sábado, 23 de maio de 2020

O Brasil sofre psicótica inversão de valores, afirma Procurador da República Ailton Benedito

Ailton Benedito de Souza, Procurador da República e secretário de Direitos Humanos no gabinete do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, é reconhecido por sua postura conservadora, sempre atuando em prol dos direitos dos cidadãos, jovens e crianças. Em entrevista exclusiva ao site Jornal da Cidade Online, ele aborda diversos temas, como a politização da justiça; a falta de comprovação científica para o confinamento; Escola Sem Partido; Ideologia de Gênero; e o uso do medicamento hidroxicloroquina.
Confira a entrevista completa:
Jornal da Cidade Online: O STF ultrapassou e muito suas atribuições, hoje os ministros togados legislam, executam... quem julgará o STF?
Ailton Benedito: Há uma premissa oculta na questão: trata-se do insolúvel problema da judicialização da política ou, sob outra perspectiva, da politização da justiça, fenômeno que não é experienciado apenas no Brasil. É a realidade dos países democráticos, onde o Estado se organiza em três poderes, que devem ser independentes e harmônicos entre si, de forma dinâmica, ou seja, não estática, pronta e acabada. A fricção entre os três poderes sempre existiu e continuará existindo na realidade, independentemente das prescrições dos textos normativos. Diante disso, se o STF, algum momento, ultrapassa os limites das suas competências, cabe aos outros dois poderes agirem de acordo com o sistema de freios e contrapesos para restabelecer o necessário, adequado e proporcional equilíbrio, tudo sobre fiscalização da sociedade, uma vez que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, à luz da Constituição da República, art. 1o, parágrafo único, e 2o, qual todos estamos submetidos.
Jornal da Cidade Online: Além disso, o STF outorgou poderes aos governadores e prefeitos nesse momento de pandemia, e eles estão tomando atitudes ditatoriais, agindo com violência contra o povo. O que senhor acha disso?
Ailton Benedito: Entendo que o STF não outorgou poderes ilimitados aos governadores e prefeitos no momento da pandemia. Há muita desinformação político-midiática propagada sobre o que o tribunal verdadeiramente decidiu. Cito, a propósito, que o tribunal, na ADPF no 672/DF, determinou que, tratando de eventual conflito federativo e os evidentes riscos sociais e à saúde pública com perigo de lesão irreparável, concedeu parcialmente medida cautelar, com base no artigo 21, V, do RISTF, para determinar: “a efetiva observância dos artigos 23, II e IX; 24, XII; 30, II e 198, todos da Constituição Federal na aplicação da Lei 13.979/20 e dispositivos conexos, RECONHECENDO E ASSEGURANDO O EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS GOVERNOS ESTADUAIS E DISTRITAL E SUPLEMENTAR DOS GOVERNOS MUNICIPAIS, cada qual no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus respectivos territórios, para a adoção ou manutenção de medidas restritivas legalmente permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de pessoas, entre outras; INDEPENDENTEMENTE DE SUPERVENIÊNCIA DE ATO FEDERAL EM SENTIDO CONTRÁRIO, sem prejuízo da COMPETÊNCIA GERAL DA UNIÃO para estabelecer medidas restritivas em todo o território nacional, caso entenda necessário”.
O problema é que, lamentavelmente, essa decisão tem sido, absurda e mentirosamente, desvirtuada e propagada como se fosse carta branca para governadores e prefeitos imporem medidas a seu talante, sem respaldo na mesma Constituição e na Lei federal n. 13.979/20, ou, ademais, sem que haja lei estadual ou municipal, concorrente ou suplementarmente, concedendo-lhes autorização para medidas não previstas na legislação federal.
Diante desse quadro, cabe, sobretudo ao Ministério Público, cumprir suas funções constitucionais de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos direitos sociais e individuais disponíveis, tomando as medidas necessárias, inclusive judicialmente, para assegurar o cumprimento da Constituição e da Lei federal n. 13.979/20, como também da referida decisão do STF, a fim de combater veemente os abusos praticados contra os direitos humanos de brasileiros, a pretexto da pandemia do Covid-19.
Jornal da Cidade Online: A Justiça de São Paulo negou o pedido do MP para esvaziamento da Cracolândia. Ou seja, trabalhadores e banhistas podem ser presos porque ousam sair da quarentena, mas dependentes químicos que vagam pelas ruas são intocáveis?
