sexta-feira, 23 de setembro de 2022

'L de Lava Lula', por Guilherme Fiuza

 

Foto: Montagem Revista Oeste/Shutterstock


Várias pessoas em sequência fazendo um gesto de arma, seguido de um sinal referente a Lula. Conclusão imediata: assalto


Cena alarmante: surge um vídeo na tela com várias pessoas em sequência fazendo um gesto de arma, seguido de um sinal referente a Lula. Conclusão imediata: assalto. A leitura óbvia da mensagem era que, depois da rapinagem disfarçada de governo, agora o pessoal tinha optado diretamente pelo assalto à mão armada.

O susto inicial logo se abranda. Pensando bem, um assalto à mão armada assumido, ostensivo, bruto, poderia ser melhor do que mais de uma década vendo seus impostos e o fruto do seu trabalho serem comidos pelas beiradas — sob um véu de bondade, igualitarismo e ética que passarinho não bebe. Como diria o boticão, melhor sentir a dor de uma vez só.

Uma observação mais atenta ao tal vídeo, porém, traz uma nova e surpreendente percepção: não é o anúncio de um assalto. Você até se decepciona, pois já estava se apegando a essa experiência moderna de saber de forma leve e descontraída que será roubado — num comunicado musical cheio de sorrisos. Aí você cai das nuvens ao descobrir que aquilo é só um clip pacifista em defesa de um candidato do bem.

A ideia de transformar o gesto da arma em L de Lula é ousada. Se parte do público interpretasse que o L era de ladrão, poderia parecer que o clip estava propondo a entrega de um revólver ao bandido para que ele ficasse mais à vontade na limpeza do cofre. Talvez até coubesse um verso de esclarecimento: “Somos contra bandidos armados / não transigimos na defesa da paz / assalto com função social / sabemos o bem que isso faz”.

De qualquer forma, o clip é bom. Mostra de forma clara e empolgante que você pode transformar qualquer realidade tenebrosa num sonho todo azul, azul da cor do mar

Mas, pelo elenco do clip, o bom entendedor saberia que o L era de Lula. E claro que, no caso dessa gente boa, estamos falando daquele Lula honesto do William Bonner, não do Lula ladrão da Lava Jato. O título da canção inclusive poderia ter sido “Lava Lula”, o que retrataria com mais fidelidade a filosofia humanitária dos menestréis da picaretagem regenerada. Caberia até uma paródia do clássico de Luiz Melodia: “Lava Lula todo dia / que agonia / no apagar da roubalheira / que sumia…”

De qualquer forma, o clip é bom. Mostra de forma clara e empolgante que você pode transformar qualquer realidade tenebrosa num sonho todo azul, azul da cor do mar — dependendo, naturalmente, do seu talento para enganar os inocentes úteis e os trouxas. Também é muito importante que seu roteiro de vida te proteja de encontrar, mesmo que furtivamente, alguém que saiba ou possa deduzir quem você realmente é. Isso quebraria todo o encanto e a força cívica da mensagem democrática.

O ideal seria uma reedição da pandemia, como vive anunciando o companheiro Bill Gates, para que pudesse ser resgatado o slogan de proteção às vidas humanas “fique no ônibus que eu fico no sítio”. Aí daria para gravar um monte de clip democrático sem o risco de esbarrar com ninguém na rua — especialmente com aqueles milhões de farofeiros de verde e amarelo que se aglomeram em paz para disfarçar o seu ódio. Covid por um mundo melhor.

O TSE não precisaria ficar removendo vídeos de povo, pois o próprio povo estaria removido. Aí só faltaria o Ipec assumir o lugar do TSE para oficializar os percentuais da felicidade. Não precisaríamos mais sequer de eleição. Nem de clip.

Revista Oeste