sexta-feira, 23 de setembro de 2022

'O Mito do Sísifo', por Rodrigo Constantino

 

Na mitologia grega, Sísifo foi o mais astuto dos homens, punido pelos deuses a rolar uma pedra montanha acima por toda a eternidade | Foto: Reprodução


A cada novo dia lá vou eu repetir cada ato, cada cena, explicando aos desatentos como o esquerdismo radical é perigoso, desmontando falácias criadas pela turma da imprensa


Sísifo, fundador da cidade de Éfira, desobedeceu aos deuses quando disse que voltaria ao mundo dos vivos apenas para castigar sua negligente mulher, prometendo logo depois regressar ao mundo dos mortos. Hermes, o deus mensageiro e condutor das almas para o Além, decidiu então castigá-lo pessoalmente, impondo um duro castigo a Sísifo, pior do que a morte. Ele foi condenado para todo o sempre a empurrar uma pedra até ao cimo de um monte, caindo a pedra invariavelmente da montanha sempre que o topo era atingido. Este processo seria sempre repetido até a eternidade.

O Mito de Sísifo é um ensaio filosófico escrito por Albert Camus, em 1941, inspirado pela mitologia grega. Para Camus, o homem vive num ambiente desconexo, em busca de sentido, flertando com o suicídio como única saída racional para essa suposta falta de sentido e propósito. A alternativa é a revolta diante desse mundo absurdo. “Este mundo não é razoável em si mesmo, eis tudo o que se pode dizer. Porém o mais absurdo é o confronto entre o irracional e o desejo desvairado de clareza cujo apelo ressoa no mais profundo do homem”, escreve Camus.

Ele continua: “Neste ponto do seu caminho, o homem se encontra diante do irracional. Sente em si o desejo de felicidade e de razão. O absurdo nasce desse confronto entre o apelo humano e o silêncio irracional do mundo”. Camus trata, então, de Sísifo e seu castigo: “Já devem ter notado que Sísifo é o herói absurdo. Seu desprezo pelos deuses, seu ódio à morte e sua paixão pela vida lhe valeram esse suplício indizível no qual todo o ser se empenha em não terminar coisa alguma. É o preço que se paga pelas paixões desta Terra”.

Mas não quero, aqui, tratar do suicídio filosófico, da fenomenologia ou do debate existencialista. O intuito é bem mais prosaico, comezinho, simplório. Utilizo a ideia do mito de Sísifo apenas para retratar um castigo que sinto na pele, talvez imposto pelos deuses por algum pecado meu qualquer: tenho de desmascarar falácias esquerdistas a cada eleição, apenas para uma vez mais recomeçar do zero o esforço. Não há um destino, um ponto de chegada. Mas, voltando a Camus, “a própria luta para chegar ao cume basta para encher o coração de um homem”. Ainda que esteja enxugando gelo, “é preciso imaginar Sísifo feliz”.

Não vou, portanto, bancar a vítima ou choramingar. É este o meu fardo neste mundo, e admito o talento sem falsa modéstia, que deve, então, ser utilizado para uma causa nobre, justa. Não nego, contudo, que seja tarefa deveras cansativa. Há momentos em que me sinto preso no tempo, como Bill Murray no filme O Feitiço do Tempo. A cada novo dia lá vou eu repetir cada ato, cada cena, explicando aos desatentos como o esquerdismo radical é perigoso, desmontando falácias criadas pela turma da imprensa. É o meu eterno dia da marmota, mas aprendi a lição: é preciso dar uma chance ao amor, mesmo nessa tarefa repetitiva e muitas vezes inglória. Faço o que faço com um sorriso estampado no rosto.

Aprendemos com a história que poucos aprendem com a história. Se errar é humano, insistir no erro é burrice. Mas a estultice campeia, eis a triste realidade. Se a imensa maioria fosse mais inteligente, não haveria tanta miséria espalhada por aí. E basta olhar em torno para verificar como são muitos os que ainda caem nas armadilhas populistas, nos truques sensacionalistas, na ladainha socialista. E olha que as roupagens dos embusteiros nem muda muito! Eles repetem o truque cientes de que há certo desejo de ser enganado por parte do povo — e da elite.

