sexta-feira, 14 de novembro de 2025

'A COP e a Copa', por Alexandre Garcia

Logo conheceremos a relação entre ambas, quando aparecerem as contas, como as das construções dos estádios. O gasto que fica sem uso, sem benefício para o povo, como o Arena Amazônia

Entrada do local que sedia a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), um dia após manifestantes indígenas invadirem o prédio e entrarem em confronto com as forças de segurança, exigindo ações climáticas e a proteção da floresta amazônica, em Belém, Brasil (12/11/2025) - Foto: Reuters/Anderson Coelho

 

L ula inventou de fazer em Belém; os Barbalhos ficaram muito agradecidos. O governo federal lá investiu R$ 5 bilhões dos impostos de todos. Se esse montante tivesse ajudado a resolver o saneamento básico de Belém, teria sido um grande resultado. Mas o esgoto continua a céu aberto e as preocupações midiáticas com a natureza esquecem a natureza humana. Aliás, tudo parece um showmício, ou um happening, como foi aquele desfile de humanos fantasiados de animais na abertura do estande do Ministério do Turismo, um evento ridículo. De fato essa COP30 foi uma vitrine, uma amostra involuntária da realidade amazônica. 


Grupo Arraial do Pavulagem na abertura da sessão plenária da Cúpula do Clima de Belém, (6/11/2025) | Foto: Reuters/Anderson Coelho 

Estrangeiros de países mais civilizados — e mesmo brasileiros de Estados mais abaixo do equador — assustaram-se não apenas com os preços, mas com a falta de condições urbanas e, digamos, cívicas, no conjunto. Segundo relatos de colegas que para lá foram trabalhar, a vulgaridade imperou, talvez comandada pela dancinha da primeira dama no convés do iate. Autoridades europeias contribuíram para as bobagens, pegando no colo animais amazônicos em cativeiro. Ninguém teve coragem de fazer como Theodore Roosevelt e conhecer a Amazônia por dentro. Tentaram guardar distância sanitária. 

Mas a Amazônia adentrou na COP. Teve que forçar a entrada, pois estava sem credencial. E representava bem a diversidade contida em tantos discursos como palavra mágica, embora abstrata. Brasileiros indígenas, estudantes, partidários do Psol e do Hamas, julgaram que falar de natureza, clima, antipoluição não combina com a decisão de furar a foz do Amazonas para tirar petróleo. Que isso revelaria a hipocrisia das palavras de ordem da COP. Aliás, falsidade confirmada no porão de máquinas do iate presidencial, queimando diesel o dia inteiro, para ter eletricidade e ar-condicionado para a corte.


Manifestantes, incluindo indígenas, forçam a entrada no local que sedia a COP30 (11/11/2025) | Foto: Reuters/Anderson Coelho

Um desfile fluvial também reuniu a diversidade amazônica. Ribeirinhos, indígenas, pescadores, pequenos agricultores, pequenos criadores, garimpeiros de subsistência, prestadores de serviços náuticos tentaram chamar a atenção dos estrangeiros para a realidade de suas vidas difíceis, no cotidiano da luta pela sobrevivência, sem a presença assistencial do Estado em saúde e educação. 

Esses amazônidas são os que garantem que onde eles estão trabalhando é Brasil, e não terra de ninguém. O Brasil é Brasil quando o território é ocupado pela atividade de brasileiros trabalhadores — não de PCC ou CV, e muito menos de facções criminosas de México, Colômbia e Venezuela. 


No interior do Pará, plantadores de cacau são expulsos por órgãos federais, deixando para trás, além das plantações, casas, escolas, igrejas — e uma vida de trabalho.


O serviço de informações do governo federal sabe muito bem quem controla a navegação quando o rio Amazonas entra no Brasil sob o nome de Solimões. Por ironia, o iate presidencial flutua em águas contaminadas na origem, pelo Comando Vermelho — o mesmo que Lula considerou vítima de matança no Rio. O concorrente PCC tem por matriz Coari, rio abaixo e no centro da floresta. Depois vem CV de novo, como se deduz pelas duas letras em vermelho pintadas em muros e paredes de cidades paraenses.


Lula e Janja a bordo do iate no dia da visita às comunidades quilombolas em Acara, Pará (3/11/2025) - Foto: Reuters/Anderson Coelho 

Meus amigos no interior do Estado que está sediando a COP me contam — e mandam vídeos — que ações federais se limitam ao que é mais fácil de expulsar: brasileiros pobres, agricultores, criadores, no passado assentados pelo Incra e agora expulsos porque criaram depois território indígena. O discurso de Lula lembra que as áreas indígenas ocupam 13% do território nacional e afirma que é pouco, precisa expandir. Na verdade, são 14%. A agricultura, que põe comida na mesa e divisas no balanço de pagamentos, usa 8% do território nacional. 

As reportagens sociais da COP mostram mesas sofisticadas e uma sobremesa de chocolate belga. No interior do Pará, plantadores de cacau são expulsos por órgãos federais, deixando para trás, além das plantações, casas, escolas, igrejas — e uma vida de trabalho — e litros de suor, que não são derramados sob o ar condicionado gerado por litros de diesel do iate presidencial. Mas por que esse título, lá em cima? O que a COP tem a ver com a Copa? Logo saberemos, quando aparecerem as contas, como as das construções dos estádios. O gasto que fica sem uso, sem benefício para o povo, como o Arena Amazônia.

Tudo indica que também haverá relação com o resultado. Na Copa, foi 7 a 1 contra o Brasil.

 

A Praia de Brasília se tornou atração turística devido aos navios de cruzeiro usados para acomodar as delegações no distrito de Outeiro, em Belém (5/11/2025) | Foto: Reuters/Anderson Coelho 

Alexandre Garcia - Revista Oeste