quarta-feira, 16 de junho de 2021

Os próximos passos do soro anticovid desenvolvido pelo Butantan

diretora de Inovação do instituto, Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, explica a produção do composto e como funcionará a testagem em humanos


Fachada do Instituto Butantan, na zona oeste da cidade de São Paulo | Foto: Kevin David/A7 Press/Estadão Conteúdo
Fachada do Instituto Butantan, na zona oeste da cidade de São Paulo | Foto: Kevin David/A7 Press/Estadão Conteúdo

Com 120 anos de experiência na elaboração de soros dos mais diversos tipos, os pesquisadores do Instituto Butantan resolveram apostar no desenvolvimento de um soro capaz de combater os efeitos graves da covid-19. As pesquisas começaram ainda no ano passado e finalizaram-se cinco meses depois, em março deste ano.

Desde então, o Instituto Butantan tenta a aprovação do soro para teste em humanos. Ainda em março, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) avaliou o pedido e deu anuência para a pesquisa em brasileiros. Entretanto, a agência reguladora condicionou o início dos ensaios à entrega de documentos complementares, o que fez com que os estudos clínicos fossem adiados. O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, chegou a afirmar que a demora representava insegurança da Anvisa, que, segundo ele, sempre se manifesta depois de outras entidades internacionais.

No dia 25 de maio, finalmente, o Butantan recebeu autorização da Anvisa para o início de testes clínicos em humanos do soro anticovid. Agora, os pesquisadores aguardam os trâmites finais para iniciar a aplicação do soro em pacientes hospitalizados. A farmacêutica bioquímica e diretora do Centro de Desenvolvimento de Inovação do Instituto Butantan, Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, está à frente das pesquisas sobre o produto e conversou com Oeste sobre o andamento dos estudos clínicos.

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A diretora do Centro de Desenvolvimento e Inovação do Instituto Butantan, Ana Marisa Chudzinski-Tavassi | Foto: Divulgação/Butantan

1 — Como o soro foi desenvolvido pelo Instituto Butantan?

Primeiro, nossa equipe coletou e isolou o coronavírus de um paciente brasileiro infectado. Depois, esse vírus foi cultivado em laboratório e inativado por radiação gama, com a colaboração do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). Esse foi um diferencial do Butantan, porque, em vez de inativar o vírus por calor ou com o uso de agente químico, usamos a radiação justamente para não introduzir reagentes químicos no processo e preservar o vírus. Em seguida, submetemos a vários testes em camundongos, para atestar a segurança do produto.

Então, o vírus inativado foi aplicado em cavalos. Realizamos um esquema de imunização nos animais para obter uma hiper resposta e produzir uma grande quantidade de anticorpos. Depois, o plasma resultante [a porção líquida do sangue que contém fatores de coagulação, anticorpos e outras proteínas] foi coletado e processado pelo Butantan para dar origem ao soro.

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Soro de plasma de cavalo é até cem vezes mais potente que o produzido com plasma humano | Foto: Divulgação/IVB

2 — Como funciona o tratamento com o soro?

O objetivo do soro é atuar no tratamento da covid-19 e evitar que o paciente desenvolva o quadro grave da doença. Portanto, o soro só é indicado para pessoas infectadas com o coronavírus —, não é uma medida preventiva. Imagine que a pessoa está doente e seu organismo não tem tempo para produzir anticorpos. Então, injetamos um conjunto de anticorpos específicos, no caso, o soro, que vai reconhecer o vírus e bloquear sua replicação, impedindo o agravamento da doença.

3 — Quem receberá as primeiras doses e como será a aplicação?

No total, englobando as fases A e B dos testes, serão 60 pacientes. Nos testes clínicos, o soro será usado para tratar pacientes infectados com o coronavírus e hospitalizados, com alta probabilidade de evolução para as fases graves da doença. A aplicação do soro será via endovenosa; é, portanto, um procedimento restrito ao ambiente hospitalar. O grupo selecionado reúne pacientes com o sistema imune deprimido, seja por transplante ou por medicação (pacientes em quimioterapia). Os estudos clínicos serão feitos em parceria com o Hospital do Rim e com o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

4 — Quando começarão os testes?

Temos convicção de que o ensaio clínico deve começar na próxima semana. Está tudo pronto. As ampolas estão prontas, todo o material, mas falta destrinchar a papelada. Como somos uma instituição pública, temos contratos, prazos e trâmites. São questões burocráticas que ainda precisam ser finalizadas com a Anvisa.

5 — O que se espera dos testes clínicos em humanos?

O objetivo é atestar a segurança do soro, apontar a dose mais apropriada e descobrir a eficácia do soro em pacientes contaminados pelo coronavírus, mas que ainda não evoluíram para as fases graves da doença. Espera-se que o soro seja uma boa alternativa, já que vamos aplicar os anticorpos prontos e o paciente não vai precisar produzi-los para combater a doença.

Paula Leal, Revista Oeste