Ailton Benedito: Causa perplexidade a qualquer pessoa minimamente racional que cidadãos cumpridores das leis estejam sendo confinados indiscriminadamente em casa, frise-se, sem comprovação científica de eficácia da medida, a pretexto de enfrentamento à pandemia do Covid-19, ao mesmo tempo em que cracolândias sigam existindo a céu aberto em cidades brasileiras, aumentado sobremaneira o risco de contágio aos próprios usuários, em função da imunodeficiência proveniente da dependência química. Ou bem o confinamento residencial é medida cientificamente atestada como necessária e eficaz, e deve-se impor também a usuários de drogas ilícitas, ou não é cientificamente comprovada nem eficaz.
Jornal da Cidade Online: Até Maduro adotou o uso da hidroxicloroquina, mas, dessa vez, a esquerda brasileira não bateu palmas para o ditador. Ganhar a narrativa política é mais importante do que salvar vidas? Estão politizando o uso do remédio?
Ailton Benedito: A hidroxicloroquina é medicamento conhecido e utilizado há mais de 7 décadas no Brasil e no mundo, para tratar doenças várias, por exemplo, malária, artrite reumatóide, lúpus. São milhões de pessoas que o utilizam continuamente, a despeito de que sua bula advertir para possíveis efeitos colaterais. Mas qual bula não faz esse tipo de advertência? Por exemplo, as bulas dos medicamentos antipiréticos atualmente recomendados para apenas amenizar os sintomas da infecção viral mencionam incontáveis possibilidades de efeitos colaterais dos mesmos. E não têm sido atacados como a hidroxicloroquina.
O uso “off label” desse medicamente é tão corriqueiro, que, durante o surto de chikungunya, há alguns anos no Brasil, o próprio Ministério da Saúde o recomendou em protocolo clínico e diretriz terapêutica. E naquele tempo não houve a mínima resistência político-midiática contra o fármaco.
Ainda a favor do uso desse fármaco no tratamento do Covid-19, tem-se que ele vem apresentando evidências científicas retrospectivas em inúmeros estudos de caso por diversos países, tais como Itália, França, Índia, Espanha, Estados Unidos, China, Senegal etc., e inclusive no Brasil.
Como se não bastasse, é preciso destacar que a hidroxicloroquina está protegido por direitos de patente, é baratíssimo, de fácil produção. Ou seja, a sua eficácia terapêutica poderá servir para economizar centenas de bilhões dos brasileiros, prevenir desvios pela corrupção e, acima de tudo, salvar vidas dos brasileiros que estão ameaçadas pelo Covid19 sem tratamento.
Não bastassem esses argumentos, cabe destacar que até o ditador bolivariano Nicolás Maduro adotou uso da hidroxicloroquina como estratégia de enfrentamento ao Covid-19 na Venezuela. Nesse caso, os que, desde o Brasil, sempre veneraram aquele ditador têm uma oportunidade, neste caso, legítima, de o aplaudir entusiasticamente.
Jornal da Cidade Online: O senhor defende a Escola Sem Partido. Qual o perigo da ideologia maciça na cabeça das crianças nas salas de aula?
Ailton Benedito: De acordo com o artigo 227 da Constituição, “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
Com efeito, a Constituição e as leis infraconstitucionais reconhecem a criança e o adolescente como seres humanos em desenvolvimento, ou seja, não alcançaram a plenitude das suas capacidades físicas, mentais, morais, espirituais e sociais, em condições de liberdade e de dignidade. Sem tais capacidades desenvolvidas os seres humanos não têm o cabedal cognitivo necessário para julgar as ideologias e rechaçar as que lhe fazem mal.
Não por outra razão, os epígonos das mais nefastas ideologias do século XX, quais sejam, o nazismo e o comunismo, responsáveis pelo extermínio de, ao menos, duzentos milhões de pessoais, buscavam se impor às suas vítimas desde a mais tenra idade, servindo-se para isso da “escola do partido”.
Usar as oportunidades franqueadas pela escola para impor a crianças e adolescentes ideologias, que são contrafações da realidade, implica obstaculizar que eles desenvolvam o cabedal cognitivo necessário e adequado para compreender a si e ao mundo, e que possam agir de acordo com tal compreensão.
Contra essas práticas hediondas, defendo a escola sem partido, a fim de assegurar que as crianças e os adolescentes não sejam submetidos a nenhuma forma de massacre ideológico e tenham seus direitos humanos protegidos com prioridade absoluta pelo Estado, a sociedade e a família.
