segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Japão entendeu o vírus chinês melhor do que outros países, sem prescrever lockdowns rigorosos ou testagens em massa: evita espaços fechados, aglomerações e locais onde o contato é próximo

Quando o navio de cruzeiro Diamond Princess, com um grande número de pessoas infectadas pelo vírus chinês, chegou ao Japão em fevereiro, isso parecia um mau sinal. Uma pequena placa de Petri flutuante ameaçava transformar o arquipélago japonês numa outra enorme. Mas, fazendo uma retrospectiva, a exposição inicial ao coronavírus ofereceu lições às autoridades que ajudaram a tornar a pandemia no Japão a mais leve entre as grandes economias do mundo, apesar de um aumento recente de infecções. 

Em março, as autoridades japonesas alertaram os cidadãos para evitarem os “3Cs”, que em português seriam os espaços fechados, as aglomerações e os locais onde o contato é próximo

O clima frio agora vem empurrando as pessoas para os espaços fechados, como ocorre no Hemisfério Norte. 



Pessoas com máscaras caminham na rua comercial Aoyama, em Tóquio 

Foto: Yuka Ando/Kyodo News/AP



No Japão, mais de 2,4 mil pessoas morreram em consequência do vírus chinês, pouco mais da metade dos óbitos registrados na China e um número menor em relação às mortes registradas num único dia, e por várias vezes na semana passada, nos Estados Unidos. O Japão contabilizou 18 mortes por milhão de pessoas, um número mais alto do que os 'oficiais' na China, mas de longe o menor no âmbito do G-7, o clube das grandes democracias industrializadas – a Alemanha vem em segundo lugar, com 239 óbitos. Mais surpreendente, o Japão alcançou esse sucesso sem prescrever lockdowns rigorosos ou testagens em massa – as principais armas usadas em outros lugares na batalha contra o vírus chinês.

“Desde o início não visamos um confinamento”, afirma Oshitani Hitoshi, virologista de um painel de especialistas que assessora o governo. “Isso exigiria identificar todos os casos possíveis, o que não é viável num país do tamanho do Japão e quando a maior parte das infecções não apresenta sintomas ou é leve.” 

O Japão realizou o menor número de testes entre os países do G-7: uma média de 270 por dia para cada milhão de pessoas, comparado com os cerca de 4 mil nos EUA.

O governo, em vez disso, decidiu aplicar as lições do Diamond Express. Depois que oficiais e enfermeiros treinados para a quarentena foram infectados a bordo do navio, apesar de seguirem os protocolos para combater o vírus chinês que se propagava por meio de gotículas, a equipe de Oshitani descobriu que a doença vinha se disseminando pelo ar. 

Em março, as autoridades japonesas alertaram os cidadãos para evitarem os “3Cs”, que em português seriam os espaços fechados, as aglomerações e os locais onde o contato é próximo

A frase foi acatada na internet e nos meios de comunicação tradicionais. Pesquisas realizadas no primeiro semestre indicaram que uma grande maioria estava evitando os locais mencionados. A editora japonesa Jiyukokuminsha recentemente declarou o “3Cs” como “o slogan do ano” de 2020.

O Diamont Express também inspirou um foco precoce nos agrupamentos. O governo criou uma força-tarefa nesse sentido em março.

Esses insights permitiram às autoridades fazerem distinções microscópicas sobre os riscos, optando por direcionar as restrições e não ficar oscilando entre os extremos de um lockdown rigoroso e uma abertura geral.

Nishimura Yasutoshi, ministro que supervisiona a resposta do governo ao vírus chinês, carrega com ele um aparelho que monitora dióxido de carbono para medir a qualidade da ventilação durante suas reuniões. A sala onde a reportagem se reuniu com ele registrava 506 partes por milhão, bem abaixo do limite de 1.000 partes por milhão que indica um fluxo de ar ruim. A entrevista foi realizada diante de uma enorme mesa, por trás de protetores de plástico e máscaras.

