os políticos vêm tirar foto, prometer, e somem. Agora com a COP30, está tudo bonito por fora nas avenidas, mas aqui dentro continua do mesmo jeito. Estamos a cinco minutos do shopping, mas parece outro mundo. O rico é lembrado, e nós ficamos esquecidos.”
O contraste é visível: enquanto as avenidas que ligam os pontos turísticos ganham nova pavimentação, iluminação e paisagismo para receber delegações estrangeiras, as passagens internas seguem cobertas de lama. Moradores afirmam que não foram consultados nem incluídos em qualquer programa de melhoria urbana. “A COP30 é para quem vem de fora”, lamentou Cleide. “Para nós, é só medo e revolta. O governo devia olhar pra quem mora aqui, porque a gente também faz parte da cidade.”
Em meio a promessas antigas e canteiros de obras paralisados, os moradores da periferia de Belém assistem à COP30 como quem vê uma festa para a qual não foram convidados. Do outro lado dos muros recém-pintados, a realidade é de sobrevivência diária. Para eles, a conferência que fala em salvar o planeta começa falhando em enxergar as pessoas que vivem dentro da própria Amazônia.
Ofensiva do Congresso
A oposição na Câmara dos Deputados retomou a coleta de assinaturas para a criação da CPMI da COP30, depois de denúncias de superfaturamento e má gestão na organização do evento em Belém. O foco das investigações é o contrato entre o governo Lula e a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI) — uma ONG espanhola que, segundo documentos da liderança da Oposição, já recebeu quase R$ 1 bilhão em repasses públicos sem licitação, por meio de acordos de “cooperação técnica internacional”.
O líder da Oposição, deputado Zucco (PL-RS), acusa a OEI de atuar como “atravessadora” de contratos que deveriam seguir a Lei de Licitações, subcontratando empresas já ligadas a ministérios e cobrando taxas de administração de até 10%. A representação protocolada no TCU, relatada pelo ministro Bruno Dantas, aponta indícios de sobrepreço, falta de transparência e irregularidades contratuais.
Para Zucco, trata-se de um “esquema institucionalizado de desvio de recursos públicos”, disfarçado sob o discurso de sustentabilidade e inclusão. Com o evento marcado por falhas estruturais e gastos excessivos, a oposição sustenta que a COP30 se tornou “um símbolo de desperdício e má gestão”. O requerimento da CPMI da COP30 já soma cerca de 100 assinaturas e deve ganhar força com o avanço das apurações no TCU. Para Zucco, “o Congresso precisa investigar a fundo quem ganhou e quem lucrou com esse modelo fajuto de cooperação”.
Barqueata da Cúpula dos Povos leva mais de 200 embarcações à Baía do Guajará durante a 30ª Conferência das Partes (COP30), em Belém (12/11/2025) | Foto de Hermes Caruzo/COP30
Carlo Cauti e Sarah Peres - Revista Oeste