Jornal da Cidade Online: O senhor também se posicionou contra a ideologia de gênero. Em janeiro deste ano, o Conselho Federal de Medicina publicou uma resolução permitindo o tratamento hormonal cruzado a partir dos 16 anos, antes era 18. E querem reduzir ainda mais a idade. Uma criança ou um adolescente tem discernimento para que se permita o bloqueio da puberdade? Mais uma vez, vemos o poder da ideologia...
Ailton Benedito: A bem da verdade, eu ainda não firmei um posicionamento a respeito desse tema. Instaurei o procedimento de apuração no Ministério Público Federal em Goiás, o qual ainda está tramitando, no âmbito do qual colho elementos de prova aptos a firmar convicção jurídica a respeito.
Jornal da Cidade Online: O senhor comentou que acha inadequado autoridades que defendem direitos humanos, mas desprezam os 60 mil brasileiros assassinados todos os anos. Já vimos presos ganhando tablet, assassinos que mataram pai e mãe saindo da prisão para comemorar Dia das Mães... Parece realmente que os criminosos têm mais direitos do que os cidadãos de bem, não é?
Ailton Benedito: O Brasil sofre psicótica inversão de valores, pela qual o cidadão de bem, que respeita o Estado Democrático de Direito, é ameaçado, constrangido, agredido, aviltado, diariamente vilipendiado em seus direitos humanos diariamente. Enquanto aos criminosos são franqueadas todas as garantias bandidólatras e democidas. E tudo se sucede como se fosse absolutamente normal, de acordo com a ordem natural das coisas, como a falar “hoje é quarta-feira”.
Insofismavelmente, criminosos sob tutela do Estado, uma vez punidos, sendo presos, devem ter seus direitos humanos preservados, naquilo que não sejam atingidos pela punição estatal. Inversão desumana acontece quando os cidadãos de bem, respeitadores das leis, não têm garantidos os seus direitos humanos, o que sói, e que se tem observado vergonhosamente, por exemplo, durante a atual pandemia do Covid-19, ocasião em que se noticiam de norte a sul, de leste a oeste, diversas formas de violações de direitos humanos, sobretudo à vida, às liberdades de locomoção, manifestação de pensamento, reunião, expressão religiosa, bem como à propriedade, à segurança, à saúde, ao trabalho etc. Tudo isso, sem que órgãos, instituições, ONGs e “militantes dos direitos humanos” dêem um pio em protesto.
Nesse sentido, a inversão psicótica de valores beira o escárnio, quando se rememora que, no Brasil, são assassinados cerca de 60 mil pessoas por ano, mais 500 mil na última década, e desses 460 mil nunca sequer foram esclarecidos; os assassinos continuam absolutamente impunes, sob as barbas omissas dos mesmos órgãos, instituições, ONGs, “militantes dos direitos humanos”, que só enxergam ofensas a direitos humanos que atingem criminosos.
É imperioso ter clareza: a punição efetiva dos criminosos é direito humano do cidadão de bem, proteção da sociedade, preservação do Estado Democrático de Direito.
Jornal da Cidade Online: O senhor é um dos fundadores do grupo Ministério Público Pró-Sociedade, cujo manifesto diz que o MP não deve ser agente de transformação social. O senhor acha que existe um forte aparelhamento ideológico no MP, assim como em outras instituições? Isso é o resultado de 16 anos de lulopetismo e 8 anos de social democracia tucana?
Ailton Benedito: O Ministério Público é instituição permanente, essencial à justiça, incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos direitos sociais e individuais indisponíveis, nos termos da Constituição.
A instituição, como qualquer ente do Estado, é integrada por seres humanos, que carregam em si valores pessoais, sociais, políticos etc. Com efeito, é humanamente impossível que seus integrantes se dispam dos seus valores. Eles não nascem numa espécie de batismo para uma nova vida no dia que assumem o cargo.
A fim de evitar que nossas idiossincrasias axiológicas prevaleçam sobre o cumprimento das nossas funções públicas, é imprescindível que exerçamos cotidiana autocontenção e, mais, que nos submetamos a controles institucionais e sociais, que são garantia de que seus integrantes cumprem o que lhes determinam a Constituição e as leis.
Devemos fazer um exercício diário de humildade. Saibamos que não nos cabe transformar a sociedade conforme nossos próprios desígnios. Não somos eleitos para isso.
Esse deve ser o norte de atuação de qualquer membro do Ministério Público preza a instituição e, sobretudo, a sociedade que lhe cumpre defender.
É o que norteou a fundação da associação Ministério Público Pró-Sociedade.
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