sábado, 23 de maio de 2020

"Os loucos para reviver Roosevelt e Keynes na era do vírus", por Vilma Gryzinski



Intervenções maciças dos governos são medidas emergenciais que talvez deem certo; se transformadas em permanentes, é garantido que darão errado 


O culto e chique lorde Keynes só não está se revirando no túmulo porque o irmão, ignorando sua vontade, mandou cremar o corpo e jogar as cinzas na idílica propriedade campestre da família.

Se estiver acompanhando o debate atual de algum lugar no plano superior, Franklin Delano Roosevelt talvez esboce um sorrisinho e coloque mais um cigarro na piteira diante das confusões que seu legado evoca nesse momento de crise.

Tanto o economista inglês quanto o presidente americano estão sendo responsabilizados por coisas que nunca fizeram ou pensaram em fazer. 

Seus sacrossantos nomes são repetidamente evocados para justificar a transformação das medidas de emergência diante de uma crise catastrófica em um sistema permanente de intervenção em massa do Estado via economia dirigida.

Ou, nas infelizes palavras de um certo ex-presidente, que depois teve a decência de se retratar:

“Ainda bem que a natureza criou esse monstro chamado coronavírus para que as pessoas percebam que apenas o Estado é capaz de dar a solução”.

Mais um pouco de aula de economia e história do universo bizarro:

“Imagina quando Roosevelt teve que agir na guerra. Você acha que ele estava preocupado com orçamento? Não! Ele tinha que fazer armas para vencer a guerra”.

Desconte-se o fato de que é compreensível confundir o New Deal, o programa de obras públicas e outras iniciativas para reverter a economia em recessão, que foi de 1933 a 1939, com o esforço de guerra, quando o capitalismo mais clássico foi desencadeado – e bancado por bônus vendidos à população, com uma ajudazinha de estrelas do show business.

Roosevelt desenvolveu por conta própria suas ideias de como tirar os Estados Unidos da crise – queda de 30% do PIB entre 1929 e 1933.

Foi, assim, um keynesiano precoce. Quando foi eleito, em 1933, recebeu a famosa carta, sugerida pelo New York Times e escrita com a elegância e precisão que eram a praxe para Maynard, como o chamavam os amigos.

Se fracassasse em “consertar os males de nossa condição”, a “mudança racional será gravemente prejudicada em todo o mundo, abrindo caminho à ortodoxia e à revolução” para decidirem a parada.

Até hoje as duas escolas, a liberal e a intervencionista, discutem se o New Deal realmente salvou a América ou se, ao contrário, atrasou uma recuperação que já estava escrita em linhas tortas pelo mercado. 

Talvez os dois lados tenham argumentos válidos.

As cenas de miséria e desemprego haviam sumido da paisagem americana, mas a economia ainda estava em retração – 3,3% em 1938.

A explosão de riqueza que o esforço de guerra trouxe foi puxada pelo afrouxamento das regulamentações impostas pelo New Deal, não o contrário.

As grandes indústrias que se tornaram sinônimo de capitalismo – Ford e os dois generais, Motors e Electric – passaram a ganhar mais e ter menos regulamentação quando entraram na produção de material bélico.

Roosevelt, que a direita pura e dura até hoje considera um neossocialista, republicanos para o governo e para o Conselho de Produção Bélica.

Em 1941, o PIB teve crescimento de 17,7%. O aumento real entre 1940 e 1945 foi de 72%. 

O dirigismo não desapareceu, ao contrário, atingiu níveis impensáveis, hoje, como a conversão forçada das indústrias para a produção bélica. 

O governo desviou 10% da força de trabalho para o serviço militar com soldos abaixo do salário mínimo. 

Para priorizar as forças armadas, a população civil passou a sofrer racionamento de carne, gasolina, querosene, nylon, seda, sapatos, açúcar, café, queijo, leite e todos os alimentos processados.

Mais: o aumento de impostos foi geral, chegando a 90% nas faixas mais altas.

E o endividamento atingiu 105% do PIB – nível alcançado tranquilamente por países fiscalmente desequilibrados antes mesmo do novo vírus.

Guerra é guerra.

Dá para imaginar racionamento e dirigismo no presente, quando só haverá escassez de produtos se a força de trabalho não for reintegrada a tempo de salvar as cadeias de produção?

Mas é fato que a grande crise econômica provocada pela pandemia ressuscitou os neokeynesianos. 

Ou os simplesmente loucos por estourar um orçamento. O que coloca o novo fã de Roosevelt na mesma liga que Donald Trump (previsão de estouro de 3,8 trilhões de dólares este ano).

Com a superação gradual da epidemia nos países europeus, o debate entre negacionistas e histéricos – nem precisa explicar que é a respeito da quarentena – vai sendo substituído pela discussão sobre o que fazer com as economias lascadas e o desemprego galopante.

Escreveu o autor britânico Nick Tyrone na Spectator:

“Um dos temas polîticos dominantes do momento é que o Estado grande, juntamente com um modelo econômico de alta taxação e endividamento, está aqui para ficar. Os que advogam por um pouco mais de mercado e menos gastança pertencem a uma era do passado”.

“Em termos de sair da crise atual, a ideia de que o Estado deve ser o motor principal para a recuperação econômica é perigosa”.

“Para começar, o governo não pode continuar pagando tudo para sempre. Em algum momento o mercado tem que reassumir”.

A grande dúvida, claro, é quando. Só saberemos quando o tamanho do estrago de médio prazo for sendo desenhado por economias reativadas.

Os países que já passaram pelas políticas econômicas anticíclicas na versão tropical, que horrorizariam o bom lorde Keynes, pelo menos não podem dizer que ignoram seu resultado. 

Toda vez que alguém disser “Somos todos keynesianos agora” estará ligado ao conhecido desastre acima mencionado.

Tanto para os fãs quanto para os desafetos, John Maynard Keynes legou uma obra de respeito e tiradas preciosas pela capacidade de síntese e simplicidade de estilo.

Uma delas, para terminar: “O maior problema político da humanidade é combinar três coisas: eficiência econômica, justiça social e liberdade individual”.

Com Blog do Orlando Tambosi