Se antes era possível dar um desconto pela ignorância, depois do Mensalão e do Petrolão isso ficou impossível

Em 1989 eu era apenas um adolescente, mas já fazia campanha contra o “sapo barbudo”. O mesmo se deu em 1994, já com mais consciência e repertório sobre os motivos para se combater o socialismo. Em 1998 eu já tinha conhecimento suficiente para condenar com farto embasamento o projeto petista. E em 2002 eu lutava com afinco contra o Foro de SP, até ver o inacreditável: o povo brasileiro escolhendo o absurdo, como se o petismo não fosse devidamente conhecido para ser rechaçado com veemência. Foram enganados por uma cartinha ridícula e um terno Armani!

Desesperado, escrevi meu livro contra o PT em 2005, publicado antes mesmo do Mensalão. A bandeira ética totalmente esgarçada já abria o primeiro capítulo. Depois falei dos projetos assistencialistas que criavam o voto de cabresto, do desarmamento totalitário, das cotas raciais que dividiam o povo para conquistar poder, da visão econômica ineficiente, das ligações perigosas com MST e ditadores comunistas, etc. Não era necessário saber dos podres revelados por Roberto Jefferson para conhecer o banditismo petista, bastante disseminado pelo sul.

Livro de Rodrigo Constantino contra o PT | Foto: Divulgação

Desde então só fiz aumentar meu desprezo por quem fechava os olhos e apostava uma vez mais no lulismo. Se antes era possível dar um desconto pela ignorância, depois do Mensalão e do Petrolão isso ficou impossível. Mas, no teatro do absurdo que é a vida, o impossível acontece com frequência assustadora. “Deturparam Marx” é a narrativa patética de cada novo experimento socialista, de quem não quer compreender que o problema reside no fundamento da ideologia, não em quem tentou colocá-la em prática. E lá vamos nós uma vez mais tentar explicar o óbvio…

Dessa vez, uma mídia desesperada pela abstinência de recursos públicos fez de tudo para pintar o presidente como o demônio em pessoa, um genocida, fascista, golpista extremamente perigoso para nossa democracia. Concomitantemente, empenhou-se no esforço homérico de reconstruir a imagem do ladrão socialista, como uma espécie de injustiçado perseguido por um juiz suspeito e partidário, que acabou sendo inocentado depois. Tudo falso, claro. Tudo discurso pérfido sem qualquer respaldo na realidade. Mas para quem vive da visão estética de mundo, de que serve a realidade, não é mesmo? E não faltou gente na esquerda caviar para comprar a valor de face essa narrativa surrada e patética.

Chegamos, então, às vésperas de mais uma eleição definitiva, que vai selar o destino do Brasil pelos próximos anos. E meu fardo consiste, uma vez mais, em dizer o óbvio: a escolha é evidente para quem não perdeu completamente o juízo. Você pode escolher a marcha pelas drogas ou aquela por Jesus. Você pode mirar nos exemplos fracassados da Argentina e da Venezuela ou olhar com mais admiração para países ricos e desenvolvidos que seguiram o liberalismo. Você pode defender bandido ou polícia. Você pode pregar aborto indiscriminadamente ou defender a vida. Você pode abraçar a corrupção sistêmica ou ter apreço pela coisa pública. Você pode desejar a roubalheira das estatais ou sua lucratividade e privatização. E por aí vai…

Estou empurrando minha rocha morro acima, com cada energia que meu corpo mais envelhecido é capaz de produzir. Faço isso com paixão, ainda que cansado, e sabendo que todo esforço será pontual, pois a rocha vai descer ladeira abaixo do outro lado, e terei de recomeçar tudo do zero. Aceito de bom grado esse meu castigo. Adoraria sonhar com o ponto final, no dia em que todos estariam cientes de quão nefasto é o socialismo e suas variantes enganosas. Mas não sou ingênuo a tal ponto. Sou realista, e por isso já vou me preparando psicologicamente para a nova rodada.

Só espero que a rocha não seja destruída de vez, ou roubada pelos safados. Pois, se não há um final feliz possível nessa árdua luta, o seu contrário não é verdadeiro. Ou seja, pode haver um final triste e definitivo. Perguntem aos venezuelanos se estou mentindo…

Revista Oeste