Os pesquisadores utilizaram o Fugaku, o supercomputador mais veloz do mundo, para criar modelos de diferentes situações. 

Trens de metrô lotados implicam pouco risco se as janelas estiverem abertas e os passageiros usarem máscaras, insiste Nishimura. 

Se as pessoas se sentam diagonalmente e não em frente uma da outra, isso também reduz o risco de infecções em 75%. Cinemas são seguros “mesmo se as pessoas estiverem comendo pipoca e hot-dogs”, afirma ele. Enquanto muitos cinemas no Ocidente estão fechados, o Demon Slayer, um novo filme de animação, vem sendo exibido com os cinemas lotados no Japão. Além dos “3Cs”, o governo japonês alerta para outros cinco perigos específicos: jantares com bebida alcoólica, beber e comer em grupo de mais do que quatro pessoas, falar sem máscaras em locais fechados, usar dormitórios e outros pequenos espaços compartilhados, vestiários ou salas de descanso ou lazer.

Naturalmente, essas recomendações não valeriam nada se os cidadãos as ignorassem. Mas os japoneses acataram as orientações do governo para ficarem em casa e em quarentena caso observassem algum sintoma do vírus, apesar dessas advertências não terem força legal.

“Às vezes somos criticados por sermos uma sociedade excessivamente homogênea, mas acho que, dessa vez, isso é positivo”, diz Nishimura. E o Japão, um país limpo e ordenado, se tornou ainda mais meticuloso com relação à higiene. Enquanto os americanos alegam que o uso de máscara facial é um ataque à liberdade do indivíduo, os japoneses fazem fila na frente da Uniqlo (uma loja de roupas) para o lançamento da sua nova linha de máscaras. Durante as dez primeiras semanas da temporada de gripe no outono, o Japão registrou 148 casos de gripe comum, ou menos de 1% da média de cinco anos para o mesmo período (17 mil).


Passageiros do Diamond Princess foram confirmados com coronavirus 

Foto: EFE/EPA/FRANCK ROBICHON


Além disso, embora a população japonesa seja desproporcionalmente idosa, portanto mais vulnerável à covid-19, ela é muito saudável. Somente 4,2% dos adultos japoneses são obesos – a obesidade é uma condição que torna a doença mais letal. O Japão também tem um bom sistema de saúde, com cobertura universal e muitos hospitais bem equipados. E tem muitos profissionais especializados no rastreamento de contatos, que fazem parte de uma rede de saúde pública estabelecida e que remonta à década de 1930.

Essas vantagens, claro, têm seus limites. O vírus se propagou rapidamente nas últimas semanas, alcançando altas recordes de casos e óbitos diários. O governo teve de despachar pessoal médico das suas Forças de Autodefesa para auxiliar os hospitais nos locais mais afetados. Mas, ao mesmo, tempo tem desencorajado a cautela com um programa que subsidia o turismo doméstico e ida a restaurantes, num esforço para respaldar a economia. Embora isso, ao que parece, contribuiu para os recentes contágios, o governo somente procura contê-lo em vez de eliminá-lo. 

O clima frio agora vem empurrando as pessoas para os espaços fechados, como ocorre no Hemisfério Norte. 

Mas no Japão, pelo menos, o crescimento recente no número de casos teve início a partir de uma base notavelmente menor. TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Com The Economist e O Estado de São Paulo


Em tempo: O segredo do sucesso do combate ao vírus chinês no Japão, em grande parte, está na obediência da sociedade às orientações das autoridades. No Brasil, como levar a sério a recomendação de ministros do STF - Gilmar Mendes, Lewandowski, Toffoli, Alexandre de Moraes, Carmen Lúcia... -, de João Doria, de Mandetta, de Rodrigo Maia...? E a imprensa tradicional, Globo, Folha e Estadão à frente, que apostam francamente no quanto pior melhor, disseminando o terror?